Conselho Universitário aprovou política de cotas na UFRGS na sexta-feira, dia 29

Depois de seis horas de intensas discussões, o Conselho Universitário (Consun) aprovou a adoção do Programa de Ações Afirmativas da Ufrgs, prevendo a reserva de 30% das vagas em todos os cursos de graduação para alunos autodeclarados negros e egressos de escolas públicas. Diversos movimentos sociais ficaram em vigília desde às 8 horas da manhã em defesa das cotas.

Na coletiva de imprensa, realizada ao final da reunião, o reitor José Carlos Hennemann disse que a decisão fortaleceu o Consun e a comunidade universitária e que o próximo vestibular da Ufrgs deverá ser mais estimulante para os estudantes afro-descendentes e egressos de escolas públicas. O programa será aplicado no Vestibular 2008.

O prazo para avaliar o andamento desta ação afirmativa será de cinco anos. Além disso, a proposta reserva 10 vagas para os povos indígenas, mas se não forem ocupadas serão extintas.

O debate da proposta foi retomado no final da manhã desta sexta-feira (29), depois de ter sido interrompido pela concessão de liminar da Justiça Federal que entendeu que não foi cumprido o prazo regimental de cinco dias para apreciar a proposta. O argumento foi defendido pela aluna e conselheira Claudia Thompson, representante dos alunos da pós-graduação.

Contrariados com a medida, os universitários favoráveis à adoção de cotas acamparam na reitoria, onde passaram a noite em vigília. Nesta manhã, enquanto os conselheiros aguardavam o início da reunião, o reitor da universidade, José Carlos Ferraz Hennemann e o procurador da instituição, Armando Pitrez recorreram à justiça obtendo a suspensão da liminar.

O novo projeto

-Reserva de 30% das vagas de cada curso de graduação ou técnico para estudantes egressos de escolas públicas
Metade dessa reserva será destinada àqueles que, além de terem estudado em escola pública, declararem-se negros.

-Cotas valerão a partir do próximo vestibular, por cinco anos.

-Em 2013, o projeto poderá ser revisto.

Exemplo

Curso de Medicina: Total de vagas 140
98 vagas para os melhores classificados, independentemente de terem se declarado cotistas ou não 42 vagas reservadas para cotistas, sendo:
21 para egressos de escolas públicas.
21 para egressos de escolas públicas que se autodeclararem negros.

Como é o procedimento

Para preencher as vagas, a Ufrgs pré-classifica candidatos que acertaram pelo menos 30% do total de questões e não zeraram nenhuma das provas.

Desses, no caso da Medicina, são corrigidas 560 redações (quatro candidatos para cada vaga, conforme regra da universidade).As primeiras 98 vagas serão preenchidas pelos primeiros 98 colocados, não importa se concorreram como candidatos a cotas ou não.

As vagas restantes serão ocupadas pelos cotistas de escolas públicas – metade delas pelos que se declararem negros. Mesmo que haja candidatos com direito às cotas entre os 98 melhores posicionados, as 42 vagas restantes serão reservadas a outros cotistas.

Caso não haja cotistas suficientes entre as 560 redações corrigidas, as vagas serão oferecidas para a classificação geral.

Inscrição e matrícula:

No momento da inscrição pela Internet, os alunos cotistas deverão assinalar que estudaram em escola pública e/ou são negros. Os aprovados assinam a autodeclaração na hora da matrícula, sem necessidade da presença de uma comissão inter-racial, e apresentam certificado de conclusão e histórico escolar.

Projeto anterior

Previa 10% de cotas para negros em 2008, 15% em 2009 e 20% a partir de 2010. Propunha também reserva, nas mesmas proporções, para egressos de escolas públicas. A primeira reavaliação ocorreria somente em 2018.

Indígenas comentam a aprovação das cotas na UFRGS

"Quando eu saí de casa eu vi um solzinho" disse Dorvalino Refej, professor bilíngüe kaingang – Na cidade de Porto Alegre vem chovendo a uma semana initerruptamente – "Que bom que veio o sol" alguém concordou. Eis que Dorvalino respondeu: "Mas este sol veio para todos. Foi na forma de um sol entre as chuvas que o kaingang definiu a vitória das vagas para seu povo.

"Os que são contra as cotas, são os mesmos que destróem a natureza, porque o deus deles é a tecnologia". Essa foi a fala de Vherá Poty, músico Mbyá Guarani sobre os juruá (brancos) que não queriam os indígenas na universidade, não queriam reconhecer suas formas específicas de ser, os saberes de sua tradição que há muito os brancos afirmam não mais existirem sem sequer conhecer, ou reconhecer que os indígenas e suas formas sempre estiveram lá, tão próximos e ao mesmo tempo isolados por barreiras de preconceito e incompreensão.

Para os povos indígenas do Sul do Brasil que por tantos anos sofreram com a rejeição, a escravidão e o genocídio, dos europeus imigrados que através de políticas de cotas tomaram seus territórios ancestrais durante o segundo reinado. Para os índios a reparação através de cotas nas universidades é uma luz pequena, mas já é luz, rompeu as nuvens e pelo menos esta ninguém poderá lhes negar.

Ao seu modo, os povos indígenas estarão na UFRGS!

Os números do racismo

Os dados são do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos do DIEESE e se referem aos números acumulados de 2005 e 2006: a taxa de desemprego entre os negros na Região Metropolitana de Porto Alegre é de 20,3%, e entre “não negros” é de 13,5%. A diferença também se manifesta entre a população com trabalho e renda: o rendimento mensal médio dos negros é de R$ 673, enquanto o dos “não negros” é de R$ 1.003,00. Lúcia Garcia, coordenadora das pesquisas de emprego e desemprego do DIEESE, avalia, didaticamente: “Os negros sofrem com a discriminação. Existe uma desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho com relação ao quesito racial”. Outro dado da pesquisa: somente 4,5% da população negra acima de 10 anos chega à universidade; entre os não negros, o percentual sobe para 15%.

E ainda há quem ache que o racismo no Brasil é um mito. Quem acha isso diz que esses números são fruto de desigualdades históricas. De fato são. Mas a pergunta é: se são históricas, estão aí há muito tempo. Por que os “não-negros” não fazem nada para mudar esse quadro e se manifestam contrariamente quando os negros reivindicam reparações sociais históricas?

Com informações do site da Ufrgs, do Blog Cotas Já! e do Clic RBS