Precisamos organizar a classe trabalhadora, defendeu Gilmar Mauro no II Conassufrgs

A palestra “A situação nacional e os movimento sociais”, na abertura do II Conassufrgs, na quinta-feira (26) à noite, foi uma verdadeira aula. Citando Florestan Fernandes, o dirigente do MST Gilmar Mauro lembrou da teoria do professor sobre o “pensamento autocrático burguês”. Esta visão defende que um sem terra, por exemplo, não pode discutir sobre universidade, política, só a reforma agrária. “Isso faz parte da lógica do capital para fragmentar a classe trabalhadora. Somos diferentes, mas somos parceiros. E nunca foi tão atual a frase que finaliza o Manifesto Comunista: Proletários de todo o mundo, uní-vos”.

Para explicar a sua defesa da unidade estratégica da classe trabalhadora, Gilmar Mauro começou desnudando como estamos sendo engolidos pela lógica do capital, inclusive os movimentos e suas vanguardas. “Vivemos sob a égide do capital. Mudanças na visão de Estado da década de 1970 para cá provocaram conseqüências graves à classe trabalhadora, principalmente com a implementação do neoliberalismo a partir de 1990.”

Segundo ele, estas conseqüências tendem a se agravar cada vez mais, em escala internacional. As principais característica dessa lógica são o desemprego, a precarização do trabalho, com situações ainda em pleno século 21 de trabalho escravo e infantil, perda de direitos, salários rebaixados. “O capital transforma a força de trabalho em mais uma mercadoria, e esta fica cada vez mais sobrante. Sequer conseguimos encontrar um burguês que queira explorar o nosso trabalho.” Mesmo no Brasil, Gilmar acredita que esta conjuntura momentânea de crescimento do emprego não deve durar muito.

O palestrante também discorreu sobre a “ideologia” do capital que coloca o trabalhador como seu associado: a família-empresa deve estar acima de tudo, é preciso vestir a camiseta. Segundo ele, isso trouxe mudanças no comportamento da classe trabalhadora. Houve uma quebra dos laços de solidariedade de classe. O outro é visto como concorrente na busca do trabalho. “Além disso, a responsabilidade por não conseguir trabalho recai sobre você mesmo (por ser jovem ou velho demais, não falar duas línguas, etc.) A ética do trabalho é muito forte entre nós. É um salvo-conduto. O impacto psicológico de não ter trabalho influencia muito na nossa auto-estima”.

Também temos uma série de trabalhadores no mercado informal, como vendedores, chapas, flanelinhas. “Ou seja, além de uma quantidade enorme de terceirizados têm uma enormidade de pessoas tentando ganhar a vida nessa lógica do capital. Os sindicatos dão conta desses trabalhadores? Como organizar estes amplos setores?”

Para Gilmar, no passado nós conhecíamos nossos inimigos, mas hoje não sabemos mais quem são e acabamos nos enredando neste modo de vida imposto pelo capitalismo. “Nosso Planeta está sendo destruído pelo capital financeiro, pelas grandes indústrias. Os danos ambientais são enormes, mas para o capital não interessa se vai produzir bomba ou alimento. O consumo desenfreado vai levar a natureza à exaustão. O nível de estresse em São Paulo se equipara a quem está na guerra. Isso é crescimento?”, questionou.

Segundo ele, na lógica da mercantilização também entram as guerras. Nos EUA 16% da mão-de-obra trabalha na indústria armamentista. “Nós precisamos desse tipo de trabalhador? A humanidade vai viver problemas cada vez mais graves. Não existe projeto de desenvolvimento sustentável na lógica do capital. Se um capitalista não faz, o outro faz. Hoje tudo se transforma em mercadoria. Pôr-do-sol vira resort, cachoeira vira hotel-fazenda. Está tudo à venda. A lógica do capital comercializa tudo. E nós, a vanguarda dos movimentos, acabamos entrando nesta lógica. Não temos tempo pra nada. Andamos tão sisudos, tão brabos, essa é a lógica do corre-corre. Quem olha a gente de fora deve pensar: eles falam em nova sociedade com essas caras?”

"É preciso organizar a classe trabalhadora"

Gilmar aponta que o desafio é olhar para essas contradições e nos perguntar como vamos organizar a classe. “Se ficarmos nas nossas lutas pontuais não teremos saída. Discutir avanços imediatos faz parte da nossa luta, mas temos que agregar a luta política contra a lógica do capital. É preciso fazer alguma coisa agora. Quer saber o que vai ser o futuro? Olha o que você está fazendo hoje. É no presente que a gente semeia o futuro. Aqui e agora devemos colocar em perspectiva estratégica o que queremos.”

Para Gilmar Mauro, ao separar o sindical do político, burocratizamos o político. “Ficamos na disputa das vanguardas e não avaliamos se a forma como a gente tem se colocado na sociedade tem afastado mais as pessoas do que aproximado. Grupo virou sinônimo de disputa de aparelhos. Essa concepção burguesa precisa ser superada.”

“O MST está em um mil municípios brasileiros. Os servidores públicos estão em todos os municípios. Precisamos de uma organização social que nos aglutine. Mas qual é o método? Não adianta criar um grupo para o resto aderir sem discutir. Temos que recuperar a nossa história e pensar quais são as deficiências para conseguir dar um salto em nossa organização”, defendeu Gilmar.