A USP foi transformada em uma verdadeira praça de guerra pela Polícia Militar, na terça-feira (9/6)

Por Lúcia Rodrigues

A USP foi transformada em uma verdadeira praça de guerra pela Polícia Militar, no final da tarde de ontem, dia 09. Policiais da Força Tática, munidos de armas do choque, partiram para cima de estudantes e funcionários que retornavam da manifestação realizada em frente ao portão central da universidade, em protesto contra a presença da PM na universidade.

Os manifestantes foram perseguidos pelos policiais a partir da Faculdade de Educação. A rua lateral à reitoria e o gramado que dá acesso aos prédios da História e Ciências Sociais viraram palco de um bombardeio. O som das bombas de efeito moral, dos tiros de borracha e dos helicópteros que sobrevoavam o campus era ensurdecedor. O cheiro do gás lacrimogêneo e spray de pimenta, insuportável.

Ninguém estava a salvo no território do medo. Os policiais arremessaram uma granada de efeito moral, inclusive, sobre um grupo de professores, que tentava dialogar com o comandante da operação, tenente-coronel Claudio Miguel Marques Longo, para evitar mais violência.

A imprensa também foi alvo da repressão policial. O fotógrafo da Folha de São Paulo Danilo Verpa foi atingido por cassetetes quando registrava o ataque da PM. A reportagem da Caros Amigos e um fotógrafo do Estadão ficaram sob a mira de escopetas.

Diretora critica

A diretora da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), Sandra Margarida Nitrini, também tentou intermediar uma negociação com o comandante Longo. “Essa é uma medida da reitoria, eu respondo pela FFLCH.”

Ela conta que disse ao tenente-coronel que a situação estava se acirrando, com a iniciativa dos policiais avançarem em direção à Faculdade. “Queremos impedir que isso ocorra em nossa unidade, queremos garantir a integridade”, frisa.

No momento em que a diretora conversava com o comandante, bombas explodiam em frente à reitoria. A justificativa apresentada pelo tenente-coronel Longo foi a de que se tratava de explosivos lançados, mas que não haviam sido detonados. “Algumas bombas ficaram com os pinos soltos e estamos explodindo agora.”
Pelo menos um estudante foi atendido no Hospital Universitário. O aluno, que não teve o nome revelado, foi atingindo na perna por um tiro de borracha. “Eu nunca vi a polícia entrar desse jeito no campus. Isto aqui virou uma guerra campal. Atacaram, inclusive, os professores que tentavam negociar”, protestou a funcionária Rosana Bullara.

Prisões

A PM prendeu dois trabalhadores e um estudante no campus. Os três tiveram as mãos algemadas para trás e foram conduzidos ao 93 DP. Permaneceram no local por volta de duas horas e meia.
Após lavrar um termo circunstanciado, um espécie de boletim de ocorrência mais elaborado, o delegado de plantão Percival de Moura Alcântara Jr. liberou os presos. “É um crime de menor potencial ofensivo. Não tem flagrante nesse caso”, explica o delegado.

Segundo Alcântara Jr., o termo será enviado para a justiça criminal e os três serão julgados pelos crimes de desacato a autoridade, resistência a prisão e danos ao patrimônio. Ele acredita que o julgamento ocorra no prazo de 30 dias.

O diretor do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP), Claudionor Brandão, um dos detidos, recebeu a informação de que dois diretores do sindicato haviam sido presos. Como ele não participou do protesto em frente ao portão central, tentou obter informações sobre os colegas.  “Eu estava ligando para a Adusp (Associação dos Professores da USP) para pedir ajuda quando vi o Celso (Luciano Alves da Silva), do comando de greve e funcionário do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) ser preso.” Brandão tentou convencer os policiais a soltarem o companheiro. Além de não conseguir demovê-los da ação, acabou sendo preso pelo comandante da operação, Cláudio Longo.

 
Segundo Brandão, as algemas que foram colocadas em seus braços foram posicionadas de uma forma que apertavam seus pulsos. “Eles (policiais) retorceram as algemas e prenderam minhas mãos para trás, isso fez com que pressionasse ainda mais”, ressalta ao exibir os pulsos com marcas profundas na pele.
O estudante de história José Ailton Dutra Junior, outro preso, estudava em seu apartamento no Crusp (Conjunto Residencial da USP), quando recebeu um telefonema informando que a PM estava atacando funcionários e alunos em frente à reitoria.  “Fui ver o que estava acontecendo e me prenderam. Os policiais vieram para cima, me arrastaram, jogaram spray de pimenta (nos olhos) e deram várias cassetadas”, frisa.

Abaixo a repressão

Para o presidente da Adusp, Otaviano Helene, o ataque da PM à comunidade acadêmica é gravíssimo. “Infelizmente chegamos a esse ponto. Isso (ataque policial) é responsabilidade da administração da USP e do governo do Estado. Não se toma uma atitude desse tipo sem o conhecimento do governador”, ressalta o dirigente dos professores.

O líder do PSOL na Assembléia Legislativa, Raul Marcelo, afirma que o partido vai entrar com uma representação na Assembléia solicitando a destituição do secretário da Segurança Pública. Marcelo também criticou a postura da reitora Suely Vilela que não fez nada para evitar o confronto policial. “É o mínimo que se espera de uma pessoa que dirige uma instituição tão importante como a USP”, salienta.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) criticou duramente da tribuna da Câmara, em Brasília, a repressão policial aos estudantes, professores e funcionários. Valente também entrou com requerimento para a criação de uma comissão que irá acompanhar e apurar a violência policial praticada na USP. Os deputados do PSDB, no entanto, entraram em obstrução para impedir que o requerimento fosse a voto.

Na hora do almoço, Valente participou do ato promovido pelo Fórum das Seis, que representa estudantes, professores e funcionários da USP, Unicamp e Unesp, em frente à reitoria. Paro o deputado, a presença da PM no campus é um retrocesso na vida universitária. “A reitora cometeu um erro gravíssimo”, destaca.

Estopim

Segundo o tenente-coronel Cláudio Longo o confronto ocorreu porque a PM teria sido atacada por estudantes. “Cercaram os policiais das motocicletas e o pelotão da Força Tática saiu em socorro deles.”
A versão policial é desmentida pelo dirigente do Sintusp Magno de Carvalho. Segundo Magno, os policiais das motocicletas começaram a ofender as estudantes. “Falavam que eram biscates da USP. Elas foram querer saber por que estavam sendo tratadas daquele jeito e eles vieram para cima dando início à perseguição.”

O contingente militar foi reforçado ontem na USP, no momento do confronto. Além dos policiais do quarto batalhão, o comandante Longo pediu apoio da tropa do décimo sexto batalhão. “Tinha muito baderneiro”, justifica o tenente-coronel.

Greve continua

Professores, funcionários e estudantes permanecem em greve. A Adusp realiza assembléia pela manhã. Ontem, a reunião dos professores foi interrompida no momento em que a tropa deflagrou o ataque.
Os estudantes realizam passeata no início da tarde até a avenida Paulista, para protestar contra a violência policial no campus. Um grupo de aproximadamente 50 estudantes permaneceu em vigília em frente ao prédio da História durante a madrugada. Pela manhã dois helicópteros da polícia faziam vôos rasantes no campus. As viaturas da PM continuam perfiladas nos fundos da reitoria.

Os funcionários também realizam assembléia hoje. Eles reivindicam 16% de reajuste, incorporação de R$ 200 ao salário, a reintegração de Brandão, demitido em dezembro pela reitora, em função da atuação destacada à frente do Sintusp, além da retirada dos processos contra dirigentes sindicais e estudantis.