Entrevista com a Assessoria Jurídica sobre a GREVE

No dia 25 de julho, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou a Petição n°8.634 junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que pede a declaração da ilegalidade da greve dos Técnico-administrativos em Educação. A ação é contra a Fasubra e outras 26 entidades representativas da categoria – entre ela a Assufrgs – e quero retorno do técnico-administrativos às atividades para, segundo a AGU, “garantir o direito constitucional do ensino público gratuito à sociedade”, a continuidade de pesquisas e funcionamento de hospitais. Para ajudar a avaliarem que medida essa ação da AGU interfere no movimento de greve e para deixar clara a responsabilidade do movimento, a Assufrgs convidou a assessora jurídica, Valnez Bittencourt para essa entrevista, em que responde a algumas das dúvidas mais frequentes dos colegas grevistas. A advogada falou também na última assembleia geral. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

ASSUFRGS (A):  O ingresso da Advocacia-Geral da União (AGU) no Superior Tribunal de Justiça(STJ) com a Petição 8.634, conforme notícia publicada em seu site, pedindo que seja declarada a ilegalidade da nossa greve, tem algum efeito imediato para a continuidade do movimento?
Valnez Bittencourt – Não há nenhum efeito imediato. O pedido da União ainda não foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça e pode levar meses até que seja definitivamente julgado.
Tivemos agora pela manhã a notícia de que há pedido de concessão de medida liminar para que o STJ, em síntese, (a) determine a imediata suspensão do movimento grevista ou, caso assim não entenda o Relator, que (b) determine a manutenção de equipes no trabalhos de no mínimo 70% dos servidores técnico administrativos.
O Superior Tribunal de Justiça está em recesso e as atividades reiniciarão na próxima semana, dia 1° de agosto. O Ministro Relator poderá despachar rapidamente (não é possível saber exatamente em quanto tempo). Tudo depende do próprio Julgador, que pode determinar – ou não – a manifestação da parte contrária (FASUBRA e 26 Entidades que representam a categoria), antes de examinar o pedido da AGU e concedê-lo ou não.
Tivemos notícia também de que a FASUBRA manteve contato com o Gabinete do Ministro da Educação, a fim de solicitar agenda com ele para tratar do assunto.

(A): Estamos há mais de 45 dias em greve. Mesmo assim, a AGU pode ter pedido regime de urgência para análise de sua petição?
Valnez Bittencourt –  Pedir urgência não significa obte-la. A demora certamente será um dos pontos de defesa dos servidores.

(A): A questão que pode assustar os trabalhadores é corte do ponto, com consequências salariais. É o momento de ter esse temor? Essa preocupação tem razão de existir?
Valnez Bittencourt –  Por ora não há nenhuma determinação no sentido de cortar o ponto, nem do Governo, nem da Justiça.
Todavia, há, legalmente, esta possibilidade, pois evidentemente nos dias de paralisação não há prestação do trabalho.  No entanto, é costumeiro, tanto no serviço público como no privado, a negociação dos dias parados mediante compensação destas horas após o final do movimento grevista.
O chamado corte do ponto e consequente não pagamento dos salários implica em retirar do trabalhador a sua fonte de sustento, configurando feroz radicalização da parte mais forte na relação e gravíssima violência ao direito constitucional de greve. Na prática, tal conduta afronta o Estado democrático de Direito, acabando por inviabilizar qualquer movimento.

(A): Mesmo sem ter acesso à petição, é possível prever quais são os argumentos expostos pela AGU que poderiam resultar na declaração de ilegalidade da greve?
Valnez Bittencourt – De acordo com a notícia publicada pela própria AGU em seu site, seu pedido de declaração da ilegalidade da greve tem como objetivo  “… garantir o direito constitucional do ensino público gratuito à sociedade, a continuidade das pesquisas nacionais nas áreas de ciência e tecnologia, do atendimento em hospitais universitários, e do desenvolvimento econômico e social do país, …”
Segundo a AGU, “a continuidade da greve pode causar prejuízos ao desenvolvimento econômico e social do país.”
Argumenta que, "Atualmente, cerca de 80% das pesquisas nacionais são desenvolvidas nas Universidades Federais, projetando o Brasil em âmbito internacional e contribuindo para o processo de desenvolvimento da Ciência e Tecnologia".
E poderá que  “Para funcionar plenamente, as universidades precisam dos três atores: professores, estudantes e servidores técnico-administrativos. Todos são fundamentais. Com a paralisação inúmeras atividades de pesquisa e experimentação são perdidas e não poderão ser compensadas, assim como atendimentos médicos e até mesmo refeições deixam de ser servidas.” Estas citações são necessárias, a meu ver, porque poucas vezes se tem um tal reconhecimento público da real importância do trabalho desenvolvido pelos técnico-administrativos das IFEs, sem que isto implique, infelizmente, no atendimento das justas reivindicações das categoria.
Segundo a AGU o movimento é abusivo – e, portanto, ilegal – porque “não haviam terminado as negociações com a Fasubra.”, quando do início da greve.
Ora, é público e notório que a categoria há muito tempo tenta a negociação com o Governo. Também é público e notório que o Governo não negocia, embora diga que está. A Lei de Greve (n° 7.783/89), em seu artigo 3°, apanha a situação que os técnico-administrativos estão vivenciando, já que a verdade real é que houve a frustração da negociação, face à postura do Governo. A conclusão é que não há, por esta alegação, motivo para declaração de abusividade de grave.
Aliás, diante da verdade dos fatos, causa espanto e até um certo constrangimento que a preparadíssima Advocacia Geral da União diga que “… os servidores públicos, que prestam serviços a toda a coletividade, deveriam buscar o atendimento de suas reivindicações, previamente, por via de negociação administrativa ou política, mas nunca uma atitude tão impulsiva e prejudicial.

(A): O descumprimento do acordo de greve de 2007 pesa a favor da legalidade?
Valnez Bittencourt –  De acordo com o artigo 14, § único, I, da Lei de Greve não há abusividade no exercício do direito de greve a paralisação que, na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa,  “tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;”

(A): Conforme a notícia veiculada em seu site, a AGU cobra que, caso não seja decretada a ilegalidade da greve, 70% dos trabalhadores retornem para garantir, por exemplo, a continuidade das pesquisas e o funcionamento de hospitais. Existe previsão legal para se chegar a esse índice de 70%, há algum levantamento que indique essa quantidade de trabalhadores? Os terceirizados entrariam neste percentual?
Valnez Bittencourt –  Deve-se analisar a situação descrita na pergunta recorrendo novamente a Lei de Greve. No artigo 11, está previsto que “Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”
O artigo 10 arrola as atividades consideradas essenciais e dentre este rol, considerado o caso específico da categoria no Rio Grande do Sul, não há nenhuma hipótese aplicável. Portanto, o pedido da AGU não tem qualquer aplicação aos servidores da UFRGS e da UFCSPA.  Mesmo assim, está sendo observado o percentual de 30%, usualmente adotado para evitar a paralisação total dos serviços e atividades das Universidades.
Não há na lei nenhum percentual de trabalhadores que devam manter a prestação de serviços, sendo as situações examinadas e decididas caso a caso.
Caso fosse o caso de serviço essencial, no meu entendimento os trabalhadores terceirizados teriam que ser considerados no total de trabalhadores.

(A): A senhora disse na palestra proferida na última Assembleia Geral que uma medida legal preventiva que poderíamos tomar é entrar com uma ação pedindo uma Tutela Antecipada.Em que isso nos protegeria? Quais são os passos para conseguir essa tutela?
Valnez Bittencourt – Há inúmeros precedentes jurisprudenciais concedendo antecipação dos efeitos da tutela (popularmente “liminar”), determinando que as entidades patronais, nelas incluída a Administração Pública, se abstenham de impor qualquer tipo de penalidade disciplinar e/ou sancionatória aos servidores em greve, dentre elas descontar as faltas e/ou suspender o pagamento dos salários e realizar anotações em assentamentos funcionais.
É a esta possibilidade de ação que me referi na Assembléia Geral realizada no dia 26 p.p., exemplificando com um ou dois casos em que nosso escritório obteve na Justiça o atendimento destes direitos dos servidores.