Integração sulamericana: para além de um mercado! Análise de Francisco Carlos Teixeira

Depois de algum tempo o encontro dos cinco presidentes da América do Sul em Belém, durante o FSM ( 29/01/2009 ) foi um encontro de comunhão de idéias e de confraternização. Todos estavam de acordo em apontar o neoliberalismo como responsável pela crise mundial, declarar o fim da ditadura do “Mercado-Deus” e a necessidade de uma saída comum da crise para os países sul-americanos. Entretanto ainda existem fortes discordâncias sobre o que é a integração sul-americana.

Para além da retórica

Desde as independências sul-americanas a retórica política e diplomática em torno da unidade continental estão presentes. O sonho de Simon Bolívar, e outros “libertadores da América”, sempre estiveram presentes nos discursos e brindes de fim de visitas protocolares de chefes de Estado regionais. Mas, nunca foi muito além disso. Principalmente depois de estabelecida a completa hegemonia norte-americana no continente (Conferência do Rio de Janeiro, criação da OEA e incorporação do continente ao sistema da Guerra Fria) a maioria dos países, exceto Cuba depois de 1959, enfatizavam bem mais as relações com Washington do que com os vizinhos. Particularmente a Brasil – a partir de sua pretensa originalidade histórica no continente com o seu idioma, as origens monarquistas e sua singular mestiçagem – não via nada de comum com as “repúblicas hispânicas”. No Império e na República Velha o aristocraticismo etnocêntrico e europeísta mal disfarçava um forte desdém pelos nossos vizinhos.

Com Vargas (entre 1930 e 1945 e de pois de 1951 até 1954), no início para afastar a dominância britânica e depois por opção, o país aproximou-se imensamente dos Estados Unidos. Tal alinhamento consolidou-se durante a Guerra Fria, em especial com Eurico Dutra e JK. Somente com Jânio Quadros e João Goulart, sob influência direta do diplomata Santiago Dantas, formulou-se uma política externa que foi denominada de “Independente” (a doutrina da “Política Externa Independente”). Deu-se uma aproximação com o bloco dos países não-alinhados, desenvolveram-se as relações com a África em fase de descolonização, com a China de Mao e recusou-se prontamente a criminalização de Cuba revolucionária (diferente dos demais países do continente só Brasil e México enfrentaram a fúria americana contra a Revolução).

A Guinada Conservadora

Depois de 1964, o regime militar alinhou o Brasil com Estados Unidos, assumindo, interna e externamente, as piores posturas da Guerra Fria. Vigia então a doutrina de segurança nacional, que garantia um permanente estado de guerra subversiva e adversa como ideologia oficial. Durante este período participamos da invasão da República Dominicana, desalojando um governo popular, nos afastamos dos países não-alinhados, congelamos nossas relações com os países socialistas (com grande prejuízo da formação de renda e emprego para nossa população), assumimos a defesa do ultra-colonialismo português na África e apoiamos a integração ilegal e anti-democrática do Cone Sul na chamada Operação Condor.

Contudo, depois da eleição de Jimmy Carter nos Estados Unidos, e com sua política de defesa dos direitos humanos, as relações com os Estados Unidos se deterioraram até o rompimento de dezenas de acordos na área militar.

Na presidência do General Geisel a diplomacia brasileira pode, então, voltar a agir mais livremente, surgindo então a doutrina do Pragmatismo Responsável, pelo qual voltamos a manter relações com vários países socialistas, inclusive a China Popular, e reconhecemos a independência das ex-colônias portuguesas na África.

O fim das desconfianças militares entre Brasil e Argentina, com a democratização de ambos os países, acabou por permitir a aproximação sul-americana, com a assinatura dos acordos que ergueriam o MERCOSUL (por Jose Sarney e Alfonsín ).

O Processo Hoje

Na verdade o MERCOSUL, malgrado seus críticos saudosos da nossa dependência com os mercados europeus e norte-americanos, é um imenso sucesso. É o terceiro bloco econômico do mundo, depois da União Européia e do Nafta. Foi também uma importante trincheira de resistência, para o Brasil e a Argentina, contra o projeto da ALCA, lançado por FHC e Bill Clinton em 1994.

A adesão plena da Venezuela, a possível integração da Bolívia e num futuro próximo a vinda de Cuba e de Angola, mostraria o vigor crescente da integração regional, hoje já pensada em termos de hemisfério sul.
Contudo inúmeros problemas ainda estão presentes. Um deles, e de longe o mais importante, é a própria concepção da integração sul-americana.

Como o próprio nome diz, o MERCOSUL nasceu como um “mercado”, com sua vocação e suas limitações específicas a um mercado. Neste sentido, é claramente imperioso avançarmos para além da lógica de mercado e de suas satisfações. Conforme Lula disse aqui em Belém: “…vivemos o fim da época do Deus-Mercado!”. Neste sentido é fundamental transformar o MERCOSUL numa ampla aliança política, social, cultural dos povos das Américas e além-oceano. Para isso devemos caminhar na direção da ampliação dos territórios de integração.

Um exemplo, com que trabalho diretamente hoje, é o Projeto entre os Ministérios da Educação de Bolívia e Brasil na construção de uma “Historia Compartida de Bolívia y Brasil”, onde sem nenhum ufanismo ou retórica patrioteira, possamos colocar nas escolas de ambos os países livros que contem uma histórica que vem sendo escondida dos nossos povos depois de séculos.

Avançar na Crise

Aqui em Belém os cinco presidentes reunidos declararam a crise uma oportunidade única para avançar nos projetos de integração. Neste sentido, inclusive garantir a adesão brasileira, é necessário que se discuta um marco regulatório e um tribunal arbitral das questões surgidas (e é natural que surjam questões e atritos num projeto de integração tão vasto!) para dirimir os contenciosos. A permanente chamada aos presidentes para discutir o comércio de produtos de linha branca, cotas de açúcar ou impostos de auto-peças, por exemplo, apequena o processo de integração.

É fundamental a construção de uma instância supra-nacional, com técnicos experimentados e conquistados para o projeto de integração, munidos de um marco regulatório reconhecido e aceito por todas as partes, para que a integração possa avançar.

Não podemos colocar o destino dos povos das Américas, na hora de seu despertar, sujeito a debates do nível dos departamentos de “Atendimento ao Cliente”. Devemos e podemos libertar nossos dirigentes, ao lado dos movimentos sociais, para que possam construir a arquitetura da nova América, soberana e integrada.

Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Fonte: Agência Carta Maior