Ufrgs pede reintegração de posse da área da Vila Boa Esperança e famílias lutam contra despejo

Reportagem de Isabella Sander para o Jornal do Comércio. Confira na integra clicando aqui.

Foto: Taxista Cláudio Moreira (d) habita lote na ocupação com sua família, composta por mais 20 integrantes – FREDY VIEIRA/FREDY VIEIRA/JC 

No número 7.233 da avenida Bento Gonçalves, mais de 300 pessoas encontraram abrigo. São 96 famílias, com 110 crianças, 70 idosos e quatro cadeirantes, que habitam o espaço há 30, 40, até 50 anos. Pelas ladeiras que compõem a Vila Boa Esperança, parte asfaltadas e parte de chão batido, encontram-se indícios de uma ocupação iniciada há muitos anos, com diversas casas feitas de concreto, organizadas em vias e quarteirões. Existente desde os anos 1960, a Boa Esperança enfrenta, agora, pedido de reintegração de posse feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), proprietária da área desde 1984.

Morador há 16 anos no local, o zelador e presidente da Associação de Moradores da Vila Boa Esperança, Paulo Cléo Fagundes dos Santos (conhecido como Cléo), de 58 anos, criou filhos e netos na Boa Esperança. Com empréstimo bancário, construiu uma casa elogiada por toda a vizinhança como a mais bela da comunidade. O débito pelas melhorias será quitado em 2021, mas, até lá, sua casa pode nem existir mais. "Nunca tinham dito que deveríamos sair daqui", lamenta.

A Ufrgs afirma que tudo começou em 2009, quando o Ministério Público Federal (MPF) demandou informações sobre eventuais ocupações irregulares nas dependências da universidade. A partir disso, a instituição identificou e mapeou suas áreas e iniciou o processo de reintegração de posse. Não há, contudo, previsão para construção de nada na área caso a instituição ganhe a ação, pois o terreno teria grandes riscos de desmoronamento, em virtude de instabilidade geológica, e pertenceria a uma Área de Proteção Permanente (APP).

O perigo de desmoronamento, segundo a Ufrgs, existe desde o alargamento da Bento Gonçalves, quando foi feito um corte no Morro da Companhia, onde a vila se encontra, sem que fossem tomadas providências para sua recuperação. O MPF inqueriu a universidade e a prefeitura de Porto Alegre a solucionarem a questão e ficou estabelecido que a instituição de ensino faria o projeto, já concluído, e o município se encarregaria de executar a construção do talude, o que ainda não aconteceu. Como a Ufrgs é a proprietária do terreno, é a principal responsável pelo espaço.

No dia 7 de abril, a Defensoria Pública da União (DPU) protocolou na Justiça Federal um pedido de concessão de uso do terreno para fins de moradia, juntamente com uma solicitação de suspensão do processo de reintegração de posse pelo prazo de um ano. O órgão público já vinha acompanhando o caso através da defensora regional de Direitos Humanos, Ana Luisa Zago de Moraes, que verificou a situação de vulnerabilidade social vivida por muitos integrantes da comunidade, os quais não têm condição de adquirir uma nova moradia, caso sofram despejo. 

DPU diz que universidade não tem prova de que comunidade fica em Área de Proteção Permanente 

A Defensoria Pública da União alega, ainda, que a Ufrgs não apresentou nenhuma prova de que o Morro da Companhia fica, de fato, em uma área de preservação. A defensoria verificou, pelo contrário, que o Plano Diretor de Porto Alegre aponta que a comunidade está em área de ocupação intensiva, sobre a qual não cabe notificação para desocupação, e que a universidade tem responsabilidade sobre o loteamento da área e regularização das construções. O estudo que apontou risco de desmoronamento também não seria, de acordo com a defensora Ana Luisa, referente à localização do morro em que a comunidade se encontra.

A audiência de conciliação agendada para o dia 16 de março não resultou em acordo entre as partes, sendo redesignada para 4 de abril, quando a Ufrgs também sinalizou negativamente quanto à proposta de acordo.

O reitor da instituição, Rui Vicente Oppermann, em resposta a ofício enviado pela DPU, informou que a questão somente deveria ser tratada em juízo, indeferindo o pedido de audiência com a comunidade. "Fizemos um abaixo-assinado com 500 assinaturas pedindo um encontro com o reitor e ele recusou", critica Cléo.

Até mesmo dentro da universidade há discordância em relação ao despejo. Carta publicada em 21 de abril e assinada por diferentes projetos de extensão, centros e diretórios acadêmicos, mídias independentes e movimentos sociais ligados à instituição de ensino expressa solidariedade aos moradores da Boa Esperança. "Acreditamos que uma medida assim, tomada de maneira arbitrária e intransigente pela reitoria – sem qualquer diálogo com a comunidade – rompe o compromisso social da universidade com a garantia dos valores democráticos de igualdade, desenvolvimento social e inclusão", aponta o documento.

Segundo Cléo, a única vez em que representantes da Ufrgs apareceram na Vila Boa Esperança foi em 2015, quando instalaram gradis no local, alegando que serviriam para a ocupação não se espalhar e não gerar mais desmatamento do morro. "Há quem ache que a reintegração se deve à especulação imobiliária na região", relata.

Reportagem de Isabella Sander para o Jornal do Comércio. Confira na integra clicando aqui.