Fundações de direito privado seriam “paraísos fiscais” para certos grupos nas universidades públicas?

Depois da cesta de lixo de R$ 700, comprada com dinheiro público, na Universidade de Brasília (UnB), ganhar as páginas dos principais jornais do país, as fundações de direito privado vinculadas a instituições federais e estaduais de ensino estão em foco. Criadas em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso, as fundações agora estão na mira da CPI que investiga as Organizações não Governamentais (ONGs), no Senado. Mas já são objeto de investigação junto ao Sindicato dos Docentes (Andes-SN) desde 2006, por decisão de um congresso da categoria.

As fundações são questionadas pelos sindicalistas do ponto de vista político e acadêmico, mas, além disso, desde que vem montando um dossiê para apurar irregularidades na sua atuação, passaram a ser questionadas também pela falta de transparência na aplicação dos recursos que recebe. O sindicato montou um Grupo de Trabalho nacional, com ramificações nas suas seções sindicais (UFRJ, USP, UFF, etc), acumulando informações que apontam para indícios de corrupção, na maioria dos processos que classificam de "privatização branca" das instituições públicas.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não-Governamentais (ONGs), no Senado, promete averiguar irregularidades verificados em 25 fundações universitárias, que receberam do governo federal, desde 1999, R$ 2,7 bilhões para aplicar em pesquisa. A ofensiva da comissão sobre as fundações foi motivada pela crise que se instalou na Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) da Universidade de Brasília (UnB), que teria usado recursos de pesquisa na compra de móveis de luxo para o apartamento do reitor da UnB, Timothy Mulholland. Depois das denúncias, a Justiça determinou o afastamento dos cinco diretores e a intervenção da Finatec.

Analistas que auxiliam os senadores nas investigações argumentam que alguns convênios firmados pelas fundações, até agora investigados, justificam o pedido de abertura das contas. Foram encontrados casos de fundações de apoio terceirizando serviços, como consultorias externas para empresas comandadas pelos dirigentes das próprias fundações ou pessoas ligadas a elas, como professores universitários. O presidente da CPI diz que, caso a análise sobre as fundações se desenrole, dependendo do material encontrado, o segundo passo será o pedido da quebra do sigilo bancário e fiscal das instituições.

Mas, mesmo entre instituições de ensino que não foram incluídas na lista do Senado, há indícios de irregularidades. Imaginem comprar calcinhas e camisolas com recursos das fundações privadas (ditas) de apoio às universidades públicas? Pois isso aconteceu na Universidade Federal Fluminense (UFF), estando entre os fatos relatados pelo professor Nicholas Davies, que já integrou o Conselho Fiscal da Fundação WEuclides da Cunha (FEC), em um dos processos que foram parar no Tribunal de Contas de União, mas do qual nunca se teve notícias. A própria história das calcinhas compradas com dinheiro público, que não é recente, foi abafada, como tantas outras que só servem para aumentar a certeza de que, a destinação dos recursos da maioria das fundações (no caso da UFF, a FEC) é uma verdadeira "caixa preta". Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) também já houve denúncias de terceirizações, com a formação de cooperativas para prestar serviços a estatais, como a Petrobrás – por exemplo.

Na Associação dos Docentes da UFF, seção sindical do Andes-SN, seguindo orientação do sindicato nacional, também foi montado um Grupo de Trabalho para investigar as fundações, coordenado pelos professores Juarez Duayer, Gelta Terezinha e Eunice Trem. Embora cauteloso, Juarez admite existirem "indícios de que algumas das irregularidades verificadas em outras universidades federais também estão presentes na UFF. Estamos pesquisando e acumulando um farto material, sem alarde, e encaminhando tudo ao Sindicato Nacional, que está centralizando a organização do dossiê" – disse.

Para onde vai o dinheiro?

Entre 2001 e 2004, a FEC arrecadou mais de R$ 120 milhões, segundo dados da própria Fundação. O professor Juarez acredita que a arrecadação continua aumentando, no mesmo ritmo em que aumentam as dificuldades de acesso aos dados oficiais. Desde 2005, ele não conseguiu mais informações sobre o montante arrecadado a cada ano. "Esses dados são cercados de mistério. A falta de transparência é total" – afirma.

Mas as suspeitas de corrupção e desvio de recursos em várias fundações ligadas às universidades públicas não são a única preocupação. A própria existência das fundações é questionada pelo movimento sindical docente. Afirma Juarez:

"Diante dos recentes escândalos, agora temos clareza sobre a que vieram as fundações. Servem para driblar concorrências públicas e licitações. As irregularidades não são novidade, mas se tornaram tão evidentes que vêm criando constrangimentos à comunidade universitária. Não dá mais para abafar. Balanços e prestações de contas têm sido recusados pelo Ministério Público. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, fundações ligadas às universidades federais são acusadas de envolvimento com a máfia do Detran. No Paraná, as denúncias são pesadíssimas".

Prejuízos acadêmicos

O professor Juarez não vê vantagem alguma nas fundações e lamenta os prejuízos acadêmicos. Para ele, o projeto das fundações, defendido por alguns como uma forma de atrair recursos para as universidades, não pode ser analisado em separado da proliferação de cursos pagos nas instituições públicas. "Com essas práticas – assegura – não estamos perdendo só em qualidade de ensino. Estamos perdendo espaços físicos. Existem equipamentos e salas na UFF que estão privatizados, ficam fechados para os alunos, servidores e professores, o que vem criando sérios problemas".

Ele assegura que, atualmente, existe uma fratura nas relações entre os docentes, divididos entre os que defendem os cursos pagos, porque extraem uma remuneração extra (muitas vezes prejudicando as suas atividades de ensino, pesquisa e extensão nos cursos normais), e os que defendem a manutenção do caráter público e gratuito da instituição, em todos os níveis.

O vice-reitor da UFF, Emmanuel de Andrade, propôs ao Conselho Universitário um seminário para discutir as fundações. O professor Juarez acredita que "se não for um seminário chapa branca, vai ser importante para a comunidade tomar conhecimento do que está acontecendo e retomar a discussão sobre a universidade pública e socialmente referenciada". Ele afirma que todos os males denunciados na imprensa e em processo de apuração pela CPI do Senado decorrem da privatização do espaço público.

Fonte: Fátima Lacerda/Agência Petroleira de Notícias
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