2º Seminário de Políticas Sociais e Anti-Racismo da Assufrgs foi um sucesso

Debates qualificados marcaram o 2º Seminário do GT de Políticas Sociais e Anti-Racismo da Assufrgs, nos dias 6 e 7 de novembro, na Sala Fahrion.


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A abertura foi coordenada pela representante do GT
de Políticas Sociais Anti-Racismo da Assufrgs, Nara Costa, e contou com a saudação da coordenadora geral da Assufrgs, Bernadete Menezes, das coordenadoras de Educação Política e Sindical, Maria de Lourdes Oliveira Ambrosio e Joana de Oliveira, o presidente do DCE/Ufrgs, Rodolfo Mohr, da vice-pró-reitora de Gestão de Pessoas, Vânia Cristina Pereira, do assessor do deputado estadual Raul Carrion, Edson Borges e da colega da Ufrgs e representante da ONG Maria Mulher, Maria Conceição Fontoura.

O surgimento do GT e toda a sua luta pela implementação de políticas afirmativas na Universidade foram destacados nas manifestações dos integrantes da mesa, assim como a eleição do primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama.

O ato de abertura foi finalizado com um recital de poemas com Paulo Neves. Ele declamou dois poemas que tratam da questão racial, Regresso ao Covil, de Fernanda de Castro, e Do escuro, de Oliveira Silveira, emocionando a todos.

Discriminação e Preconceito

“O Rio Grande do Sul é o estado mais racista do país”. Com esta afirmação o representante da UNEGRO José Antônio dos Santos da Silva iniciou sua fala na manhã do dia 7, denunciando uma tentativa de golpe do governo do estado para desconstituir uma instância do movimento negro, o Codene (Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra). Segundo ele, estava sendo realizada uma reunião naquele momento para convocar uma eleição com várias irregularidades, com a conivência de ex-militantes do movimento negro. “Ainda no século 21 encontramos pessoas que trabalham contra a nossa luta”, destacou José Antônio que se retirou logo após para tentar reverter a situação na reunião do Conselho.

O dirigente sindical Luiz Mendes, do Sindjus e da CECDR/CUT, chamou a atenção para que os debates sobre as questões raciais não se dêem somente no mês de novembro. “Esse tema deve ser discutido nos 365 dias do ano”. Segundo Luiz, é importante perceber que nada é por acaso na disputa de visão na sociedade e deu como exemplo a exibição da mini-série só com negros, Ò Pai Ò, da Rede Globo, justamente em novembro. “Precisamos fazer análises e críticas nos nossos sindicatos e na academia. Na Ufrgs, por mais que tenha aprovado as cotas, nós ainda não conseguimos colocar a discussão da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira. A Assufrgs deve cobrar isso da Universidade”, salientou. Também destacou que além de cotas para o ingresso dos estudantes, o movimento defende cotas para a contratação de professores. Segundo ele, a Ufrgs é a Universidade que tem o menor número de professores negros.

Luiz lamentou o que está acontecendo no Codene e disse que a CECDR vai fazer uma moção contra esse golpe. “Achei que não ía ver mais esse tipo de atitude, irmãos negros fazendo o papel de capitão do mato”. Para finalizar, Luiz convidou para as atividades organizadas para comemorar o 20 de Novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. Além da 2ª Marcha Estadual contra o Racismo no dia 20, como concentração às 14h no largo Glênio Peres, haverá um Seminário Estadual para dirigentes sindicais de formação étnica no dia 22, no Auditório do Cpers, e o II Fórum da Diversidade Étnico-Racial do RS, dias 28 e 29, na PUC.

Luta para desmontar o preconceito contra os negros é diária

Maria Conceição Fontoura, última palestrante da manhã e fundadora do GT da Assufrgs, iniciou sua fala com um poema de Bertolt Brecht:

"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."

“Olhando o ontem, podemos dizer hoje que somos heróis. Somos os trabalhadores por excelência desse país”, destacou Conceição. Segundo ela, a tarefa de desmontar o preconceito contra os negros é diária, pois se há um povo que quer construir um mundo novo, uma sociedade que acolha a todas as pessoas, esse é o povo negro do Brasil e do mundo. E deu como exemplo os Quilombos, espaços de liberdade num período em que não havia liberdade. “Os Quilombos acolhiam a todos, menos os traíras. E assim são nossas famílias, circulares. Recebem quem é do sangue e quem não é. Nossa história é de socialismo na prática. Nós socializamos o que temos”, ressaltou.

Cotas – Quanto às cotas na Ufrgs, Conceição afirmou que elas foram aprovadas pela pressão do movimento social. Segundo ela, é preciso continuar lutando pela construção de uma sociedade que deve ser como a brincadeira de gangorra, ou seja, equilibrada. “Temos que jogar fora pré-conceitos que a gente assume. O que queremos é eliminar essa doença cruel que é o racismo. Nossa sociedade está adoentada por esse mal. Não adianta dormir que a dor não passa. E nosso sindicato e federação têm que intervir nesse processo com força”.

Para finalizar, Conceição fez um desafio: três pessoas estavam numa ilha, uma mulher negra, um jovem branco e um homem branco. E havia três objetos: um giz, um laptop e uma vassoura. O que você daria pra quem? “Se estamos falando de pré-conceito…”

Cotas e Estatuto da Igualdade Racial

Ainda pela manhã foram debatidos os Projetos de Lei 73/1999 (cotas) e 3.198/2000, do Estatuto da Igualdade Racial. O advogado do MNU (Movimento Negro Unificado) Onir Araújo iniciou informando que o PL 73/99 está parado no Plenário da Câmara dos Deputados desde maio/2007. “Este projeto de lei e o 3.198 refletem uma demanda histórica do povo negro, mas as resistências são grandes. A prática é constante de ações jurídicas contra as apolíticas afirmativas.” Mas por que a sociedade reage desta forma?, questionou Onir. Para ele, é um desafio para o movimento negro fazer esse diálogo e ter uma interlocução maior para a aprovação dos projetos legislativos.

O assessor do gabinete do senador Paulo Paim, Thiago Thobias alertou que quanto mais tempo passa mais o projeto corre o risco de ser jogado na lata do lixo. “O projeto para cotas para deficientes já foi aprovado no Senado e está na Câmara. Mas tudo fica mais difícil quando a questão é racial. É preciso ter uma estratégia de maior pressão”, destacou. Segundo ele, o projeto de Estatuto que está na Câmara para ser votado é da primeira versão apresentada em 2000 pelo Paim. Se aprovado vai demandar muito trabalho para implementá-lo. Precisará muita mobilização para não virar uma letra morta. Uma forma de pressão sugerida por Thiago foi o envio de um e-mail por semana para os deputados e os senadores para pedir a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. “Este será um investimento efetivo no Brasil para negros e brancos. Uma esperança de distribuição de riqueza”, concluiu.

O secretário do SAE/Ufrgs, Edílson Nabarro, também fundador do GT, acredita que no Brasil tem preconceito, racismo e discriminação racial. “O que se faz com o destino dos ex-escravos? O debate cultural sobre o racismo é secundarizado. É preciso inaugurar o debate econômico e acho que esse é o desconforto no debate de cotas”, salientou. Para Edílson a política de cotas é distribuição de renda. Ele fez um exercício de quanto custa as cotas na Ufrgs e quem ganha e quem perde. Se as 630 vagas forem preenchidas, seriam mais ou menos R$ 10 mil/ano por aluno. Em 5 anos, levando em conta a renda familiar, seriam R$ 30 milhões que não sairiam das famílias pobres para o ensino privado. “Formação e educação custam dinheiro. O rancor e o ódio da classe média/alta é econômico. Além de reações no plano político e jurídico, tem as reações ideológicas. As cotas são uma medida compensatória. O estado promoveu a desigualdade, ele deve reparar isso”, reforçou. Segundo ele, daqui a 5 anos as cotas serão novamente discutidas no Consun e vaio depender do nível de mobilização do movimento para garantir avanços e não retrocessos.

Anemia falciforme

A bioquímica do Grupo Hospitalar Conceição Mara Lane Zardin trataou do tema Anemia falciforme, uma mutação genética, observada majoritariamente no continente africano e nos territórios circundantes ao Mar Mediterrâneo. A anemia falciforme é hereditária e constitui a doença genética de maior prevalência na população negra em todo o mundo. Segundo Mara, em cada 5 crianças nascidas com anemia falciforme no Brasil, duas não alcançam os cinco anos de idade. “Geralmente é durante a segunda metade do primeiro ano de vida de uma criança que aparecem os primeiros sintomas da doença”.

Crise de dor é o sintoma mais freqüente da doença falciforme, causada pela obstrução de pequenos vasos pelos glóbulos vermelhos em foice. A dor pode se localizar nos ossos ou nas articulações, no tórax, no abdômen, podendo atingir qualquer local do corpo. Além das dificuldades decorrentes da doença, os pacientes falcêmicos sofrem os estereótipos que atingem os negros. “Daí o importante papel a ser desempenhado pelos profissionais de saúde, conhecedores das possíveis limitações físicas e dificuldades emocionais dos seus pacientes para evitar, entre outros problemas, seu auto-isolamento”, salientou.

Mara destacou que apesar do avanço inegável da instituição da saúde como direito de todos(as) e dever do Estado, inscrito no art. 196 da Constituição Federal, que garante o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, não tem assegurado o mesmo nível, qualidade de atenção e perfil de saúde quando se considera o recorte racial, em detrimento da população negra.

Clique aqui para ver a apresentação feita por Mara Lane (power point).

O papel dos GTs de Políticas Sociais

A ex-coordenadora da Fasubra e técnica-administrativa da USP Jupiara Castro fez uma retrospectiva da trajetória dos TAS negros nas Universidades desde a década de 1980. Mas antes de iniciar sua exposição, pediu licença aos seus ancestrais, proteção dos orixás e ficou de pés descalços para entrar em contato com a terra, de onde tira sua força e energia. Por fim, saudou Zumbi dos Palmares e Dandara, heróis do povo negro.

Segundo Jupiara, em 1990 iniciou o debate na direção da Fasubra sobre a importância de se trabalhar a questão racial nos sindicatos com um recorte de classe. “Era só olhar qual a cara da nossa categoria nas marchas para ver que a maioria é negra, mas nos acusaram na época de querer dividir a categoria”, lembrou. Logo após, a CUT chamou a primeira reunião nacional para constituir o CECDR, mas o debate ficou secundarizado pelo loteamento de cargos pelas correntes políticas.

Apesar de todas as dificuldades, Jupiara reconhece que a CUT foi um espaço privilegiado onde se iniciou o debate. E a Fasubra foi a primeira entidade nacional que introduziu a questão negra com corte de classe. “Passamos a nos incluir em todos os GTs e a contribuir com a nossa marca”. Mas somente após o Congresso de 1995, onde ocorreu a discussão de uma chapa negra para a direção, começou a se discutir seriamente a participação dos negros e a sua organização. “Logo após, foi chamada a primeira reunião do GT da Fasubra, quando apareceram os negros do Sul, entre eles, a Conceição da Ufrgs. Foram levadas experiências diferentes das do eixo Rio/SP/Salvador que eu conhecia. Conseguimos construir um projeto para discutir a africanidade brasileira”.

Para Jupiara, a construção dos GTs nos sindicatos é fundamental. Eles devem formular, debater e propor políticas para à direção e a base da categoria. E, o mais importante, não ter vergonha de defender um projeto seja na academia ou na sociedade. “As políticas afirmativas estão num projeto maior que é o Reparação Já! Nunca reconheceram o saber africano que difundimos e construímos. Nós estamos qualificados para fazer essa disputa”, finalizou Jupiara.

Por Katia Marko, Engenho Comunicação e Arte