Lula vence e faz apelo por unidade em primeiro pronunciamento

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito neste domingo (29) com cerca de 58,3 milhões de votos, alcançando 60,7% dos sufrágios válidos. Em 2002, o percentual chegou a 61,27%. Alckmin, que totalizou a 41,64% no primeiro turno, caiu agora para 39,21%.

Com a confirmação, por volta das 19:30 h, do resultado esperado – já que a reeleição foi apontada por todas as pesquisas de intenção de voto -, no início da noite o presidente reeleito recebeu a imprensa para um pronunciamento no Hotel Intercontinental, em São Paulo.

Com pouco mais de meia hora de atraso – estava esperando o telefonema de congratulação do adversário tucano Geraldo Alckmin, que foi feito às 20:22 h -, Lula aproveitou sua primeira fala para mandar alguns recados.

Após agradecer a confiança de seus eleitores, de reforçar que a vitória foi mérito do povo incluído num patamar superior de cidadania e de afirmar que “o Brasil está vivendo um momento mágico de consolidação da democracia”, Lula voltou a tocar no tema da estabilização da economia. A vida do povo melhorou, há mais emprego e mais comida na mesa, mas o alvo agora será o crescimento rumo a um “padrão de desenvolvimento que coloca o Brasil no patamar dos países desenvolvidos. Cansamos de ser emergentes”, afirmou.

Sobre o tema, mais adiante Lula colocou os pontos nos Is: “Nós manteremos uma política fiscal dura. Porque aprendi, não nas faculdades de economia como os meus companheiros, eu aprendi na vida cotidiana que a gente não pode gastar mais do que ganha, porque senão um dia a gente vai se endividar de tal ordem que não vai conseguir pagar a dívida que contraiu”.

Segundo o presidente, porém, esta “dureza” não deverá interferir nas políticas sociais de distribuição de renda, seguindo a lógica do “é preciso distribuir para poder crescer” e do giro da economia com o aumento do poder aquisitivo da população como instrumento de crescimento.

Logo em seguida, Lula disparou outro recado, ao mesmo tempo para o setor produtivo e para a sua base histórica: “Aos meus companheiros sindicalistas, quero dizer: reivindiquem tudo o que vocês precisarem reivindicar. Nós daremos apenas aquilo que a responsabilidade permita que a gente dê”. Mas em seguida, no estilo bater e soprar, afirmou que a relação do presidente com todos os segmentos da sociedade civil é um fator essencial, “consolidando a democracia, o papel do estado e sobretudo o papel de participação da sociedade. Isso nós fizemos com muita competência e vamos continuar fazendo, afinal de contas o Brasil não é meu, Brasil é de todos. Por isso estou com esta frase na minha camiseta para vocês lerem”, afirmou, abrindo a jaqueta e mostrando os dizeres " A vitória é do Brasil".

Justiça social e alianças

Lula também retomou neste domingo o discurso da unidade e das responsabilidades compartilhadas que marcaram sua candidatura em 2002. E novamente deu o seu recado, desta vez para os governadores. “Acho que os governadores eleitos têm a compreensão de que o crescimento do Brasil tem que beneficiar o crescimento dos estados. Continuaremos a governar o Brasil para todos, mas continuaremos a dar atenção aos mais necessitados. Os pobres terão preferência no nosso governo. As regiões mais empobrecidas terão no nosso governo uma atenção ainda maior, porque nós queremos tornar o Brasil mais equânime e mais justo, do ponto de vista geopolítico, econômico e social”.

Já para os adversários políticos, o presidente ofereceu uma trégua e propôs um pacto de conciliação. “Ao receber o telefonema do meu adversário, o candidato Geraldo Alckmin, eu saio com a convicção de que o Brasil não pode temer o fortalecimento de sua democracia. A eleição acabou, agora não tem mais adversário. O adversário agora são as injustiças sociais que precisamos combater. Agora é todo mundo se juntar para fazer o Brasil crescer (…). Não tenho dúvida que poderemos contar com a compreensão dos partidos que fizeram oposição a nós. Quero conversar com todos, sem distinção. Não haverá partido neste país que eu não chame para conversar e dizer que agora o problema do Brasil é de todos nós. Eu tenho a presidência, mas todos os brasileiros têm a responsabilidade de dar a sua contribuição para que o Brasil não perca mais uma possibilidade”.

Também em relação ao Congresso Nacional, Lula prometeu mais empenho pessoal. “Pretendo até dezembro conversar com todas as forças políticas que compões o Congresso e com todas as forças sociais, dos sem-teto ao movimento sindical, dos sem-terra às cooperativas. Aprendemos lições importantes neste primeiro mandato na relação com o Congresso Nacional. Nós vamos ter a mesma coordenação política, mas eu posso dizer que irei pessoalmente interferir mais nas negociações”.

Futuro governo

Depois de seu pronunciamento, Lula, que durante seu primeiro mandato ficou conhecido como avesso a conversas com os jornalistas, brincou com a imprensa que isto iria mudar, e abriu espaço para algumas perguntas. Aproveitando a oportunidade, uma moça, que estava sentada entre os jornalistas mas não era repórter, tentou interpelar o presidente sobre questões como combate à fome e à injustiça social, mas acabou vaiada pela imprensa e interpelada pela assessoria do ato para que não atrapalhasse a coletiva.

Questionado por jornalistas sobre a renovação na composição do governo, Lula afirmou não querer comentar ainda a composição do próximo ministério, mas reafirmou a importância das pastas sociais criadas por ele em 2003, como a secretaria especial de políticas para as mulheres e a secretaria da igualdade racial, criticadas pela oposição como inchaço da máquina. “Esta estrutura deu tão certo que ganhamos as eleições”, alfinetou.

Também sobre a política externa do próximo mandato, Lula voltou a reafirmar seu compromisso com o Mercosul e com a integração da região. Já durante o pronunciamento, comemorou a consolidação da política internacional, “onde não temos adversários, mas construímos um leque de amizades”, fazendo com que o país transitasse “com leveza em todos os continentes, porque nós aprendemos a respeitar, e somos respeitados”.

Respondendo à pergunta de um repórter argentino, porém, desqualificou o antigo discurso pró-Alca em detrimento do Mercosul, e reafirmou seus esforços para a integração da América Latina e para a construção de relações de confiança entre os os membros do bloco. Também falou da responsabilidade dos países mais estruturados, como Brasil e Argentina, no processo de desenvolvimento dos países mais pobres, e terminou reafirmando a política brasileira em relação à Bolívia.

“Havia uma descrença em relação à Bolívia de alguns setores reacionários, que achavam que eu deveria ser duro com a Bolívia. Onrtem foi feito um acordo que meu ministro das minas e energia achou extraordinário. Então, para que uma briga se eu posso ter uma boa conversa. Eu nasci na política fazendo acordo e é assim que a gente está se dando bem com a Argentina, com o Uruguai, com o Paraguai, com a Venezuela e com todos os outros países”.

Por fim, o presidente prometeu mais agilidade na implementação de leis e projetos que chegarem ao executivo para homologação. Sobre a morosidade do processo de aprovação de questões estratégicas, argumentou que “nem sempre as decisões do presidente acontecem, porque tem nuances jurídicas, tributárias, etc”. E deu o seu último recado da noite: “discuta-se tudo antes de chegar na minha mesa. Chegou na minha mesa, aprovou, é para começar a funcionar”.

PT

Passadas as emoções da campanha e da reeleição, o partido do presidente deverá se voltar agora para a arrumação da própria casa. Desde que deixou a coordenação da campanha de Lula, o presidente eleito do PT, Ricardo Berzoini, também pediu afastamento desta função, que foi assumida por Marco Aurélio Garcia.

Questionado sobre os rumos da direção do partido, Garcia afirmou que ficará à frente do PT até que se complete o processo de transição. “Esse mês vamos ter uma reunião do diretório nacional para fixar uma dinâmica de convocação do Congresso [Nacional do PT]. O presidente [do partido Ricardo] Berzoini terá que dizer se vai querer permanecer na presidência ou não, mas isso tem tempo. A nossa preocupação até hoje era ajudar a eleger o presidente Lula. Isto está resolvido. Agora vamos ver o resto”, afirmou neste domingo.

Também Lula falou de seu partido no palanque da festa realizada à noite na Avenida Paulista. E foi categórico. “Não temos o direito de cometer erros daqui para frente. Quando falamos do PT, não é da direção do partido que falamos, mas de milhões de homens e mulheres, de catadores de papel de São Paulo e sem teto do Rio de Janeiro a professores e funcionários públicos. O PT é muito mais que um partido. É uma instituição da política do país e por isso precisa ser preservado. Tenho consciência do que significa um segundo mandato”.

Fonte: Verena Glass – Agência Carta Maior