Por que 7% do PIB para a educação é pouco?

Esta pergunta é feita de maneira periódica por parlamentares membros da Comissão Especial que analisa na Câmara dos Deputados o PL n° 8035/2010. Para respondê-la foi necessário destrinchar o conteúdo do documento encaminhado pelo MEC ao Congresso Nacional intitulado de "Previsão de investimento necessário para cumprir o PNE, além do investimento atual de 5% do PIB". Na verdade este documento é uma planilha com a memória de cálculo dos custos das metas presentes no Projeto de Lei do PNE.
A Nota Técnica da Campanha enumera as principais deficiências e inconsistências da referida planilha.
Resumo aqui os argumentos apresentados.

1. Os valores de custo-aluno utilizados pelo MEC, especialmente para a educação básica, não correspondem à realidade vivenciada pelas redes públicas. Eles se baseiam nos dados do SIOPE, que não são desagregados para todas as etapas e modalidades e apresentam distorções no que diz respeito aos custos da educação infantil.
2. Mesmo que esses valores fossem compatíveis com o valor realmente aplicado, é equivocado projetar para os próximos 10 anos gastos de custo aluno/ano que não enfrente o problema da qualidade da educação brasileira, especialmente no que se refere à garantia de oferta de um padrão mínimo de qualidade para todos os brasileiros e todas as brasileiras.
3. É muito grave o fato da planilha de custos do MEC trabalhar com parâmetros que não foram explicitados no Projeto de Lei, postura incompatível com a necessária transparência que uma lei deve ter. Por exemplo, ela calcula os custos do ensino superior mantendo a proporção atual de participação do setor público (26,4% das matrículas), mas esse dado não é apresentado no texto legal que tramita na Câmara dos Deputados, mesmo que tal definição seja significativa para a definição das projeções de custos.
4. O MEC assume que não há custo para o cumprimento de metas efetivamente custosas. O caso mais gritante é a não estimativa de custos da alfabetização de 14 milhões de jovens e adultos.
5. Os cálculos apresentados não levam em consideração os custos para a elevação do padrão de qualidade, tal como exige a CF/88, no atendimento ofertado a 16 milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos em escolas de educação básica das regiões Norte e Nordeste do país. Um enfoque que leve em conta a equidade possui custos financeiros e estes estão ausentes da planilha governamental.
Com estas deficiências e alguns erros de cálculo, o MEC conseguiu construir uma planilha que consegue enquadrar os custos do novo PNE nos estreitos marcos financeiros defendidos pela área econômica do governo.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
 
O que diferencia os dois cálculos (MEC versus Campanha)?
Esta certamente é uma pergunta muito relevante e quem sabe a mais importante para quem quiser compreender o que está em jogo no debate do novo PNE.
O que separa as duas propostas não são polêmicas novas no debate educacional. Pelo contrário, vivenciar o atual momento me faz lembrar o grande papel desempenhado por Florestan Fernandes em batalhas anteriores. Espero que o exemplo de coerência deste grande defensor da escola pública e gratuita inspire cada vez mais a ação dos movimentos sociais e dos parlamentares de esquerda na atual batalha.
A primeira diferença é na forma de calcular o custo aluno de cada etapa e modalidade. É uma diferença importante, mesmo que não seja a principal. O MEC utiliza dados extraídos do SIOPE. Este Sistema recolhe informações sobre educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos dos estados e municípios. Porém, recente pesquisa desenvolvida pela Undime, que tive a oportunidade de coordenar, mostrou o quanto distorcido são esses números, especialmente os relativos à educação infantil e EJA.
A segunda diferença, essa sim a fundamental, diz respeito ao eixo de crescimento da oferta de vagas na próxima década. A planilha do MEC trouxe explicitamente uma concepção de que a expansão do ensino superior deve continuar sendo majoritariamente privada (de preferência subvencionada pelo poder público), estabelece uma opção por estimular igual modelo no ensino profissionalizante e abre brechas pra continuidade de uma rede precária na educação infantil (escolas comunitárias).
A Campanha, coerente com as resoluções principais da CONAE e com a tradição do movimento educacional brasileiro, caminha em direção oposta. A expansão das matrículas deve ser prioritariamente pública, pois trabalha com o conceito de educação como direito de todos e dever do Estado (já li algo muito semelhante em alguma Carta Magna de algum país latino americano!). Apresentou emendas para que 80% da expansão do ensino profissionalizante seja público e 60% da expansão no ensino superior.
A tentativa teórica de quebrar fronteiras que sempre foram nítidas entre estes dois conceitos teve grande expressão no governo FHC, esteve presente no governo Lula e parece que não foi abandonada pelo governo Dilma.
A planilha do MEC é coerente com a "cláusula pétrea" dos governos brasileiros de que a verdadeira prioridade de gastos é o pagamento dos juros e amortização da dívida pública, mantendo contentes nossos credores especuladores do mercado financeiro. Por isso é necessário realizar malabarismos na planilha apresentada, contanto que ao final os números apresentem resultado que não mexa com a prioridade estabelecida. A defesa explícita feita na Nota técnica do MEC é de que basta manter o crescimento registrado de gasto público dos últimos quatro anos para resolvermos os principais problemas educacionais. Na verdade, não acho que existam pessoas que acreditem neste discurso, mas ele ajuda a justificar as escolhas.
A Campanha aponta para uma dinâmica diferenciada. Ao elaborar a proposta de Custo Aluno-Qualidade esta rede de entidades propôs que o país verificasse primeiro qual o padrão mínimo de qualidade compatível com o direito a educação para todos e aceitável para o nível de desenvolvimento nacional e que os recursos necessários para se atingir este objetivo fossem priorizados, seja pela justiça social embutida nesta decisão, seja pelo efeito benéfico da elevação da escolaridade da população para o próprio desenvolvimento nacional.
São muitas diferenças e é preciso que cada cidadão pressione os parlamentares de seu estado para que reforcem o lado correto deste debate.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
 
Os esquecidos pelo MEC
Dois "esquecimentos" identificados nos cálculos do MEC merecem nossa reflexão.
Foram esquecidos 14 milhões de analfabetos.
O PL nº 8035 de 2010, em sua Meta 09, apresenta o desafio de alfabetizar todos os jovens e adultos maiores que 15 anos até 2020. E mais, a Meta se propõe a reduzir em 50% o analfabetismo funcional.
Os dados mais recentes da PNAD (IBGE – 2009) mostram que o Brasil possui mais de 14 milhões de jovens e adultos analfabetos maiores de 15 anos.
A planilha de cálculos enviada pelo MEC não estima custo para a realização desta tarefa. Na verdade, o que está implícito é que os recursos aplicados no Programa Brasil Alfabetizado serão suficientes para cumprir tal tarefa. Mas, de uma forma inexplicável, o Ministério afirma na planilha que os custos desta grandiosa tarefa estavam embutidos no volume de recursos previstos para o cumprimento da Meta 10, que trata de converter 25% das matrículas de Educação de Jovens e Adultos em ensino profissionalizante.
Simplesmente os analfabetos foram esquecidos pelos cálculos do MEC.
A Nota Técnica da Campanha refez os cálculos, e concluiu que para a universalização da alfabetização de jovens e adultos deveria ser considerado que a alfabetização pode ser feita em seis meses, por isso foi estabelecido como valor a metade do custo aluno/ano calculado pelo CAQi para EJA em seguida, foi diminuído deste valor o custo per capita do Programa Brasil Alfabetizado aplicado em 2010 (R$ 410,12).
a) 14.104.984 matrículas X (R$ 2.396,44/2 – R$ 410,12)
14.104.984 matrículas X R$ 788,10 = R$ 11.116.137.890,40
Além disso, foi calculado o custo de incorporação de 30% dos estudantes de EJA na rede regular de ensino, usando como parâmetro o valor do CAQi da EFSI, ou seja, R$ 2.396,44.
b) 4.231.495 matrículas X R$ 2396,44 = R$ 10.140.523.877,80
c) Total Meta 9: R$ 21.256.661.768,20
Foram esquecidos 16 milhões de alunos do Norte e Nordeste
Os indicadores educacionais brasileiros evoluem muito lentamente e um dos componentes que puxa estes resultados para baixo é certamente a situação das escolas nas regiões Norte e Nordeste.
O novo Plano Nacional de Educação deveria propiciar a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola" e a garantia de um padrão mínimo de qualidade, mas esse assunto não é tratado no texto do Projeto de Lei do governo.
Com isso, parece que o governo trabalha com uma visão de que apenas as atuais ações são suficientes para diminuir a diferença entre as regiões mais ricas e mais pobres.
A Nota Técnica da Campanha calculou o valor necessário para que as escolas nas regiões Norte e Nordeste alcancem o CAQi. Para este cálculo foi utilizado o valor por aluno identificado pela pesquisa "Gasto Municipal Real" (Undime, 2011). Esta pesquisa identificou a continuidade de enormes distâncias regionais no custo-aluno realmente executado. Por exemplo, um aluno que freqüenta uma creche na região Sudeste tem a sua disposição, em média, R$ 8272,00, mas para um aluno na região Nordeste o poder público oferece apenas R$ 1876,00.
Para se garantir a equidade é necessário que as novas matrículas tenham por base um padrão mínimo de qualidade, mas também é essencial que as escolas atuais tenham condições de alcançar este mesmo padrão. E isto significa injetar recursos públicos nas regiões mais pobres, especialmente nos municípios mais pobres.
No conjunto, para elevar as regiões Norte e Nordeste a um padrão mínimo de qualidade nos próximos 10 anos, é preciso um investimento de, aproximadamente, R$ 16,3 bilhões.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011