Hospital de Clínicas 100% SUS, artigo de Lucio Barcelos

O que causa maior espanto no debate sobre a disponibilização de leitos ou outros tipos de procedimentos do Hospital de Clínicas a Planos ou Convênios privados é a existência do debate em si mesmo.

Pela simples e inquestionável razão de que a Constituição Federal é absolutamente clara a esse respeito: o Sistema Único de Saúde brasileiro é “público/estatal, universal e integral”. Portanto, todo e qualquer cidadão brasileiro, do mais humilde trabalhador ao mais endinheirado empresário, tem o direito constitucional de acesso aos seus serviços, sem custo direto. E está vetada toda e qualquer hipótese de atendimento diferenciado para planos privados. Mesmo que sejam 0,01% de seus leitos. O que deveria estar sendo discutido, no meu entender, é o direito de o Sistema Público de Saúde ser ressarcido pelos planos privados quando os seus segurados são atendidos por qualquer um dos seus serviços. E até o momento, não vi aparecer essa questão no “debate” proposto. Creio que seria de bom tom colocá-lo em pauta.

Outra coisa é que, desde sua regulamentação nenhum governo ousou colocar em prática, isto é, priorizar a saúde como política de governo. Significa dizer que na vida real não existe um Sistema Único de Saúde, como esta previsto na Constituição Federal. O sistema de saúde existente no Brasil é majoritariamente privado, menos a chamada atenção básica, porque não é lucrativa. Quem perde com isso é a imensa maioria da população que depende exclusivamente da existência desse sistema público.

E, ao contrário daquilo que transparece no “debate”, não é o sistema privado que subsidia o sistema público de saúde. O sistema privado é altamente subsidiado pelo setor público. A rede de filantropia é duplamente beneficiada: por um lado ela é isenta de pagar tributos ao governo federal e, por outro lado, cobra pelos serviços prestados ao sistema. E a grande maioria das seguradoras de saúde no Brasil são máquinas de ganhar dinheiro, explorando a categoria médica, enganando seus segurados e em situações de maior custo transferindo-os para o sistema público.

Nesse sentido, não passa de uma falácia dizer que sem os 6% ou 7% de pacientes de planos privados o Hospital de Clínicas não seria o que é. Eu trocaria esses 6% pelo ressarcimento integral dos pacientes que são atendidos no Hospital e que são segurados desses planos. Alguém topa fazer essa conta?

Lucio Barcelos é médico sanitarista, ex-secretário de Saúde de Porto Alegre

Fonte: Jornal Zero Hora (19/2/09)