Crise econômica atinge finanças e credibilidade da grande mídia, afirmou Ignácio Ramonet

Após terem contribuído como artífices da legitimação da financeirização radical que ruiu como castelo de cartas a partir da crise do sistema hipotecário estadunidense, os grandes grupos comerciais de mídia agora sentem os efeitos do forte abalo em curso no modelo econômico neoliberal. Eles, que se notabilizaram pela defesa do modelo,vêm sofrendo os efeitos deste, em um fenômeno que vai da esfera econômica, com a crescente dificuldade de capitalização dos empreendimentos, à jornalística, com uma inédita perda de referência dos produtos e seus discursos.

Esta foi a avaliação realizada em coro quase uníssono pelos participantes do debate "A crise e a grande mídia", realizado na segunda-feira, dia 26, no 2º Fórum Mundial de Mídia Livre, evento que antecedeu o Fórum Social Mundial 2009, em Belém do Pará.

Segundo Ignácio Ramonet, do jornal francês Le Monde Diplomatique, a grande mídia internacional desempenhava papel fundamental no neoliberalismo, constituindo uma aliança com o poder econômico quase como uma espécie de "duopólio". "Com a crise que estamos vivendo no campo econômico, o neoliberalismo como teoria se vê golpeado, em minha opinião à morte, e o poder midiático, curiosamente, está se debilitando ante nossos olhos", afirmou.

O jornalista francês citou casos de diversos veículos tradicionais que vêm, em razão de seus balanços financeiros negativos, sendo repassados a empresários que não são tradicionalmente do ramo. Um caso exemplar foi a venda do New York Times ao empresário mexicano Carlos Slim Helú. O próprio Le Monde é um dos tradicionais veículos da mídia impressa que passa por sérias dificuldades financeiras.

Ramonet credita esta situação à aposta feita pelos grandes grupos comerciais na imagem pintada de calmaria e prosperidade neoliberal. Acreditando nela, investiram grandes montantes em estratégias de aquisição de grupos de mídia menores seguindo as tendências concentradoras do setor. Quando o crédito se esvaiu do mercado, estes conglomerados viram suas dívidas se transformando em um beco sem saída, apelando para a venda de empreendimentos seculares a neófitos no negócio da mídia.

Pacoal Serrano, do site espanhol Rebelion.org, foi mais longe e defendeu que a crise da grande mídia vai para além da dimensão econômica, atingindo sua própria credibilidade e autoridade junto aos seus públicos leitores, telespectadores e ouvintes. "Há uma crise de mediação. O cidadão já percebe que o discurso da mídia não se coaduna com interesses dos meios de comunicação. O leitor não se fia mais no que dizem os meios de comunicação", sugeriu Serrano.

Por fim, ele vê uma crise de informação que atinge os pressupostos históricos do jornalismo liberal, especialmente o da objetividade jornalística. Com o estouro do sistema hipotecário, os meios simplesmente se viram sem condições de explicar o fenômeno. "A dinâmica dos meios os impede de aprofundar, colocar os elementos de contexto para entender o que acontece", disse.

Armadilha

Na opinião do professor da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski, é irônico que a grande mídia, uma das atingidas pela crise, atue fortemente para alimentá-la. “Um aspecto mais perverso foi que a grande imprensa passou a alimentar a própria crise, através de um comportamento catastrofista e alarmista que levou empresários a rever seus planos.”

O editor do Portal Vermelho, Altamiro Borges, creditou este comportamento quase suicida à necessidade de legitimar uma saída conservadora do poder econômico à crise. “Estamos vivendo um choque do terror. A mídia está criando clima de pânico para gerar ações como demissões nas montadoras. Da mesma forma como aproveitou o Katrina para expulsar a população, ela aproveita a crise hoje para pautar ajustes mais duros. E isso é um perigo”, alertou.

Contraponto

Frente a este quadro, todos os participantes do debate propuseram a constituição de uma alternativa que possa enfrentar de igual para igual a ação dos grandes grupos midiáticos. "Queremos estar de igual para igual com os grandes meios. Não queremos ser marginais. A liberdade de expressão será uma realidade quando deixarmos de ser marginais", defendeu Pascoal Serrano, do Rebelion.

Joaquim Constâncio, do escritório uruguaio da agência internacional IPS, destacou que, para galgar esta posição, é necessário garantir a profissionalização da equipe de uma iniciativa deste porte, bem como uma estrutura robusta. "Represento uma agência com mais de 40 anos de vida, em mais de 100 países, e digo que com toda estrutura enorme, somos uma gota de água na batalha dos grandes meios. É preciso muito mais do que isso, construir meios alternativos realmente potentes e estruturados com força para gerar conteúdos", ponderou.

Ele defendeu que, apesar das novas possibilidades advindas da internet, não é possível disputar hegemonia contra os grandes meios apenas por iniciativas pontuais ou individuais. Luiz Fernando Navarro, do jornal mexicano La Jornada, foi na mesma direção. “É grande o desafio de não fazer apologia do marginal. Precisamos ser capazes em converter algo alternativo em hegemônico.”

Fonte: Jonas Valente – Observatório do Direito à Comunicação