Lula e Alckmin fazem disputa equilibrada no melhor debate até aqui

O melhor debate do segundo turno, uma espécie de compacto dos dois anteriores. Assim pode ser definido o terceiro encontro entre os dois presidenciáveis, Geraldo Alckmin e Luiz Inácio Lula da Silva, na noite da segunda-feira (24), na Rede Record. O tucano, embalado pelo mote “Com que roupa?”, da genial música de Noel Rosa, modelou o figurino: nem delegado azedo, como no debate da Bandeirantes, e nem bom moço de Pindamonhangaba, como no SBT. O ex-governador parece que acertou o tom aos 40 minutos do segundo tempo, tornando-se incisivo e ao mesmo tempo controlado. Estava menos nervoso do que na semana passada.

Lula, também melhor preparado, não abusou da ironia e evitou recitar tantos números, que tornariam o programa enfadonho. Ambos estavam em seus melhores momentos, o que, mais uma vez, torna difícil julgar quem ganhou e quem perdeu. Ao candidato do PSDB interessava atacar em todos os flancos. A esperança era encontrar um ponto fraco no oponente, que lhe possibilite realizar uma tarefa quase impossível: zerar a diferença de quase 20 pontos percentuais que o separam do ex-metalúrgico, em menos de quatro dias. E a este interessava não tomar nenhum gol pelo vão das pernas, ou mesmo nenhum olé no meio do jogo.

O tom de cada um

Com algumas repetições de temas em relação aos encontros anteriores, a noite na Record foi tensa e movimentada. Enquanto Alckmin tentava explorar o adversário em assuntos como corrupção e eficiência na gestão, pensando, possivelmente, nas repercussões pela imprensa, Lula falava diretamente com a população, dando exemplos concretos e mastigados do que era possível fazer.

Logo de saída, Alckmin buscou atingir o presidente pela esquerda. “O governo gasta R$ 156 bilhões por ano com os juros da dívida. É o bolsa-banqueiro, o maior projeto de concentração de renda do mundo”, afirmou, citando os dados de 2005. Acusou o governo de dificultar o desenvolvimento do país, “enquanto a China cresce 9% ao ano”. Quis saber das metas de Lula para o desenvolvimento. O petista, neste ponto, escorregou numa casca de banana. “Esses banqueiros são ingratos, porque receberam muito de mim e votam tudo no Alckmin”, respondeu ele, tentando fazer ironia com o Proer, programa de recuperação dos bancos editado pelo governo FHC. “Prefiro que eles ganhem dinheiro emprestando do que com dinheiro público”.

O ex-prefeito de Pindamonhangaba levou vantagem na resposta, ao afirmar que Lula faz ironia com coisa séria, “com o sofrimento das pessoas”. Para ele, “o Brasil atualmente anda como caranguejo, de lado, sem crescer”. Por mais duas vezes, ao longo das quase duas horas de discussões, mediadas pelo jornalista Celso de Freitas, o peessedebista colocaria na mesa o montante de juros pagos pelo governo, sem lembrar que a escalada começara na gestão anterior. Mas Lula o relembrou: “É difícil debater com tanta desinformação assim. Se a (taxa) selic está alta, em 13,75%, imagina quando peguei o governo (com os juros) a 25% (…) Vocês entregaram esse país sem nenhuma credibilidade para financiar nossas exportações”.

Gastos e corrupção

Para tentar acuar o oponente, Lula quis saber onde o tucano vai cortar gastos. Na lata, este retrucou: “Primeiro na corrupção. Os estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que os desvios são de US$ 3,5 bilhões. Roubo até em ambulância, com os sanguessugas”. Aqui o ex-governador deu a deixa e Lula partiu para cima: “Se eu fosse presidente, em 1998, não teria acontecido o caso dos sanguessugas. 85% desses casos começaram antes do meu governo”.

O tom do debate foi dado por este toma-lá-dá-cá de pegadinhas e pequenas espertezas verbais, na tentativa de um oponente levar o outro às cordas. Como nenhum dos dois baixou a guarda, num jogo rápido e direto, um certo nervosismo dominou os cinco blocos.

Aproveitando notícias publicadas nos jornais nos últimos dias, Lula quis saber, com ar pretensamente intimista-compreensivo, “o que está acontecendo em São Paulo?” E citou as manchetes que indicam um possível rombo de R$ 1,2 bilhão nas contas públicas. Com isso, o tucano desfiou uma série de juras e dados ao ajuste fiscal empreendido pelo governo paulista “nos últimos 12 anos”, o “déficit zero” nas contas públicas e propalar a boa saúde das finanças estaduais.

Os temas centrais da campanha – corrupção e privatizações – pontuaram a noite. Alckmin novamente acusou o candidato oficial de mentir: “Sua campanha disse que eu vou acabar com o Bolsa-família e privatizar o Banco do Brasil e a Caixa”. Nervoso, o tucano estourou o tempo destinado à pergunta, sendo advertido pelo mediador. Irônico, Lula disse que cederia 30 segundos de seu tempo para o adversário. Foi a única vez que um dos dois gaguejou. “E-eu aceito”, respondeu o ex-governador, na dúvida se não seria vítima de mais uma pegadinha. Na resposta, Lula estava em seu terreno e completou uma piada que se esquecera de fazer na Bandeirantes: “Você quer vender até o avião da presidência”.

Meios de comunicação e política externa

O debate da Record foi também o mais político de todos. Lula respondeu a uma pergunta inusitada, mas importante, do jornalista Bob Fernandes, sobre a democratização dos meios de comunicação: “Estamos percebendo que em vários estados, um canal X é do pai, o Y é da mãe e Z é do filho. (…) A democratização ainda não chegou aos meios de comunicação”. Disse com todas as letras que pretende regulamentar a comissão constitucional para “avalizar” os meios. E aí fez uma certa salada: “Acredito que os meios de comunicação vão se democratizar com a chegada da TV digital”. A escolha do padrão japonês da modalidade descontentou inúmeras entidades voltadas para a democratização da comunicação, que vêem na medida um favorecimento à Rede Globo.

As diferenças entre os dois candidatos ficaram mais marcadas na questão da política externa. Alckmin acusou o Itamaraty de ter sido “politizado” pelo PT, que colheu diversos fracassos, como na disputa por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, na presidência do BID, na OMC e de ter sido “submissa à Bolívia no caso da nacionalização do gás por aquele país, deixando de lado parceiros tradicionais do Brasil. “Quando os Estados Unidos fazem acordos bilaterais com os nossos vizinhos, o Brasil perde duplamente, perde mercado americano e perde a preferência do vizinho”. Lula nadou de braçada e foi incisivo: “O Brasil não está mais de cabeça baixa para os Estados Unidos, não”.

Rapadura

Em quase duas horas de debate, ambos tentaram várias vezes demarcar campos e orientações. Lula chegou mesmo a ressuscitar termos que não usava havia mais de uma década: “Nós somos diferentes mesmo, ideologicamente, programaticamente e nas propostas que temos para o Brasil”. Quem agüentou acordado até a meia noite assistiu a um belo embate. Com folga nas pesquisas, o empate favorece o petista.

Com tudo isso fica uma evidência: o segundo turno está sendo ótimo para o país. Possivelmente desde 1989 não tínhamos uma eleição tão disputada e tão polarizada. Alckmin pode até tentar mudar de roupa até domingo. Mas somente um cataclismo tira a rapadura da boca do presidente da República.

Fonte: Gilberto Maringoni / Agência Carta Maio