Derrubar veto da emenda 3 é rasgar legislação trabalhista, dizem sindicalistas

Em meio à trégua entre Governo e Congresso para que os parlamentares não votem o veto à emenda 3 enquanto o Executivo não apresentar uma proposta de regulamentação da prestação de serviço por pessoas jurídicas, as comissões de Direitos Humanos e Assuntos Sociais do Senado realizaram nesta quinta-feira (3) uma nova audiência sobre a questão, agora ouvindo representantes de centrais sindicais e advogados especialistas no tema. No encontro, os convidados repetiram as críticas já feitas em outra audiência na semana passada pelo ministro Carlos Lupi (Trabalho).

A emenda 3, aprovada por ampla maioria no Congresso, proíbe fiscais de multar uma empresa que substitua funcionário CLT por prestador de serviço pessoa jurídica (PJ). Na prática, sem a ameaça de multa, as empresas estariam mais à vontade para sonegar direitos aos trabalhadores. “Se mantiverem a emenda, a precarização não é só salarial, mas irá retirar direitos como férias, 13o e o respeito às normas de segurança e de saúde. Derrubar o veto é rasgar legislação trabalhista”, declarou Antônio Fernandes Neto, da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil.

No entanto, sabedores de que a retórica não será suficiente em um ambiente hostil à sua posição e muito simpático à emenda, os presentes buscaram atacar os argumentos mais utilizados na defesa do dispositivo. O principal deles: com as irregularidades tendo de ser levadas à Justiça, o uso de pessoas jurídicas para baratear contratações diminuiria as despesas com mão-de-obra das empresas, dando-lhes mais competitividade e capacidade de contratar mais pessoas.

Para Rosa Maria Campos Jorge, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a terceirização decorrente da “pejotização” (neologismo usado para o uso de pessoas jurídicas, “PJs”, no lugar de empregados com carteira assinada) não só não gera mais empregos como aumenta o desemprego. Ela citou estudo do professor da Unicamp Marcio Pochmann, mostrando que no mesmo período em que foi verificado aumento de 174 vezes do número de Pessoas Jurídicas na Grande de São Paulo, o desemprego cresceu de 12% para 17%.

Segundo Carlos Henrique Silva, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), é possível estabelecer uma relação direta entre o aumento de PJs e a terceirização, pois esta forma de ente jurídico, de uma pessoa só, representava em 2004 80% das 4,5 milhões de Pessoas Jurídicas registradas. O representante da CUT reforçou o ponto de vista da presidente do Sinait, citando outra pesquisa segundo a qual a adoção de medidas que precarizam as relações de trabalho semelhantes à Emenda 3 aumentaram o desemprego na Alemanha (saiu de 4,5% para 8,7%), na Espanha, (15,9% para 16,3%) e na França, (9% para 11,3%).

“O que gera emprego é crescimento econômico. A emenda 3 vai usar uma brecha da Lei para precarizar as relações de trabalho”, concluiu Sebastião Caixeta, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). Carlos Henrique Silva também desmistificou a noção difundida que os encargos sociais elevam o custo do trabalhador no Brasil a um nível quase insustentável. Segundo dados apresentados por ele, o custo hora/trabalho do Brasil é de US$ 3, enquanto o mesmo é de US$ 19,6 no Japão, US$ 20,3 na Europa e US$ 13,7 em Israel.

Outra justificativa da Emenda 3 rebatida pelos presentes foi o argumento de que a fiscalização do trabalho é um ato “arbitrário”, que só poderia ser efetuado pelo Judiciário. O advogado trabalhista Roberto Caldas, da Ordem dos Advogados do Brasil, se posicionou na direção contrária, defendendo que o país precisa de mais fiscalização do que a atual. Ele alertou que caso a Emenda 3 seja mantida, o Congresso irá na contramão de todo o processo de modernização do Judiciário em curso no mundo e também no Brasil.

A argumentação principal dos críticos à Emenda 3 é que a transferência da autuação hoje feita pelos fiscais para a justiça abarrotaria os tribunais de processos. Segundo dados do Sinait, entre 1996 e 2007 os fiscais registraram 5,5 milhões de trabalhadores em alguma situação que merecia ser investigada. “Se cada um tivesse que recorrer na Justiça, seriam mais 5,5 milhões de processos”, critica Rosa Maria Campos Jorge. Ao final, ela e os outros presentes fizeram um apelo aos senadores pela manutenção do veto à emenda.

Compasso de espera

No entanto, o apelo não teve muito efeito pelo baixo quorum de senadores na audiência. O clima morno deve esquentar quando o governo finalizar sua proposta alternativa de regulamentação do uso da pessoa jurídica em determinadas funções e enviá-la ao Congresso. Segundo Antônio Fernandes Neto, da CGTB, as centrais mantêm-se contrárias à Emenda, mas reconhecem a importância de negociar um texto que “entregue os anéis para não perder os dedos”.

A saída apontada por algumas centrais é o estabelecimento de piso de faturamento. A pessoa jurídica que ganhasse a partir de R$ 600 mil por ano seria considerada uma exceção e poderia prestar serviço mesmo mantendo as características de vínculo empregatício previstas na Consolidação das Leis do Trabalho. Dentro do governo, outra alternativa em discussão é fazer um recorte por categorias regulamentadas, tendo para estas um tratamento diferenciado nas exigências para a contratação de pessoas jurídicas.

O envio da proposta ao Congresso estava previsto para esta semana, mas a difícil negociação de um texto consensual parece estar demandando mais tempo. Se no governo a posição majoritária pelo veto tem prevalecido como pólo importante de resistência, no Congresso o jogo se inverte e os críticos da Emenda entrarão em terreno pantanoso.

Fonte: Jonas Valente – Agência Carta Maior