Professora da Unicamp alerta para o risco de banalização do assédio moral

Em entrevista publicada no jornal Gazeta de Ribeirão, a professora e psicóloga Magda Senna Vulcano afirma que é preciso saber exatamente o que é assédio moral para evitar  a banalização da ação contra o assédio moral na justiça como uma importante conquista trabalhista no País. A professora fala sobre esse importante e delicado tema a partir de sua experiência no Programa de Proteção às Práticas Abusivas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atuou por cinco anos coordenando a área de Desenvolvimento da Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH) da instituição.

Ela ressalta, ainda, que um ambiente de trabalho no qual existam abusos pode ser tóxico tanto para a saúde dos funcionários quanto para o bolso das empresas. “As pessoas só querem respeito e dignidade. As consequências do assédio moral do ponto de vista psicológico são imensas, muito graves”, explica a psicóloga.

Ela aponta uma pesquisa que é referência no Brasil e foi realizada pela médica e psicóloga Margarida Barreto, na qual foram ouvidos dois mil trabalhadores, entre os anos 2000 e 2005. Na pesquisa, 42% das pessoas entrevistadas disseram ter sofrido violência moral no trabalho e 60% delas garantiram ter entrado em depressão em decorrência do assédio. Quanto às mulheres, 64% delas afirmaram ter enfrentado abusos sendo que, para 12%, os problemas começaram com o assédio sexual.

Agência Anhanguera — O que é considerado assédio moral?
Magda Senna Vulcano — Para que possamos compreender bem o significado do assédio moral, é importante discutirmos o que não é assédio. A questão do estresse, por exemplo. Só no limite é que ele pode ser configurado assédio. Condições de trabalho precárias, também, são normalmente confundidas com tal prática. Nesse caso, pode se chegar ao assédio se, intencionalmente, forem colocadas condições precárias para um determinado trabalhador ou grupo de trabalhadores. Avaliação de desempenho é outro exemplo. Alguns trabalhadores consideram assédio uma avaliação negativa de seu trabalho. Só pode ser considerado assédio se, nessa avaliação, o feedback for dado de maneira a humilhar o funcionário; a mostrar que ele tem menos valia ou que ele não consegue ser igual aos demais; enfim, uma prática mais discriminatória. Também é importante salientar que tudo isso deve ocorrer de forma prolongada para se configurar o problema.

Algumas pessoas, então, não entendem o que é realmente assédio moral?
Há, hoje, infelizmente, uma confusão e, por isso, uma banalização dessa ferramenta que o trabalhador conseguiu a duras penas. Isso nos preocupa muito. Qualquer coisa está sendo vista como assédio e isso é ruim para o próprio trabalhador.

Qual o motivo dessa questão estar tão em voga?
O assédio moral não é uma prática abusiva que está surgindo no momento atual. A questão é tão antiga quanto a própria divisão do trabalho. Mas a manifestação desse problema jamais se deu de forma tão contundente quanto hoje. Então, qual é a razão disso? Basicamente, três fatores têm se mostrado como significativos. O primeiro é que está havendo um destaque maior do tema na mídia, nos meios jurídicos e nos políticos. O segundo é que tem se popularizado um prognóstico realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que aponta as consequências que nós vamos ter nos ambientes de trabalho deteriorados daqui a duas décadas, naqueles locais que não promovem a qualidade nas relações interpessoais. O terceiro é que há, hoje, uma pressão muito grande no mundo corporativo. O mundo profissional se impulsiona pela urgência. É tudo para ontem.

A senhora diz que “o assédio é a doença da solidão”. Por quê?
Com a pressão, o trabalho vai perdendo o significado para o indivíduo. Ele acaba isolado. Começa a se sentir inútil e, o que é pior, culpado por essa situação. Vai se desqualificando como pessoa até se tornar um objeto e não suportar mais. Tudo isso é levado para fora. Ele não separa o mundo do trabalho do pessoal. Fica agressivo; somatiza muitas doenças, como a hipertensão, a obesidade ou a magreza excessiva.

Aquela história de que para conhecer uma pessoa verdadeiramente basta dar poder a ela faz sentido?
O poder, realmente, é algo muito complexo; muito difícil de administrar. As relações de poder, normalmente, trazem conflitos. Se você, numa situação de comando, não souber administrar o conflito, pode passar a adotar uma gestão por opressão, pela perseguição, e acaba indo buscar aquele que é mais fraco e, por intermédio dele, dá uma lição coletiva. O grupo, então, pode ter uma reação de medo, de recuo. Os indivíduos passam a não ter resistência; eles recuam mesmo. Isso é muito triste… Normalmente, o coletivo não costuma apoiar aquele que está sendo assediado; o mais fragilizado.

Por Fábio Gagliacci
Agência Anhanguera, publicado no Portal do Jornal Gazeta de Ribeirão.

PUBLICAÇÃO SOLICITADA  PELO COORDENADOR: Igor Corrêa Pereira
Postada por Luis Henrique Silveira às 14:14 08/11/2010