Em defesa das ações afirmativas: avançar na luta pelos direitos de ingresso e permanência na universidade

Desde 2007, ano em que foi instituído o Programa de Ações Afirmativas  na UFRGS, muitos foram os desafios e as lutas para garantir a plenitude do direito ao acesso e à permanência na Universidade através da política de cotas raciais e sociais. Nesse processo, a Assufrgs, juntamente com diversos setores da comunidade acadêmica e da sociedade, esteve presente em todos os movimentos em defesa da política de cotas. São quase 10 anos de compromisso ininterrupto com essa política de extrema importância para a democratização do acesso ao ensino universitário e para a garantia que ao menos uma parcela da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica possa cursar uma graduação em uma universidade pública.
 
As lutas travadas em defesa das cotas não foram uma exclusividade dessas entidades. Para além da representatividade expressa e legítima da Assufrgs, nosso movimento é feito de pessoas de carne, osso, sangue e suor. Pessoas que acreditam em princípios de democracia e justiça social, e que se posicionam sempre com firmeza na defesa destes princípios. Muitas dessas pessoas, que são nossos colegas da universidade e companheiros de lutas, hoje trabalham na análise socioeconômica dos processos de ingresso pela política de cotas. Trabalho esse que, embora silencioso e muitas vezes desconhecido pela comunidade acadêmica, enfrenta grandes dificuldades para garantir o direito de todos aqueles que podem ingressar pela política de ações afirmativas. Falta de pessoal, servidores que acumulam este trabalho com as demais atividades do setor de origem, espaço físico inadequado e ausência de estrutura são apenas alguns exemplos das dificuldades enfrentadas pelas comissões responsáveis pelos processos de análise socioeconômica e pelos recursos às eventuais não homologações. Para além das questões objetivas do trabalho, é inegável o desgaste e os impactos subjetivos nos membros dessas comissões, desde que essas podem determinar, muitas vezes, alterações bruscas na vida dos estudantes e por isso carregam uma responsabilidade imensa nas mãos.
 
Considerando tal responsabilidade, os procedimentos utilizados por estes profissionais na análise visam exclusivamente à verificação e à comprovação da renda do grupo familiar dos candidatos. Qualquer questionamento referente às atividades realizadas pelo candidato ou demais membros do grupo familiar visam identificar a coerência entre os dados declarados e os documentos apresentados relativos à sua situação de renda. Afinal, embora as legislações (Lei no 12.711/2012, Decreto no 7.824/2012, PORTARIA NORMATIVA No 18, DE 11 DE OUTUBRO DE 2012) nomeiem estes procedimentos como análise socioeconômica, de fato apenas regulamentam a forma de proceder o cálculo de renda. Reconhecemos que o processo de verificação de renda produz desconforto nos candidatos e candidatas, que sentem ter suas vidas vasculhadas, bem como a angústia que a incerteza do ingresso na Universidade possa provocar em si e em seus familiares. Porém, reiteramos que a Política de Cotas se destina a atender de forma compensatória uma parcela específica da população,historicamente marginalizada. Para tanto, enquanto lutamos por um ensino superior público e universal, a observância aos critérios de renda são fundamentais para que as vagas destinadas a estes sujeito sejam, de fato, por eles ocupadas na Universidade.
 
A administração central da UFRGS sempre teve uma relação complicada com a política de Ações Afirmativas. É preciso lembrar que somente após intensas manifestações da comunidade é que os movimentos impuseram ao CONSUN a adoção das cotas na UFRGS. A cada necessidade de renovar a resolução no CONSUN a reitoria precisa ser ocupada pelos movimentos para que este direito seja respeitado pela administração da UFRGS. Lutamos até hoje pela ampliação das Casas de Estudantes e Restaurantes Universitários para garantir condições adequadas para a permanência dos estudantes ingressantes por cotas. As lutas por bolsas e auxílios a estes estudantes também é uma constante na vida da nossa comunidade acadêmica.
 
Como a UFRGS nunca se preparou realmente para a nova realidade trazida pelas cotas, ainda hoje estamos lutando pelo respeito e pela plenitude desse direito. Em 2016, dezenas de estudantes cotistas estavam impedidos de iniciar o semestre junto com os demais por dificuldades e demoras no processo de entrega e análise dos documentos. Depois de uma ação movida pelo DCE em defesa desses estudantes, foi criada a figura da "Matrícula Precária", permitindo ao estudante realizar a matrícula sem o resultado final da análise socioeconômica e iniciar a graduação sem a garantia de poder permanecer na universidade. Por falta de estrutura adequada, alguns processos levam até dois semestres para a obtenção do resultado final. Mesmo sem o acordo do DCE, essa medida foi aceita pelo MPF e adotada pela UFRGS e está vigente até o presente momento trazendo inúmeros problemas.
 
Dentre estes problemas, podemos destacar: a insegurança dos estudantes que, mesmo matriculados, não sabem se poderão terminar seus estudos na universidade, e o desperdício de vagas para cotistas, pois, ao indeferir um processo de análise socioeconômica com mais de um ano de duração, esta vaga que era destinada a um aluno cotista é realocada como “vaga ociosa” e só virá a ser ocupada através de Ingresso de Diplomado, Transferência Interna ou Transferência Voluntária, retirando, assim, o espaço que deveria ser ocupado por um estudante que possui o direito a cotas. Esta deficiência da UFRGS demonstra um desrespeito à Política das Ações Afirmativas, pois poderia ser evitada se a Instituição oferecesse a estrutura adequada para que os processos de avaliação socioeconômica fossem finalizados antes do período de matrícula, garantindo que as vagas destinadas às cotas fossem plenamente contempladas por estudantes aptos a este direito. Além disso, é preciso reconhecer a pressão à qual os técnicos são submetidos, ao lidarem com os sonhos, as esperanças e as perspectivas de vida dos candidatos e suas famílias.
 
A superação dos problemas que hoje acontecem com a Política das Ações Afirmativas somente será possível quando a UFRGS se comprometer integralmente a respeitar esse direito conquistado. É necessário defender o trabalho dos técnicos envolvidos neste processo, pois sabemos do seu comprometimento em garantir que esta política efetivamente seja respeitada e garantida dentro da UFRGS. E é preciso reforçar sempre: a injustiça cometida com qualquer estudante que acaba tendo sua graduação interrompida, ou que acaba não usufruindo do direito às cotas pelo desperdício de vaga ocupada por outro estudante que conseguiu a “Matrícula Precária” e não foi homologado na análise socioeconômica, é consequência da precária estrutura oferecida pela Universidade a fim de garantir a plenitude das Ações Afirmativas.
 
Todo nosso apoio aos companheiros e companheiras que se dedicam a concretizar a política de cotas na UFRGS. Não aceitamos que se impute aos Técnicos Administrativos em Educação a responsabilidade sobre a precariedade do processo de análise e seus prejuízos aos candidatos, nem se atribua a membros da nossa categoria qualquer designação relacionada a comportamentos que permitam, tolerem ou sejam condescendentes com práticas discriminatórias que denotem perseguição política, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, partidária, de associação a movimentos sociais ou coletivos organizados. 
 
Pelo avanço das políticas de ações afirmativas nas Universidades, garantindo o ingressos dos trabalhadores à educação pública, gratuita, criadora, crítica e popular!
 
Lei 12.711/2012
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm
 
Decreto 7.824/2012
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/D7824.htm
 
Portaria Normativa MEC 18/2012
http://www.coperves.ufsm.br/sisu/concursos/cachoeira_do_sul_sisu_2015/arquivos/cachoeira_do_sul_sisu_2015_portaria_mec_12_2012.pdf

Coordenação da Assufrgs Sindicato

Foto em destaque: Flávio Dutra