Fundação Estatal não fortalece o SUS, artigo do presidente do Conselho Nacional de Saúde

A FASUBRA se solidariza com o artigo do presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, que é contrário a Fundação de Direito Privado. A proposta, se aprovada, pode dificultar ainda mais o controle Social sobre as instituições financiadas com o dinheiro público.

O PROJETO de lei complementar (92/2007) que propõe a criação de fundações estatais de direito privado para a gestão de nove áreas do serviço público, enviado pelo Executivo ao Congresso em II de julho, não colabora para a melhoria do atendimento à saúde no país.

Ao contrário, setores importantes da área da saúde observam na proposta o risco de, se aprovada, dificultar ainda mais o controle social sobre o gerenciamento das instituições financiadas com o dinheiro público. Se, por um lado, a não-sujeição das fundações estatais à Lei de Responsabilidade Fiscal agiliza a prestação de serviços, segundo o argumento dos defensores do projeto, por outro, facilita o uso inadequado dos recursos públicos, cuja origem e repasses também não estarão assegurados no orçamento fiscal. Que conceito de autonomia administrativa se pretende com essa proposta?

Em artigo recente nesta Folha ("Tendências/Debates", 12/8), o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, lembra que, na década de 1990, "proliferaram fundações privadas de apoio que acabaram por desempenhar funções administrativas ao lado da administração do hospital, utilizando dinheiro público do SUS. (…) foi uma estratégia que buscou contornar os constrangimentos da administração pública, ainda que tenha possibilitado aos hospitais não só recompensar a qualificação profissional mas também transformar serviço em referencial de excelência".

Várias dessas gestões são atualmente objeto de auditorias do Ministério Público, das secretarias estaduais e do próprio Ministério da Saúde, apontadas por denúncias de irregularidades na compra de equipamentos com superfaturamento ou contratações de serviços com valores acima do mercado. Se a administração pública está constrangedora, cabe melhorá-la. O que não cabe é o artifício "oficial" para burlar leis e apressar processos que precisam do controle social e de órgãos competentes de fiscalização. A criação do SUS, com diretrizes de funcionamento que passam por ações tripartites (federal, estadual e municipal), fez do Brasil a única nação a garantir, na lei, desde o atendimento básico à saúde aos serviços de alta complexidade a todos.

Todas as classes sociais são usuárias do sistema, com ampla cobertura. O ministro diz que o modelo de administração direta está "em fase terminal" e "não atende à expectativa do cidadão de ter um atendimento de qualidade, não atende aos profissionais de saúde, que se vêem em condições indignas, desmotivados com salários baixos, e não atende aos interesses dos gestores". Um dos graves problemas do sistema são as relações precárias de trabalho, com profundas distorções de remuneração que desestimulam e desestruturam o quadro profissional.

O projeto sugere, com contratações celetistas e segundo regras estabelecidas por cada uma das fundações, o aprofundamento das distorções, com a possibilidade de remunerações diferenciadas dentro de um mesmo serviço e de uma mesma categoria. Entendemos que todos os trabalhadores merecem salários compatíveis, e os usuários, atendimento de excelência. Se há falhas na direção de instituições ou no trabalho de servidores, cabe cumprir as leis 8.112 (do servidor) e 8.080/90, que criou o sistema, além da própria Constituição.

O sistema precisa de ações para seu aprimoramento, como as sugeridas por conselheiros nacionais de saúde durante seminário de modalidades de gestão, realizado neste mês. Entre as propostas, estão a defesa de que seja estatal e 100% SUS, com o fortalecimento do papel do Estado na prestação de serviços de saúde e financiamento exclusivamente público, operando com só uma porta de entrada; que se assegure a autonomia de gestão aos serviços, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de prestação de contas e a autonomia dos gestores do sistema de cada esfera de governo em relação à gestão plena dos respectivos fundos de saúde e das redes de serviços; que se garanta a valorização do trabalho em saúde pela democratização das relações de trabalho e que a ocupação dos cargos diretivos se dê por critérios técnicos.

Desde o nascimento do SUS, há 17 anos, procurou-se, no gigantesco território do Brasil, a adequação das instalações de saúde com respeito às diferenças regionais e culturais. No caminho para a 13ª. Conferência Nacional de Saúde, em novembro, toma-se urgente a luta por seu aprimoramento. Reconhecer suas virtudes e complexidades e entender que, afinal, somos todos potenciais usuários são passos seguros na defesa de sua existência e na garantia de sua ampliação.

Francisco Batista Júnior, Farmacêutico, 52. Pós-graduado em farmácia pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) é presidente do Conselho Nacional de Saúde e servidor do hospital Giselda Trigueiro da rede do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Norte.

Veja a Nota do Conselho Nacional de Saúde sobre o Projeto de Lei Complementar (PLC) que propõe a criação de Fundação Estatal de Direito Privado para áreas do Serviço Público

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua 1748 reunião ordinária, realizada nos dias 11, 12 e 13 de junho de 2007, debateu o Anteprojeto de Lei Complementar sobre a criação de Fundação Estatal, a partir de texto disponível, na página eletrônica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Para a exposição do anteprojeto foram convidados representantes do Ministério do Planejamento e da Casa Civil da Presidência da República.

Após o debate, o CNS posicionou-se contrário à proposta do Poder Executivo. Novamente reunidos nos dias 11 e 12 de julho, os conselheiros foram surpreendidos com informações, via imprensa, sobre o envio do Projeto de Lei Complementar (PLC), que trata da Fundação Estatal, ao Congresso Nacional. Cabe destacar que o Conselho Nacional de Saúde, de acordo com a Lei n° 8.142/1990, tem "caráter permanente e deliberativo", é "órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo."

A Lei n° 8.080/1990, define que o SUS coma, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: Conferência e Conselho de Saúde. Desta forma, conclui-se que o envio do PLC ao Congresso Nacional sem a devida atenção à legislação do SUS, que ordena o tratamento de tais políticas neste espaço deliberativo, no espaço do Poder Executivo, feriu os preceitos do controle externo de políticas públicas exercido pelos Conselhos. As modalidades de gestão do Sistema devem garantir um modelo assistencial integral e de qualidade. Portanto, a partir desses referenciais, e, diante dos avanços e desafios, os serviços de saúde não podem ter seus profissionais submetidos à lógica do mercado, seus gestores submetidos à mercê de indicações políticas e estrutura administrativa arcaica.

Compreende-se, desta forma, que mais uma figura jurídica não superará os atuais problemas de gerenciamento do poder público. O CNS está à disposição do debate. Nos dias 6 e 7 de agosto, realizou o "Seminário Modalidades de Gestão do SUS", com a apresentação de várias experiências atuais de gestão da saúde no Brasil. E acompanhará a tramitação do PLC no Congresso, com participação nos debates públicos, e atuará em outras esferas, por meio de audiências a serem solicitadas com a Presidência da República, o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União.