Capacetes lilases: Mulheres conquistam espaço na construção civil

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Conheça a história da pedreira Cláudia Mendes, exemplo da capacidade das mulheres na área da Construção Civil, e as possibilidades que se abrem no setor. 

Cinquenta quilos de argamassa roldana abaixo e 25 quilos nas costas, escada acima. E mais 44 pás de massa até a betoneira, dois blocos de concreto nos ombros e o forte sol do verão de 2008. As árduas tarefas fizeram parte da rotina da pedreira Cláudia Mendes durante três meses, quando foi contratada pela Prefeitura de Gravataí para construir uma das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), daquela região. O trabalho foi a sua primeira atuação como profissional da Construção Civil e fruto da qualificação no curso de Assentamento de Tijolos e Regularização de Paredes e Pisos. O curso é resultado do programa Mulheres em Construção – uma parceria da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) e da Associação Viver e Aprender.

A formação foi um desafio de resistência e afirmação para a canoense, mãe de quatro filhas e sem o apoio do marido. Apreciadora do ramo desde nova, ela usava as críticas como estímulo para não desistir. “Eu fui testada na obra em todos os meus limites. Encontrava conforto nas minhas filhas, que cuidaram sempre da casa e de mim quando chegava cansada”, comentou Cláudia. O respeito da vizinhança, dos colegas e da família veio com o tempo.

Cláudia integra os cerca de 10% de mulheres brasileiras que nos últimos três anos passaram a ocupar espaço na construção civil. Uma profissão genuinamente masculina, que hoje evolui cada vez mais para agregar as profissionais do sexo feminino. A conquista deste espaço tem, entre as dificuldades, não apenas o excessivo esforço físico, mas também a exigência de uma boa estrutura emocional para superar preconceitos, discriminações e a resistência da sociedade em geral. As próprias mulheres desacreditam do seu potencial e os homens, por sua vez, zombam daquelas que enfrentam a cultura machista que ainda perdura no século 21. “Não vai voltar amanhã”, “Volta para cozinha” e “Desiste que é mais fácil” são algumas das expressões ouvidas pelas mulheres nos canteiros de obras. “Me falaram no começo que eu não ia resistir. Eu fui testada logo que eu entrei”, admitiu Cláudia em relação a forte exigência sobre seu desempenho.

Para o diretor da empresa de engenharia Goldsztein Cyrela, Ricardo Sessegolo, a contratação de mulheres é algo cada vez mais comum e faz parte de uma segunda mudança de paradigma na história do país. “Há 20 anos os canteiros de obras eram vistos como locais insalubres e sujos. Hoje eles são considerados como chão de fábrica. Agora, caminhamos para quebrar mais um paradigma: o de que apenas homens trabalham com construção”, argumenta. Sessegolo diz que a empresa tem um número reduzido de mulheres nos canteiros de obras, mas que possui excelentes contramestres e engenheiras no quadro. Ele acredita no potencial feminino como uma possibilidade de preencher as vagas nesta área e impulsionar a economia do Estado.

A Goldsztein Cyrela é parceira do programa federal Mulheres Construindo Autonomia, da Secretaria de Política para Mulheres da Presidência da República. A primeira edição foi em 2008 e agora irá disponibilizar capacitação para 60 mulheres da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. As alunas serão habilitadas para montagem de kits hidráulicos, assentamento de azulejos e pintura predial. Depois de 120 dias, as trabalhadoras serão contratadas para trabalhar em obra da empresa. “Elas têm primeiro garantia de qualificação, e depois, garantia de trabalho”, salienta o diretor.

Operárias não são aproveitadas como poderiam

Se outras empresas também contratassem mulheres habilitadas à construção civil, o Rio Grande do Sul poderia preencher a lacuna de quase 20 mil operários necessários para cumprir a meta de construções no Estado até o final do ano. “Eu acredito que a tendência é a inserção ao natural de mais trabalhadores, sejam eles homens ou mulheres. Pois há necessidade de contratação. Nós precisamos preencher as vagas”, salienta Sessegolo.

Apesar da boa perspectiva, de modo geral as empresas ainda têm dificuldade de lidar com o tema contratação de mulheres. Mesmo assim, cerca de 70% das mulheres que fazem os cursos financiados pelo governo federal saem empregadas ou exercem a profissão de maneira informal.

A informação é da responsável pelo programa Mulheres Construindo a Autonomia no RS, Marlise Fernandes. “Existe um mito sobre este tema ser polêmico. Na verdade, é uma questão bem prática. Há vagas e há profissionais qualificados, não existe razão para não contratar. Esperamos que mais empresas nos procurem, pois agora vamos qualificar 800 mulheres”, comenta. Marlise reforça que depois da adesão do projeto pela Secretaria Nacional de Política para as Mulheres, o programa ganhou o apoio do poder público municipal nos estados. No RS, as prefeituras de Canoas, Santa Maria e Caxias do Sul são parceiras na realização dos cursos. “Em Caxias há um projeto para as alunas construírem um Centro de Reciclagem. Tem inclusive um detalhe bem feminino na licitação do projeto: capacetes lilases”, brincou.

Fonte: Rachel Duarte, do Portal Sul 21.
Foto: Rachel Duarte.