Novas regras na poupança atingirão poupadores que têm acima de R$ 50 mil aplicados. Tire suas dúvidas

Agora, é certo: vão mesmo mexer na poupança. Um dos investimentos mais apreciados pelo trabalhador brasileiro — e por isso mesmo, quase um símbolo da economia do país — será alterado para amenizar a concorrência com os fundos de investimento. As novas regras, entretanto, vão valer apenas a partir de 2010 e atingirão somente poupadores que têm acima de R$ 50 mil aplicado na caderneta. Ou seja, menos de 1% dos clientes desse tipo de investimento.

Ao anunciar ontem as novas regras da caderneta de poupança, o governo deixou claro que pretende cobrar Imposto de Renda (IR) apenas dos grandes investidores. Serão taxadas apenas aplicações acima de R$ 50 mil — no caso de quem tem a caderneta como única fonte de renda, o limite de isenção será maior. A medida, que precisa da aprovação do Congresso, tem por objetivo impedir que os investidores privados migrem de fundos de investimento para a caderneta.


Tire suas dúvidas sobre as alterações

1) As novas regras valem para todo mundo?

Só vão atingir quem tem mais de R$ 50 mil depositados na caderneta. Para quem tem até R$ 50 mil aplicados, a isenção de imposto permanece, ou seja, nada muda.

A cobrança do imposto só ocorrerá quando a Selic ficar abaixo de 10,25%.

2) Por que o limite foi definido em R$ 50 mil?

Segundo o Ministério da Fazenda, a opção pela faixa de R$ 50 mil é porque, dentro dela, ficam 99% das aplicações na caderneta de poupança. Ou seja, a mudança atingirá apenas menos de 1% dos poupadores.

3) A partir de quando as mudanças passam a valer?

As novas regras valerão a partir de janeiro de 2010. Para fins de prestação de contas ao Imposto de Renda, os valores pagos só deverão ser apresentados na declaração de 2011.

4) Quantos poupadores serão atingidos pela nova medida?

De acordo com o censo semestral do Fundo Garantidor de Crédito, do Banco Central (BC), a caderneta de poupança tem, segundo dados de dezembro de 2008, 89,9 milhões de clientes, com valores aplicados que somavam R$ 270,7 bilhões.

Destes:

> 99,05% do total (ou 89,04 milhões de clientes) têm depósitos menores do que R$ 50 mil. Esse grupo tem 59% do total do valor aplicado na poupança. Ou seja, a grande maioria não será atingida pelas novas regras.

> 0,95% (ou 854 mil clientes) têm depósitos acima de R$ 50 mil — totalizando 41% dos valores aplicados. Estes serão os atingidos pelas mudanças.

As pessoas que têm a caderneta de poupança como única fonte de renda tributável terão um limite de isenção de IR mais elevado. O ministério apresentou um exemplo: para uma Selic de 8,5%, o contribuinte só será tributado se o saldo da poupança for superior a R$ 986 mil.

5) Como será calculado o rendimento tributável mensal?

O cálculo será feito da seguinte maneira:

a) considera-se como rendimento tributável (ou seja, sujeito ao pagamento do Imposto de Renda) apenas aquela parcela correspondente à remuneração fixa de 0,5% ao mês da poupança. O valor correspondente à TR é isento.

b) do rendimento sujeito ao cálculo do Imposto de Renda será deduzido o limite de isenção (R$ 250, valor que corresponde ao rendimento mensal de uma caderneta com saldo de R$ 50 mil), chegando-se à base de cálculo bruta.

c) sobre a base de cálculo bruta será aplicado o redutor da base de cálculo, chegando-se ao rendimento tributável mensal, conforme a tabela do item 6.

6) Como se calcula o índice de redução da base de cálculo?

O redutor da base de cálculo aplicado aos rendimentos de um mês será fixado com base na taxa Selic verificada no final do segundo mês anterior ao do crédito dos rendimentos, conforme a tabela abaixo. Assim, por exemplo, o redutor para os rendimentos creditados em fevereiro de 2010 será fixado com base na taxa Selic do final de dezembro de 2009.

Selic — Base de cálculo

0% a 7,25% — 100%

7,25% a 7,75% — 80%

7,75% a 8,25% — 60%

8,25% a 8,75% — 40%

8,75% a 10% — 30%

10% a 10,50% — 20%

Acima de 10,50% — 0%

7) Como será feita a tributação?

Na declaração anual do imposto de renda, a partir da soma dos rendimentos tributáveis mensais totais do contribuinte. O imposto só incidirá sobre o valor que exceder os R$ 50 mil. Assim, uma aplicação de R$ 70 mil pagará imposto sobre o rendimento mensal dessa diferença, ou seja, sobre os R$ 20 mil.

8) Haverá retenção do IR na fonte?

A retenção na fonte será feita com base na tabela de IR válida no momento do crédito do rendimento. Considerando que o limite de isenção da tabela do IR para 2010 deverá ser de R$ 1.499,15 por mês, isso significa que somente haverá recolhimento na fonte para aplicações elevadas.

A tabela abaixo mostra o saldo de depósitos que o contribuinte deverá ter, dependendo da taxa Selic, a partir do qual deverá haver recolhimento na fonte em 2010.

Selic — Depósito

7% — R$ 349.830

8% — R$ 549.716,67

9% — R$ 1.049.433,33

10% — R$ 1.549.150

9) Se o contribuinte tiver mais de uma poupança?

O contribuinte terá de incluir o valor do rendimento bruto da caderneta de poupança para cada um dos meses do ano anterior. O programa calcula a dedução do rendimento isento e da redução da base de cálculo. Se o contribuinte tiver poupança em mais de um banco ou se seus dependentes

também tiverem poupança, então para cada mês deverá ser declarado o total dos rendimentos das diversas contas do titular e de seus dependentes.

10) Todo mundo que tem poupança terá de apresentar declaração do IR?

Não. Em geral, só terão de apresentar declaração as pessoas cuja soma dos rendimentos tributáveis sujeitos a declaração for superior ao limite da faixa anual de isenção. Ou seja, o contribuinte somará os rendimentos da poupança com os demais rendimentos tributáveis, tais como o do trabalho assalariado, não assalariado, aposentadoria, pensões, aluguéis, atividade rural, para verificar a obrigatoriedade de entrega. Em 2010, este limite deverá ser de R$ 17.989,80. Na prática isso significa que um número muito reduzido de pessoas que hoje não apresentam uma declaração de IR terá de passar a apresentar declaração em razão da mudança nas regras da poupança.

Fonte: Ministério da Fazenda

OPINIÃO

Mexer nas regras reduz a confiança do poupador na caderneta?

Ricardo Hingel, diretor financeiro do Banrisul:

"O governo não mexeu nas regras da caderneta. Com a tributação dos valores acima de R$ 50 mil, está neutralizando uma vantagem adicional para grandes valores, que iria provocar um enorme desequilíbrio no sistema, com a escassez de alguns tipos de crédito. É preciso lembrar que não houve mudança na garantia, que permanece para valores até R$ 60 mil. Acredito que não haverá grande impacto, pois a maioria dos poupadores, que são pequenos, entenderá que não foi afetado. No máximo, ligarão para as agências para pedir informações. Está havendo muito barulho por nada. Também não acredito que os investidores da caderneta que têm R$ 60 mil ou R$ 70 mil sacarão recursos por causa da nova tributação, uma vez que o impacto será muito pequeno. Haverá uma sensibilidade para quem tem a partir de R$ 1 milhão na poupança."

Alexandre Assaf Neto, professor da Fipecafi e diretor do Instituto Assaf:

"Mexer na poupança era inevitável para conter o desequilíbrio provocado pela queda da Selic. Dentro em breve, não haveria razão para manter aplicações em fundos de renda fixa, pois a poupança daria retorno maior. O problema é que o governo tem duas condições inimigas para fazer essa mudança, que são a tradição do país no sequestro de bens e o fato de que a poupança é o produto financeiro mais querido do Brasil. Mesmo que a maioria não seja atingida financeiramente, há o impacto no imaginário e na confiança dos pequenos poupadores. Muitos poderão desconfiar que não terão o mesmo retorno, mesmo que não saibam qual era esse valor antes da mudança. Acredito que haveria medidas mais simples. Com a alteração, a tendência é haver uma migração da poupança para os fundos no caso dos valores acima de R$ 50 mil."

Reinaldo Domingos, educador financeiro e presidente do Instituto de Educação Financeira Disop:

"Qualquer mudança com relação à palavra poupança ou um modelo de aplicação popular abala e faz as pessoas ficarem com um pé atrás se tiverem de escolher entre esta e um fundo de renda fixa. As medidas do governo podem afetar as decisões dos brasileiros pelo menos nos próximos dias. O que estamos vivendo é o mundo da especulação. As pessoas que não têm investimentos acima de R$ 50 mil não têm de criar pânico. As com aplicações superiores a R$ 50 mil podem ficar tranquilas e tentar formas mais atrativas e variáveis de investir o dinheiro. Para mim, o prejuízo de credibilidade está no lado do governo, que mexeu nas regras na metade do jogo. Agora que a poupança ficou atrativa eles vêm com cobrança de imposto? Na minha avaliação é desleal com o poupador."

Fonte Zero Hora