Reforma universitária recebe 368 emendas; Fundeb avança

Debatida durante quase dois anos dentro do MEC, a proposta de reforma da educação superior passou os últimos 12 meses na geladeira da Casa Civil. A demora, resultado de dura negociação entre a área econômica e o MEC sobre o financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) (UNE pressiona para que Lula envie anteprojeto ao Congresso ) sinalizava que uma das principais bandeiras do governo poderia deixar de ser conquista para se tornar promessa do próximo mandato. Ao enviar a proposta como projeto de lei para o Congresso ( Reforma universitária é descongelada; projeto vai ao Congresso), no entanto, o governo mudou o quadro e ‘engatou a marcha rápida’. A pressão de diversas entidades, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), para uma tramitação rápida foi atendida e o PL 7200 (numeração dada à proposta na Câmara) ganhou caráter de urgência constitucional, o que diminui etapas e agiliza o processo de tramitação.

Mas a iniciativa de acelerar a tramitação para que o projeto seja votado ainda em 2006 pode ficar na intenção. Os diversos interesses envolvidos, os pontos não resolvidos na proposta enviada pelo governo e a polêmica em cima de questões de fundo resultaram em 368 emendas apresentadas pelos deputados da casa. Apesar da previsão do MEC de que no parlamento seriam necessários apenas ajustes, a alta quantidade de emendas mostra que a tramitação não será fácil. Apesar da surpresa, boa parte delas já estava anunciada desde a discussão sobre a redação final do projeto do governo. É o caso das emendas da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o órgão representativo dos reitores. A entidade se dedicou em dois pontos principais: autonomia das Ifes e financiamento.

A Andifes, por meio do deputado Carlos Abicalil (PT-MT), propõe que o projeto garanta a desvinculação direta – sem abdicar do cumprimento das regras estatais – das universidades federais em relação à União. As Ifes seriam figuras de direito público mas dotada de capacidade de auto-normação e auto-gestão pedagógica e financeira, atendendo as prerrogativas inerentes à autonomia universitária prevista na Constituição Federal. “Não se pode falar em autonomia sem dispensar um tratamento diferenciado às universidades federais”, argumenta a associação em um dos documentos entregues ao MEC sobre o projeto.

Em relação ao financiamento, a Andifes tenta em suas emendas resolver impasse não solucionado internamente no governo. O projeto garante para a educação superior federal a subvinculação de 75% dos 18% de impostos arrecadados para a Educação segundo a Constituição. Os reitores mantêm a reivindicação de excluir desta base de cálculo as despesas que não são caracterizadas como manutenção, os gastos com Hospitais Universitários e os débitos resultantes de ações judiciais.

Pela redação atual do projeto, haverá um ganho de recursos na ordem de R$ 1 bilhão, quantia considerada insuficiente pelas entidades da comunidade acadêmica para dar conta das demandas das atuais e novas universidades federais. “Ainda tem de ser incorporado todo o gasto da expansão, dos novos campi e dos novos profissionais a ser contratados. Quando contabilizamos e incorporamos isso, este montante começa a se diluir, podendo em três anos estes recursos serem absorvidos”, comenta Paulo Speller, reitor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e presidente da Andifes. Segundo projeções da entidade, ao retirar as despesas citadas nas emendas do cálculo, as Ifes ganhariam um adicional anual de cerca de R$ 2 bilhões. A proposta encontra resistências, no entanto, dentro do próprio governo, pois nem a área econômica e nem o Ministério da Saúde aceitam arcar com as despesas.

Apesar da UNE somar-se ao esforço dos reitores por mais financiamento, emenda da entidade propondo aumento de recursos para a assistência estudantil deve gerar polêmica com os dirigentes das universidades federais. Os estudantes querem que o percentual das verbas de custeio previsto na redação atual, 9%, seja ampliado para 14%, índice considerado razoável pelo Fórum dos Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace). “Queremos este número tanto pela necessidade atual quanto pelo aumento da demanda com ações como política de reserva de vagas”, defende Gustavo Petta, presidente da UNE. A preocupação de Petta tem foco na possível aprovação do PL 73/99, que garante cotas para estudantes de escolas públicas respeitando a proporção étnica e racial de cada região. Mecanismos de democratização do acesso à universidade, propõe a entidade, necessitam de garantias de condições de permanência para estes estudantes.

Outra preocupação da UNE é a regulamentação do ensino privado, cujos dispositivos foram retirados entre a primeira e segunda versão do projeto (Andes critica nova versão, UNE apóia com ressalvas). A entidade apresentou emendas por meio da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) que estabelecem mecanismos para coibir abusos nos reajustes de mensalidades. Segundo as propostas, os aumentos teriam de ser justificados com base nas necessidades da instituição a partir da divulgação da planilha de custos da escola. Sua efetivação estaria condicionada a uma negociação com entidades estudantis e de pais de alunos em processo iniciado no mínimo 120 dias antes do fim do semestre. As emendas buscam reparar a situação atual, em que as faculdades privadas promovem aumentos sem expor os critérios e de forma unilateral.

CONTROLE DA EDUCAÇÃO PAGA

O PSol também centrou fogo no controle do ensino privado. E foi mais longe. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) apresentou emenda para vedar a entrada de iniciativa privada estrangeira nas instituições de ensino superior brasileiras. Segundo a redação atual, é permitida a entrada de dinheiro estrangeiro em 30%, mas há propostas de aumento deste percentual. “Permitir a propriedade estrangeira das instituições de ensino superior poderá levar à disseminação de idéias e valores dissociados dos interesses nacionais e de um projeto de nação acentuando ainda mais a dependência econômica e cultural já existentes”, diz a justificativa da emenda apresentada.

Entre as propostas do deputado destaca-se também a proibição da abertura de Centros Universitários, exceto em casos de ‘necessidades sociais’ e com base em critérios e número de vagas previamente estabelecido pelo MEC. A emenda visa atacar os artigos que facilitam a criação desta modalidade de instituição que confere liberdade para o empresariado desconectada de exigências existentes no caso das universidades.

Valente apresentou também outras emendas para garantir o fortalecimento da educação superior pública, como a retirada do prazo de 10 anos para a subvinculação de 75% dos 18% das verbas constitucionais da educação, garantindo ainda correção dos valores anuais com base na inflação do último período. Outra proposta é o estabelecimento da meta de 40% de matrículas nas instituições públicas em prazo determinado, artigo retirado entre a terceira versão do MEC e a redação do projeto de lei que foi à Câmara. Hoje apenas 30% dos alunos estão nestas instituições, quadro que na justificativa da emenda deve ser mudado, sendo necessário para isso uma meta estabelecida em lei. O deputado propõe também retirar o dispositivo que condiciona o repasse de recursos da União à ‘critérios produtivistas’, garantindo isonomia de financiamento para todas as instituições.

Para Gustavo Petta, a disputa entre as concepções de fortalecimento da educação pública e liberalização dos serviços será a tônica da tramitação do projeto. Na sua opinião, se por um lado as entidades da comunidade acadêmica apresentaram em maior ou menor grau propostas de ajustes ao projeto na direção da defesa da escola pública, o lobby dos donos de universidades pagas se caracteriza por dois movimentos. Um primeiro de mudança radical da reforma e outro de mudanças pontuais. No entanto, alerta para os riscos de ambas movimentações, pois o projeto pode ser descaracterizado com pequenas mudanças. “Há diversas emendas no Artigo 3o visando desfigurar a essência do projeto, que é criar um sistema nacional e um marco regulatório que também abranja a iniciativa privada”, diz .

Apesar da urgência constitucional, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), se comprometeu em conversas com entidades a garantir o mínimo de debate sobre a proposta. Em entrevistas à imprensa, dirigentes do MEC vêm sugerindo que é possível aprovar a matéria ainda este ano. Resta saber se as divergências profundas conseguirão ser resolvidas.

FUNDEB

Se o marco legal da educação superior inicia sua caminhada no Congresso, o principal projeto do governo relacionado ao ensino básico entra na reta final. Foi aprovado no plenário do Senado, na noite desta terça-feira (4), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Por conta das modificações feitas na Casa, agora a matéria volta à Câmara, onde será novamente apreciada.

Aprovado, o Fundeb vai significar importante injeção de recursos para resolver esta situação. O novo fundo substitui o Fundef, que abrigava antes somente da 1a à 8a série, incluindo a educação infantil e o ensino médio. Pela redação atual da proposta, a arrecadação poderá chegar a R$ 50 bilhões, montante que ganhará acréscimo de mais R$ 5 billhões da União a partir do quarto ano. O Fundo tem vigência prevista até 2020 e será composto por 20% da receita de uma cesta de impostos.

Fonte: Agência Carta Maior