Assembléia das Assembléias do FSM 2009 teve pouca força aglutinadora

O Fórum Social Mundial 2009, que começou com chuva e festa na marcha de abertura do dia 27 de janeiro, terminou com chuva e uma certa melancolia no dia 1 de fevereiro. Muito poucos dos 133 mil inscritos neste FSM participaram efetivamente do que deveria ser a articulação final e o compromisso com a continuidade dos debates e ações surgidos no Fórum, apresentados por representantes de movimentos e organizações sociais e não governamentais na chamada Assembléia das Assembléias.

Reservada à sistematização das propostas dos diversos setores que participaram do evento, a manhã do domingo, dia 1º, deveria ter tido 22 assembléias temáticas – Justiça Climática em Copenhagen, Assembléia de direitos humanos, Assembléia dos Direitos Coletivos dos Povos, Assembléia "Crise Civilizatória, Bem Viver e Direitos Coletivos”, Assembléia Geral contra a guerra, bases militares, militarismo e armas nucleares, Assembléia Pan-Amazônica, assembléia Diante da crise, desenvolver o Fórum Social como um processo permanente a partir das propostas, Assembléia Ciêncas e Democracia, Assembléia de Negras e Negros no FSM 2009, Assembléia de Mulheres, assembléia Por um mundo sem dívida: Auditoria e Reparações Já!, assembléia Rede de intercomunicação e de boas experiências, assembléia Globalizar a declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígena, Assembléia mundial da rede internacional unidas de direitos humanos, assembléia Luta contra a corrupção e a impunidade, assembléia Justiça para a Amazônia, assembléia Fórum Mundial da Educação, assembléia Alternativas às políticas migratórias securitárias, assembléia Uma resposta global contra a crise financeira, assembléia Cultura e educação transformadora, assembléia Alternativas para proteção dos ecossistemas Amazônicos, e assembléia O trabalho na crise global.

Por falta de organização interna, muitas assembléias não ocorreram. Outras adotaram um tom generalista de denúncias e posicionamentos políticos, e poucas foram as que de fato apontaram agendas e propostas de ação concretas, o que fez da Assembléia das Assembléias, ocorrida no período da tarde, uma longa sucessão de enunciados sem muito entusiasmo ou participação.

Quanto à nova agenda do FSM 2009, a linha havia sido dada na assembléia dos movimentos sociais, ocorrida no dia 30 (leia: Movimentos sociais definem agenda de mobilização para 2009) . Ou seja, um chamamento mundial para protestos contra o capital e a guerra entre os dia 28 de março e 4 de abril, um dia de solidariedade à Palestina no dia 30 de março, as mobilizações em datas significativas (dia da mulher, dia do trabalhador rural, etc) e durante eventos multilaterais (Cúpula do G8, Cúpula Climática, etc), além de um dia de ação global por justiça climática (12 de dezembro) e outros encontros temáticos e regionais.

Quanto a propostas mais concretas, algumas assembléias avançaram um pouco, mas há que se avaliar ainda a força de mobilização dos setores e as possibilidades de implementação. O Fórum Social Panamazônico, que este ano teve sua quarta edição no dia 28, chamou uma nova reunião das organizações dos países panamazônicos e dos organizadores dos chamados encontros sem fronteira para Belém no dia 15 de junho. A idéia é avançar em campanhas como a abertura das fronteiras da região para as comunidades indígenas e tradicionais, o combate aos crimes ambientais e aos massacres de movimentos sociais e comunidade (como indígenas e agricultores da Colômbia, alvos do governo, de paramilitares e das guerrilhas), e preparar o 5º Fórum Social Panamazônico, ainda sem data definida.

Já os povos indígenas da América Latina, que indicaram o dia 12 de outubro como dia internacional de luta contra a colonização, propuseram um Fórum Social temático sobre os processos colonizadores e as formas de resistência e retomada dos direitos fundamentais das populações tradicionais, a ser melhor discutido em uma cúpula indígena nos dias 27 a 31 de maio.

O movimento de solidariedade ao povo palestino reforçou o apelo pela ampliação das campanhas de boicote aos produtos e empresas israelenses, aos acordos de livre comércio e tratamentos preferenciais com Israel e pressões para que o país seja processado por crimes de guerra e contra a humanidade em tribunais internacionais. O último ponto foi apresentado também pela assembléia dos movimentos anti-guerra, que propuseram campanhas globais pelo fim da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte, que em 2009 ano completa 60 anos) e do Africom (United States Africa Command), força militar americana sediada na Alemanha e criada em outubro de 2008 para combater supostas forças terroristas no continente.

Os movimentos de defesa dos direitos dos migrantes propuseram ações nacionais e pressões sobre os governos para que a migração seja considerada um direito – como consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos – e não um crime, demandando a regularização de imigrantes indocumentados, marcos regulatórios neste sentido na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na ONU e o reconhecimento dos refugiados ambientais como migrantes climáticos. Também propuseram 17 de maio como um dia internacional de ação contra as políticas de migração da União Européia.

Por fim, as organizações que discutiram a crise global do ponto de vista macroeconômico, como ATTAC, Action Aid e Fórum Mundial das Alternativas, entre outros, foram as que elaboram termos mais concretos para uma nova ordem econômica mundial, sem, no entanto, apontar estratégias de viabilização. Entre as propostas deste grupo, constam uma reforma radical da Organização das Nações Unidas, que, como está, já teria perdido seu propósito frente à hegemonia estadunidense, a dissolução de instituições multilaterais como o FMI e o Banco mundial, o desmantelamento dos paraísos fiscais e o fim do dólar como moeda de referência das reservas mundiais.

Como alternativa, propõem a criação de novos sistemas financeiros e de uma nova moeda base em substituição ao dólar, a criação de um mecanismo global de controle público das instituições financeiras e dos bancos, outro mecanismo fiscal de combate à evasão de divisas, e a criação de taxas globais para financiar bens públicos mundiais.

Longe de ser a tão sonhada convergência final do FSM 2009, a Assembléia das Assembléias acabou se tornando mais um pedido de ajuda dos vários segmentos, um pedido de adesão às suas causas, do que uma articulação de forças. Foram longos monólogos que tiveram aceitação geral, mas que pouco despertaram o entusiasmo das grandes campanhas do FSM dos primórdios, como o movimento anti-guerra de 2003. A chuva que gerou alegria na marcha de abertura só criou poças e lama no encerramento. Agora, é preciso esperar no que resultará a convocação da semana de mobilização do 28 de março ao 4 de abril, única convergência de fato das forças do FSM. Será uma prova de fogo para o movimento altermundista e seu futuro enquanto processo de construção de um novo mundo.

Fonte: Verena Glass/Agência Carta Maior