Disputa presidencial vai para o segundo turno

O Brasil voltará às urnas, daqui a quatro semanas, no dia 29 de outubro, para definir o próximo presidente da República. Os resultados das votações neste domingo (1º) confirmaram a polarização entre a candidatura à reeleição do presidente Lula, do PT, e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, e acabaram com a expectativa e incerteza que pairava sobre uma possível definição ainda no primeiro turno caso Lula obtivesse 50% mais um dos votos válidos. Lula chegou a tocar o patamar de 49,6% dos votos válidos com cerca de 80% do total de votos apurados, mas as parciais seguintes passaram a acenar para um aumento da diferença entre a soma dos votos válidos de todos os outros candidatos com o total acumulado pelo atual presidente.

Por volta de meia-noite, o ministro Marco Aurélio Mello, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), comunicou oficialmente que a corrida presidencial será decidida no segundo turno. Quando Mello veio a público, 97,80% dos votos já estavam apurados – Lula liderava com 45.796.036 votos (48,79% dos válidos) e Alckmin tinha 38.880.443 (41,43% dos válidos), seguido por Heloísa Helena (PSol), com 6.429.759 votos (6,85% dos válidos), e Cristovam Buarque (PDT), com 2.503.027 (2,67% dos válidos). Os votos somados nos demais candidatos não atingiam nem 0,3%.

“Estamos muito satisfeitos, mas é claro que queríamos ganhar no primeiro turno”, afirmou o ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, na saída do Palácio da Alvorada, onde esteve acompanhando a divulgação dos números da apuração com o presidente Lula e outros integrantes da cúpula do governo. Para ele, a votação recebida pelo candidato à reeleição foi “extraordinária”, pois o presidente “enfrentou um cerco político muito grande dos adversários”. O ministro também deu a entender que o presidente participará de debates no segundo turno e que não o fez na campanha do primeiro turno porque identificara um enfrentamento público "desigual", com a participação dos ex-petistas Helo ísa Helena e Cristovam Buarque, além de Alckmin.

O atual vice-presidente e candidato a vice mais uma vez na chapa de Lula, José Alencar, disse estar confiante de que o Brasil vai repetir, no segundo turno, a vitória de Lula no primeiro turno. “O povo deseja eleger o Lula. Não podemos encarar como uma derrota”, afirmou, também na saída do Alvorada. “Nós estamos habituados. Tanto o presidente como eu nascemos de famílias humildes e na dificuldade”.

A associação de Lula com as camadas populares, aliás, antecipa uma das linhas que deve nortear a campanha governista no segundo turno. “Quem gosta do Brasil, gosta do Lula. Lula é o Brasil”, enfatizou Alencar, salientando que o presidente está absolutamente disposto a enfrentar mais um mês de campanha. “O Lula é um grande presidente, mas há um preconceito de que os mais humildes, os mais pobres e os do Nordeste não podem ser presidente da República”. Sobre a possível influência do caso dossiê, que abriu brecha para uma seqüência de ataques ao governo nas duas semanas que antecederam a realização do primeiro turno, ele foi direto. “Todas essas maledicências tentaram atingir o governo, mas o povo sabe que o Lula é um homem de bem”.

Outra linha de ação de peso na campanha de segundo turno buscará enfatizar a comparação do governo Lula (2003-2007) com a administração anterior de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). “São duas experiências de governo bem nítidas”, sublinhou Genro. Alencar declarou que o governo de FHC ficou marcado pela “compra” para a adoção da reeleição. “Houve uma tentativa de compra de constituição de uma CPI e o governo impediu”, recordou. “Nenhum presidente suportou CPI. O Lula já resistiu a três”. O vice-presidente também colocou que “o Brasil nunca possuiu condições tão excepcionais de crescimento”, criticando os aumentos da dívida e da carga tributária promovidos por FHC. Com Lula, a dívida foi reduzida e deixou de ser em moeda estrangeira. “O Lula mandou o FMI para casa”, ressaltou. Nos próximos 30 dias, Alencar promete levar uma “mensagem à população” como parte do programa de “interesse nacional” – cuja síntese, segundo ele, seria: crescimento econômico, com justiça social e distribuição de renda, com ênfase especial no tema da educação.

A coordenação da campanha de Alckmin, por sua vez, deve inicialmente dar prioridade às alianças com os outros candidatos à Presidência da República derrotados no primeiro turno. Logo após a confirmação do segundo turno, o presidente do PSDB, Tasso Jereissati, comunicou que vai entrar em contato com os candidatos Cristovam Buarque (PDT) e Heloísa Helena (PSol) para tentar formalizar uma ampla aliança em torno da candidatura de Geraldo Alckmin. "Vou procurar os dois pessoalmente", ressaltou. De sua parte, porém, Heloísa Helena declarou que não deve apoiar nenhum candidato no segundo turno.

Antes do resultado

O presidente Lula votou em São Bernardo do Campo e chegou à residência oficial do Palácio da Alvorada, em Brasília, por volta das12h30. No período da tarde, esteve acompanhado de Gilberto Carvalho, chefe do gabinete da Presidência da República. Após às 17h, concluído o período de votações, ministros e assessores começaram a chegar ao Palácio. Reuniram-se a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e os ministros Tarso Genro (Relações Institucionais), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Luiz Dulci (Secretaria-Geral) e Guido Mantega (Fazenda), além do vice-presidente José Alencar e dos assessores da Presidência, Clara Ant e Cezar Alvarez.

Mantega, que chegou por volta das 20h30, afirmou a jornalistas, mesmo antes da confirmação de segundo turno, que a votação próxima aos 50% já era uma "grande vitória" e consistia em "capital político muito grande para vencer o segundo turno". Na opinião dele, "houve interferência dessas questões paulistas (no caso do Dossiê Vedoin), mas nós vamos superar".

Em entrevista coletiva concedida por volta das 20h no comitê da candidatura Lula em São Paulo, o coordenador da campanha petista, Marco Aurélio Garcia, afirmou que o PT está preparado para enfrentar um possível segundo turno.“Quero desfazer a análise de que o Brasil está dividido entre um Sul sabido e um Nordeste atrasado, ou uma divisão que estaria atravessando as classes sociais no País. O presidente Lula tem uma votação muito forte em todas os segmentos, mas evidentemente tem um peso muito maior nas classes populares. E é normal que assim seja, afinal ele é o candidato do Partido dos Trabalhadores”, afirmou. Para Garcia, o fato é que o Nordeste reconheceu nas urnas o esforço do governo de não apenas de combater as desigualdades sociais, mas também as regionais.

Expectativa no ar

A expectativa que marcou o dia da eleição, neste domingo (1º), acabou ganhando espaço involuntário em pleno programa dominical de variedades da maior rede de televisão do País. Durante a transmissão do quadro Dança no Gelo, do Domingão do Faustão, da Rede Globo, o apresentador Fausto Silva perguntou a uma das dançarinas do seu plantel quem seria o ganhador da disputa entre celebridades convidadas a deslizar pela gélida plataforma. “Eu acho que o Lula vai ganhar”, respondeu, com convicção.

Às 19h, a pesquisa de "boca de urna" do Instituto Ibope que ouvira mais de 60 mil eleitores em mais de 400 municípios previa 50% dos votos válidos para Lula e 50% para a soma dos outros candidatos, com Geraldo Alckmin, do PSDB, com 38%, Heloísa Helena, do PSol, com 8%, e Cristovam Buarque, do PDT, com 3%. Mesmo com lampejos de possibilidade de vitória ainda no primeiro turno, a impressão, desde às 19h19min, quando foi divulgada a primeira parcial da apuração dos votos para a presidente, com os dois principais candidatos na casa dos 40% de preferência entre os votos válidos era a de que a até então resistente candidatura do presidente Lula tivera sido enfim fatalmente afetada por um conjunto de fatores – veiculação de pesquisas desfavoráveis às vésperas da votação, o vazamento controverso das fotos do dinheiro e as investigações inconclusas do caso da compra do Dossiê Vedoin e o desgaste amplificado pela ausência no debate da TV Globo, realizado na última quinta-feira (28), regados com a colaboração da cobertura massiva e direcionada da mídia – nos últimos dias da eleição.

Fone: André Barrocal, Maurício Hashizume e Verena Glass – Agência Carta Maior