Mídia conservadora prepara população para aceitar violência contra movimentos

A mídia tem exercido papel fundamental no processo de criminalização dos movimentos sociais brasileiros, mais recentemente do movimento estudantil, reprimido com violência nunca vista antes em períodos de governos democráticos. Essa é a avaliação de jornalistas, pesquisadores e intelectuais que estiveram reunidos no 13º Curso do Núcleo Piratininga de Comunicação – NPC: Ação e prática dos trabalhadores na comunicação contra-hegemônica, realizado de 21 a 25 de novembro, no Rio de Janeiro.

“Para entender esse processo, é preciso ficar atento ao efeito provocado no público por obras como o filme Tropa de Elite, e a novela Duas Caras, que repetem o papel tradicional dos aparelhos de manutenção da hegemonia de criminalizar as chamadas classes perigosas”, alertou a jornalista e coordenadora do NPC, Claudia Santiago, instigando um público de cerca de 200 pessoas, entre jornalistas, dirigentes sindicais e militantes de movimentos sociais e populares a debater mais profundamente o assunto.

Para a jornalista, esses produtos culturais que exercem forte influência sobre o pensamento e o comportamento dos indivíduos teimam em passar visões distorcidas sobre o movimento estudantil brasileiro. É o caso da novela de Aguinaldo Silva. “É um desrespeito tratar o movimento estudantil daquela maneira”, afirma.

Para Claudia, a novela tem indícios de ser encomendada pelos grandes organismos internacionais interessados na entrada do capital estrangeiro na educação brasileira, no momento em que instituições privadas estão abrindo seu capital na Bolsa de Valores de São Paulo e o setor torna-se altamente cobiçável para os investidores internacionais.

Para ela, o entretenimento pode, também, ter o objetivo de preparar a população para não revidar às ações repressivas e truculentas que, por ventura, o Estado e as elites comprometidas com o capital financeiro precisem vir a tomar, em função da manutenção do que chamam de “ordem pública” e manutenção do status quo.

“Tropa de Elite exerce uma violência tremenda quando retrata estudantes e militantes dos direitos humanos como os principais responsáveis pela violência gerada pelo tráfico de drogas. É esse tipo de postura que reforça o discurso hegemônico de que militante de direito humanos só sabe defender bandido. Esse discurso é também a porta de entrada para discursos ainda mais conservadores e fascistas, como os da pena de morte, da prisão perpétua e da redução da maioridade penal”, analisa.

Cultura para a violência

Tropa de Elite é o longa-metragem de maior sucesso do ano, em bilheteria e também em pirataria. Dirigido pelo cineasta José Padilha a partir de roteiro elaborado pelo capitão Rodrigo Pimentel, o filme conta a história de policiais do BOPE, o batalhão de elite da polícia militar carioca. Em meio a denúncias de tortura policial e desrespeito aos direitos humanos mais primários, o filme critica também a cumplicidade dos jovens universitários da classe média que atuam nas ONGs com os traficantes de drogas que comandam os morros

“Duas Caras” é a novela de Agnaldo Silva que estreiou no horário nobre das 20 horas, na Rede Globo, o canal hegemônico de televisão brasileira. Mesmo registrando um índice de audiência bem abaixo do esperado, a novela é vista diariamente por uma média de 40 milhões de brasileiros. Em capítulo recente, exibiu a ocupação da reitoria de uma universidade privada pelo “Movimento dos Sem-Escola”, que acabou sendo expulso do local com a ajuda do batalhão de choque da Polícia, armada com cacetetes, escudos e bombas de feito moral, debaixo do coro de grandes atores globais que os taxavam de “sem-limite” e “sem-vergonha”.

O mito das classes perigosas

A professora universitária e militante do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, lembrou que o vínculo entre pobreza e criminalidade é produzido historicamente no Brasil desde meados do século XIX. Segundo ela, está completamente arraigada na percepção popular a idéia de que pobre é carente, faltoso e, por isso, perigoso. E, com o aumento da violência, a classe média se torna cada vez mais tolerante às práticas repressiva. “É aquela velha história do mal menor. Em função da nossa segurança (da classe média), aceitamos que o extermínio, a tortura e a repressão sejam praticadas. O Estado penal repressivo se maximiza, enquanto o estado social se minimiza”, alerta.

Autora do livro “Operação Rio – o mito das classes perigosas: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública” (2001), Cecília Coimbra garante que a mídia tem exercido exemplarmente a função de preparar a população para conviver com as práticas violentas de repressão e desrespeito aos direitos humanos. “Antes da Operação Rio ser lançada, a imprensa produziu inúmeras matérias com o intuito de preparar a população para aceitar e aplaudir uma operação policial que resultou em mortes, desaparecimentos e torturas”

Segundo ela, os mesmos esteriótipos usados no passado para condenar os subversivos foram resgatados para marginalizar os pobres. Hoje, são retomados também para criminalizar o movimento estudantil. Em Tropa de Elite, os estudantes da classe média são drogadiços mal formados intelectualmente, que protestam contra a violência que eles próprios financiam através do consumo de drogas e da aliança com os mandatários das favelas. Em “Duas Caras”, os líderes do “Movimento dos Sem-Escola” não são estudantes ricos matriculados em universidades particulares, mas garotos pobres, sujos e descabelados, que estão à margem do ensino superior.

Fonte: Najla Passos, assessora de imprensa do ANDES-SN