NOTA DO BLOCO DE LUTA PELO TRANSPORTE PÚBLICO SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS POLÍTICOS E SOCIAIS

 

 

Residências de militantes sociais e sedes de organizações políticas invadidas. Prisões arbitrárias de manifestantes em “flagrante” longínquo dos locais dos supostos delitos. Apreensão de livros e materiais políticos pela polícia. Parece uma narração do modo de operação da polícia durante a ditadura civil-militar, mas, na verdade, se trata da polícia civil sob o comando do governador Tarso Genro, tratando de intimidar e criminalizar os militantes e organizações que compõem o Bloco de Luta pelo Transporte Público, em parceria com um juiz a serviço dos poderosos da cidade. Trata-se de um claro movimento articulado das forças do Estado, que se explica a partir das relações de classe e de poder atuais, do passado recente e do futuro próximo.

O Bloco de Luta é uma organização de frente única, que congrega diferentes organizações políticas e sociais e indivíduos que primam pela independência de classe e de governos, que uniram forças em torno da pauta do transporte público acessível e de qualidade. Ao fazê-lo, rompeu com o consenso político estabelecido, desde o nível municipal até o nacional, e desnudou as relações promíscuas entre o empresariado e os governos, bem como os limites políticos da composição e conciliação de classes vigente no cenário político atual. As consequências desse consenso para os estudantes e trabalhadores são terríveis: no caso do transporte público, tem-se preços abusivos e serviços de péssima qualidade, resultando na espoliação dos salários em benefício da máfia dos transportes, na extensão brutal da jornada de trabalho e na degradação do espaço urbano, já que na outra ponta os governos subsidiam os empresários da indústria automobilística e os empreiteiros, congestionando e degradando as cidades.

Com a nossa luta, mesmo sob forte e reiterada repressão policial, conquistamos o cancelamento do aumento da tarifa de ônibus do início do ano, ainda que liminarmente – cancelamento esse que o prefeito Fortunati e seus assessores diziam ser “impossível”. Interrompemos, ali, a naturalização do aumento anual abusivo, e politizamos o preço da tarifa e a gestão do transporte público. Provamos que a ação política organizada torna o “impossível” possível. Temos consciência também de que o nosso movimento foi o estopim mais imediato para as revoltas que tomaram dimensão nacional em junho, que abraçaram nossa pauta e a ampliaram.

Na véspera da greve geral do dia 11 de julho, ocupamos a Câmara de Vereadores e elaboramos projetos de lei que buscam garantir a transparência nas contas do transporte público e o passe-livre para estudantes, trabalhadores desempregados, indígenas e quilombolas, sem aumento da tarifa para os demais usuários. Durante a ocupação, também demonstramos na prática que outro tipo de organização social, autogestionária e sem relações de exploração, é viável e desejável, e contamos com a solidariedade de sindicatos e indivíduos. Porém, até hoje, o projeto de abertura de contas não foi votado, em descumprimento, pelos vereadores, do acordo judicial firmado para a desocupação, e tampouco o projeto de passe livre foi enviado à Câmara pelo prefeito. 

Sabemos que a memória da ocupação e a existência destes projetos, bem como o fato de que os estudantes e trabalhadores sabem, a cada vez que andam de ônibus, que a redução da tarifa se deu pela mobilização popular, contra a vontade do prefeito e dos empresários, causam profundo desconforto no empresariado e nos governos, já que materializam uma ameaça ao seu arranjo de poder. Tudo isso tornou o Bloco de Luta uma força política real e temida por aqueles beneficiados pelo atual arranjo econômico e social, no Estado e no empresariado. Por isso, os vereadores governistas tramaram a instalação da CPI da ocupação, surdos às vozes das ruas, o que mais uma vez deixa claro a serviço de quem eles estão.

No futuro próximo, a Copa FIFA de 2014 pretende transformar a cidade em um território de exceção, com alterações de leis que objetivam a maximização dos lucros da FIFA e das empresas que patrocinam a Copa. O governo federal já declarou ser subserviente a esse processo (e parte dele), que ocorre às custas de remoções forçadas de moradias, cerceamento de direitos de manifestação e tudo o mais que esteja no caminho dos lucros corporativos. As forças de repressão do Estado sabem que o Bloco de Lutas se opõe ao estado de exceção exigido pela FIFA em parceria espúria com os governos, em todos os níveis, e que esta luta faz parte de nossa pauta. Temem, portanto, por seus lucros. 

O Bloco questiona um modelo de urbanização e sociedade que degrada o espaço público em nome do lucro: congestiona a cidade, despeja os pobres e aniquila os bens culturais e ambientais, sucateia a educação, enquanto favorece os empresários do transporte, da construção civil, do agronegócio e dos mega-empreendimentos esportivos, aumenta a dívida pública e, assim, garante o financiamento de campanhas eleitorais. É por ter se constituído em referência e força política capaz de articular a contestação aos projetos em curso das corporações e de seus serviçais alojados no Estado que o Bloco está sendo alvo da operação criminalizadora desencadeada de forma coordenada pelas forças do Estado. Portanto, isto se insere no contexto mais amplo das lutas dos estudantes e dos trabalhadores pelo direito à cidade, bem como da luta por reparação daqueles historicamente espoliados deste país, os indígenas e quilombolas. O processo de criminalização em curso é uma reação contra aqueles que ousaram lutar por melhores condições de vida, contra os interesses de empresários e governos. 

Portanto, convocamos a solidariedade de todos os estudantes e trabalhadorxs contra a repressão policial promovida pela polícia de Tarso Genro. O que está em jogo é a continuidade de um Bloco classista, combativo e independente, que já mostrou a que veio, e de que lado está. Não é à toa que o capital e seus auxiliares querem nos desarticular: eles sabem que nós defendemos o povo com independência. As promessas dos governos comprometidos com empresários não nos inspiram confiança; decidimos nos organizar de forma independente e autônoma para lutar por uma vida sem catracas. Para eles, isso é inadmissível. Não passarão!

PROTESTO NÃO É CRIME! NÃO AO ESTADO DE EXCEÇÃO!
CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO PROMOVIDA POR TARSO!
POR UM BLOCO DE LUTA CLASSISTA, AUTÔNOMO E INDEPENDENTE!

“Considerando que os senhores nos ameaçam com fuzis e com canhões, nós decidimos: de agora em diante, temeremos mais a miséria do que a morte.” (Bertolt Brecht)

O Bloco de Luta pelo Transporte Público coloca esta nota à disposição para que entidades e indivíduos a ela se somem, convocando todxs que lutam por uma sociedade realmente democrática a assiná-la e compartilhá-la, em repúdio à criminalização de movimentos sociais e a qualquer forma de perseguição criminal fundada em motivos ideológicos.

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