Governador é acusado de chacinar 30 camponeses na Bolívia

O massacre camponês mais mortífero da história da Bolívia desde a democratização de 1980 foi obra de pistoleiros a soldo do governo do departamento de Pando, no extremo norte do país. A emboscada na localidade de Tres Barracas, município de Porvenir, deixou um saldo que já chega a 30 mortos e dezenas de feridos. Na noite de sábado (13) o governo do presidente Evo Morales considerava que o governador de Pando, Leopoldo Fernández colocou-se ‘à margem da lei’.

As agências noticiosas internacionais noticiaram que Evo decretou na noite de sábado a prisão de Fernández. Às 14 horas deste domingo (14, os sites da Agência Boliviana de Información (ABI), estatal, e dos três maiores jornais bolivianos (El Deber, El Diario e Los Tiempos) não confirmavam a notícia.

‘A magnitude do massacre ocorrido em Porvenir supera a do massacre de outubro de 2003 em El Alto; ali houve 60 mortos e em Porvenir nos aproximamos de 30. Caso se faça uma comparação entre a população de El Alto e a de Pando, constata-se que estamos diante do massacre mais sanguinário já acontecido em tempos de democracia’, afirmou o ministro de Governo (equivalente do chefe da Casa Civil), Alfredo Rada, em coletiva no Palácio Quemado.

Pando, o menos populoso dos nove departamentos bolivianos, tem 70 mil habitantes. El Alto, terceira maior cidade da Bolívia, depois de Santa Cruz e La Paz, tem 830 mil habitantes. El Alto foi o principal centro da rebelião popular contra o presidente neoliberal Gonzalo Sánchez de Lozada. A indignação com a chacina levou o movimento ao seu auge; cinco dias depois o presidente fugia da Bolívia para asilar-se em Miami.

Um governador ‘à margem da lei’

O ministro afirmou que um governador como Leopoldo Fernández, que empreendeu um massacre de camponeses como o de Porvenir e desacata um dispositivo constitucional como o estado de sítio, ‘está se colocando à margem da lei’.


Alfredo Rada disse temer que o número de mortos continue ‘aumentando a cada dia que passa’. Ele exigiu que o Congresso Nacional faça a investigação do episódio, que classificou de genocídio.

Em Cobija (capital de Pando, 32 mil habitantes, às margens do Rio Acre, que assinala a fronteira com o Brasil), o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, advertiu: Fernández ‘pagará pelo genocídio em massa, mais cedo ou mais tarde’.

Com a repercussão do massacre, Fernández se isolou inclusive dos governadores de Beni, Santa Cruz e Tarija, que também participam do Conalde (Conselho Nacional Democrático) da oposição oligárquico-‘autonomista’. Eles suspenderam neste domingo (13) uma viagem de solidariedade a Pando, anunciada anteriormente, com o pretexto de que não havia garantias para o pouso em Cobija.

Pando conta seus mortos

Pando concentrou as mortes em três semanas de ações violentas da oposição oligárquica da ‘Meia Lua’ (que inlui ainda os departamentos de Santa Cruz, Beni e Tarija).


Durante a emboscada em Porvenir, morreram também dois funcionários do governo Fernández – embora 95% das vítimas sejam camponeses abatidos a tiros pelos pistoleiros. Os fatos foram comprovados por diferentes testemunhos de sobreviventes, que falaram aos meios de comunicação

Na sexta-feira, o Gabinete de Ministros decretou o estado de sítio no departamento de Pando. Tropas militares foram mobilizadas para retomar o Aeroporto Aníbal Arab, de Cobija, tomado por paramilitares. No conflito com as milícias direitistas, tombou o marinheiro Ramiro Tañini Alvarado, de 17 anos, morto por uma bala de calibre 22, segundo o resultado da autópsia.

Isaac Ávalos, secretário executivo da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, denunciou em Cochabamba que mais de 50 filiados à sua entidade estão desaparecidos. Eles participavam da marcha de mil camponeses que se dirigia a Cobija quando foi emboscada pelos pistoleiros.

‘Mataram oito membros de nossa organização em Pando; há 26 feridos a bala e 51 desaparecidos até o momento. Isto apenas entre os filiados à nossa organização, sem contar o resto’, afirmou Ávalos, ao discursar durante uma cerimônia de entrega de ambulâncias pelo presidente Evo Morales.

Como foi o massacre

O cenário do massacre foi uma ponte, a 7 km de Porvenir, por onde passavam mil camponeses, em marcha rumo a Cobija, num protesto contra os atos de violência comandados pelo governador Leopoldo Fernández, o cacique local. Pistoleiros e paramilitares, financiados e treinados pelo governador, atiraram contra os camponeses na quinta-feira, 11 de setembro.


Os fatos e os testemunhos desmentem a versão de Fernández, de que o conflito foi ‘iniciado’ pelos camponeses. Roberto Tito, um dos trabalhadores rurais que estavam na ponte quando começou a fuzilaria, atesta que a multidão marchava desarmada quando se ouviram os disparos e as pessoas começaram a cair. Suas únicas armas eram paus e facões.

Os atiradores emboscados na copa das árvores (a região é de floresta amazônica). Começaram a atirar contra a multidão, onde havia também crianças e mulheres.

‘Estávamos desarmados’

‘Estávamos desarmados, não foi como eles dizem. Nos detiveram uns sete quilômetros antes de Porvenir. Quando avançamos na altura da ponte, logo nos atacaram. Nos emboscaram e começaram a disparar com metralhadoras automáticas’, relatou Tito, sob o impacto da morte de seus companheiros.


‘Os companheiros tiveram de escapar para todos os lados. Não perdoavam nem crianças nem mulheres. Foi um massacre de camponeses, é uma coisa que não podemos permitir’, disse o trabalhador rural.

O depoimento de Tito é apoiado pelo senador Abraham Cuellar, da UN (Unidade Nacional). O parlamentar relata que na altura da Puente de Cachuelita foi cavada uma trincheira dcom 10 metros de largura e bastante profunda, para impedir o trânsito de veículos e pessoas. Foi ali que começou a fuzilaria.

As pessoas iam a pé. Foi uma emboscada preparada pelo governo, planejada, com armamento bélico. O resultado, lamentável, são muitos mortos do lado camponês, na maioria moradores dos povoados dessa região, que não pertencem ao MAS (Movimento Ao Socialismo, o partido de Evo Morales) mas são de organizações que apóiam o governo’, disse Cuellar.

Senador: ‘Continuam a matar gente’

Diante da emboscada, os camponeses só tiveram uma alternativa para fugir da morte: internaram-se num monte, enquanto os paramilitares descarregavam suas armas. Há denúncias, desde 2006, de que o governador promovia o treinamento de milícias na região (clique aqui para saber mais).


Quem participou da emboscada? ‘É gente do governo e do Serviço Departamental de Estradas, que está bem armada, com metralhadoras; e franco-atiradores, porque atiravam à vontade, da copa das árvores’, relatou Tito.

O senador Cuellar confirma: ‘Sabemos que há uma perseguição implacável em iladelfia e Cachuelita, dois povoados perto de Cobija. Eles continuam os assassinatos, continuam a matar gente, gente desarmada’, relatou.

O senador acusou ‘sicários’ (mercenários), contratados pelas autoridades de Pando, de usarem inclusive metralhadoras. ‘Isso já obrigou pelo menos uma centena de pessoas a cruzar a fronteira com o Brasil, buscando refúgio’, afirmou.

Fonte: www.vermelho.org.br (Com informações da Agência Boliviana de Infomação
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