Dia das Crianças: nada a pensar, só consumir

Às vésperas do Dia das Crianças, 12 de outubro, a publicidade e, conseqüentemente, o consumo aumentam. Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, nem sempre a data foi uma simples ocasião para presentear filhos, sobrinhos ou netos.

O decreto lei nº 4.867, de 5 de novembro de 1924, apresentado pelo deputado federal, Galdino do Valle Filho, e sancionado pelo presidente Arthur Bernardes, estabeleceu o 12 de outubro como um dia para se homenagear a criança brasileira e suscitar medidas de proteção que visavam a saúde, a educação, a cultura e o lazer.

Porém, na década de 1960, esse intuito original foi quebrado. Houve uma espécie de privatização do Dia das Crianças patrocinado pela fabricante de brinquedos, Estrela, em parceria com a empresa Johnson & Johnson. Era criada a “Semana do Bebê Robusto”.

Segundo a coordenadora de Educação e Pesquisa do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, Lais Fontenelle Pereira, a partir dessa ação conjunta, ocorreu um convite ao consumismo precoce, pois, “as crianças passaram desde cedo a serem incitadas a participar da lógica de mercado”.

Pereira, que é mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), acrescenta que, nessa época, a publicidade foi estimulada com toda a força. “Quando vemos que, em 2007, o valor gasto no Brasil em publicidade dirigida ao público infantil foi de, aproximadamente, R$ 210 milhões (Ibope) e que o valor do investimento no Programa Federal de Desenvolvimento da Educação Infantil (FNDE) foi de R$ 28 milhões, ficamos pasmos”, comenta.

Mas, não é só no Brasil que a publicidade visa esse público. No 2º Fórum Internacional Criança e Consumo, realizado entre os dias 23 e 25 de setembro em São Paulo (SP), a psicóloga e ativista estadunidense Susan Linn apresentou um dado apontando que os investimentos em marketing e publicidade voltada as crianças aumentou 170 vezes, nos últimos 30 anos, nos EUA. Na Inglaterra, o público preferencial da publicidade são crianças de apenas três anos.

A educação na publicidade

Para Pereira, hoje em dia, a publicidade participa da formação de nossas crianças tanto quanto a escola. “O que é mais importante, esses objetos que prometem a felicidade ou a educação?”, questiona.

Ela observa que os pais foram desautorizados do papel de educar, do saber da criança, papel que os meios de comunicação passaram a desempenhar. Mas, logicamente, de acordo com Pereira, com outros propósitos. “A mídia se ocupou do papel de transmitir os caminhos da infância, porém, o mercado – mídia ou anunciantes – assumiu isso pensando no lucro imediato, e não nas crianças ou no futuro da nação”, diz.

Isso ganha em importância quando se verifica que as crianças são totalmente vulneráveis às peças publicitárias veiculadas na televisão, principalmente, considerando que as brasileiras passam em média, segundo dados do Ibope de 2005, cinco horas por dia em frente à TV.

Pereira, além disso, enfatiza que esse fato afasta as crianças das brincadeiras , principalmente de aquelas cunho educativo e cultural. “A infância não pode ser aprisionada pela falsa felicidade que a sociedade de consumo nos vende. Criança precisa de olhar, de palavras e de escuta, precisa ter infância para ser criança”, conclui.

As conseqüências do consumismo

Lais Fontenelle Pereira acredita que as conseqüências do modelo de vida propagandeado para as crianças são: “conflito familiar, obesidade infantil, erotização precoce, dependência de tabaco e álcool, individualismo, predominância de valores materialistas e estresse familiar”.

De acordo com ela, a comunicação mercadológica perpetua nas crianças a cultura do “ter para ser”. “A publicidade diz a crianças e adolescentes que eles serão mais felizes se possuírem ou usarem determinado produto ou serviço”, identifica.

A criança passa também a participar da decisão de compra da família, não só na de um chocolate, ou um biscoito, mas do carro também. “Hoje, qualquer produto pode ter uma estratégia de divulgação que envolva o público infantil. Quantas histórias não ouvimos por aí de filhos pequenos que se sentem envergonhados com o carro dos pais ou por não terem um tênis de marca? O problema do consumismo é muito grave porque extrapola a questão familiar e gera problemas em outras esferas sociais”, observa.

Pereira complementa: “Nesse Dia das Crianças, troquemos o shopping pelo parque. Façamos brinquedos, em vez de comprá-los prontos. Troquemos as guloseimas pelo bolo feito no calor da cozinha”.

Fonte: Márcio Zonta/Brasil de Fato