Artigo: Universidade Pública que buscamos no PDI da UFRGS

Por Rui Muniz e Márcia Tavares

Este artigo tem o objetivo de propor uma reflexão a partir da crítica construtiva, tendo por base o projeto “Por Uma Universidade Cidadã Para Os Trabalhadores”, construído pelos trabalhadores na FASUBRA, e o artigo de Marilena Chauí publicado na Folha de São Paulo em 09 de maio de 1999 – A Universidade Operacional. Este debate se mostra oportuno no momento em que a UFRGS vive a consolidação de seu Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI. Na audiência Pública do PDI, setembro de 2010, ficaram claras preocupações expansionistas, tecnológicas, empreendedoras, que deixaram de lado pressupostos básicos garantidores da universidade pública que defendemos. Questões de concepção como financiamento, democracia, estrutura acadêmica e relação de trabalho, que contornam e garantem a função social da universidade, acabaram por ser abordadas a partir de justificativas operacionais e financistas, tratando estas questões como questões administrativas, a serem definidas a partir de políticas meritocráticas de gestão e técnicas. Com relação à decisão final no processo de construção do PDI, Sílvio Corrêa em sua intervenção na Audiência Pública, alertou: não basta poder dizer o que quiser em um debate como este, se na hora de decisão somente alguns terão este direito e a maioria será excluída. A preocupação trazida tem no mínimo duas abordagens importantes e que demandam ações políticas fortes por parte da ASSUFRGS: a concepção de universidade que defendemos e as decisões do processo.

Tecnologia e os Trabalhadores

“A fábrica do futuro terá apenas dois empregados, um homem e um cachorro. O homem estará lá para alimentar o cachorro. O cachorro estará lá para evitar que o homem toque no equipamento.” – Warren Benis

Novas tecnologias têm interferido não só nos processos produtivos, mas também nas relações de trabalho e nas exigências competitivas impostas aos trabalhadores. A concepção destas novas tecnologias determinadas pelo sistema econômico, influenciada pelas relações de mercado, têm por pressupostos impositivos de competitividade e qualidade, com o fim de garantir o objetivo empresarial: lucro. Alteraram não só a estrutura da economia como também impuseram uma involução em conceitos e valores. As relações interpessoais, por consequência se tornaram individualistas e a necessidade de sobreviver ao sistema impôs uma concorrência selvagem entre os trabalhadores.

O que antes era um espaço onde os trabalhadores estavam capacitados para intervir, com a automação e a robotização a ocupação deste espaço se tornou cada vez mais competitiva, pela imposição da qualificação necessária, exigindo a preparação individual para ocupar um lugar na correia de produção e consumo. Como resultante deste individualismo forçado, cresce também uma grande parcela de trabalhadores que, não capacitados para serem absorvidos pelos meios de produção, são jogados à realidade do desemprego, de salários baixos ou de relações de trabalhado desfavoráveis, precarizadas. Além disto, criam-se em torno dos centros produtivos, concentrações de cidadãos em miserabilização crescente, buscando também a sobrevivência no sistema, marginalizados por sua condição sócio-econômica e de conhecimento.

A pobreza e a miséria, conseqüência desta política, se mostram à sociedade como uma agressão, como um mal que deve ser exterminado, preso e castigado. Desta forma, mais se verificam a exploração e a discriminação, os crimes, a individualidade e a repressão. A assistência, como elemento de coexistência pacífica entre riqueza e pobreza, propõe-se como compensadora das injustiças sociais. Nesta linha, programas de “inclusão”, “reabilitação” e “adestramento” são criados pela violenta falta de condições de vida de grande parte da população, de forma a manter pacífico o desequilíbrio na distribuição da riqueza do país.

O Estado

A Reforma do Estado brasileiro em curso deste os anos oitenta pretende modernizar e racionalizar as atividades estatais, redefinidas e distribuídas em setores, um dos quais é designado Setor dos Serviços Não-Exclusivos do Estado. Isto é, aqueles serviços que podem ser realizados por organizações privadas, na qualidade de prestadoras de serviços. No entanto, o Estado que deve prover tais serviços não os executa diretamente ou garante uma efetiva política reguladora dessa prestação. Nesses serviços estão incluídas a educação, a saúde, a cultura e as utilidades públicas, entendidas como “organizações sociais” prestadoras de serviços que celebram “contratos de gestão” com o Estado.

A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é portador de racionalidade sociopolítica sendo o agente principal do bem-estar da República. Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (saúde, educação, cultura…) no setor de serviços definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível – nas atividades ligadas à produção econômica –, mas também onde não é admissível – no campo dos direitos sociais conquistados. O resultado é a transferência das responsabilidades do Estado para garantir o lucro das organizações privadas de mercado.

As políticas econômicas de Estado, a dívida interna, a plena abertura para as importações, o descontrole de preços, a contenção da inflação, o equilíbrio fiscal e comercial, o desemprego, a queima das reservas sociais do dinheiro público e políticas de juros operam para manter atrativa a economia brasileira. Esta necessidade de aumentar a produção interna têm imposto ao Estado a assumir medidas assistencialistas, antipopulares, clientelistas e de entrega do patrimônio social.

No quotidiano os escândalos, as reformas intermináveis quanto ao papel do Estado e sua relação com a sociedade (saúde, educação, habitação, previdência, lazer, etc.); o judiciário sobrecarregado em ambiente de desconfianças e de disputas de interesses, retardando a reparação dos danos causados aos trabalhadores nos conflitos sociais.

As Universidades

Mesmo após a reforma na educação, acontecida no início do governo Lula, a posição da universidade no setor de prestação de serviços confere um sentido bastante determinado à ideia de autonomia e introduz termos como “qualidade universitária” “avaliação universitária” e “flexibilização da universidade”. Marilena Chauí faz, em seu texto, reflexão necessária sobre a universidade que temos no Brasil.

A autonomia universitária se reduz à gestão de receitas e despesas, de acordo com o contrato de gestão pelo qual o Estado estabelece metas e indicadores de desempenho, que determinam a renovação ou não renovação do contrato. A autonomia significa, portanto, gerenciamento empresarial da instituição e prevê que, para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo contrato de gestão, a universidade tem “autonomia” para “captar recursos” de outras fontes, fazendo parcerias com as empresas privadas. A “flexibilização” é o corolário da “autonomia”. Na linguagem de governantes, “flexibilizar” significa: 1) eliminar o regime único de trabalho, o concurso público e a dedicação exclusiva, substituindo-os por “contratos flexíveis”, isto é, temporários e precários; 2) simplificar os processos de compras (as licitações), a gestão financeira e a prestação de contas (sobretudo para proteção das chamadas “outras fontes de financiamento”, que não pretendem se ver publicamente expostas e controladas); 3) adaptar os currículos de graduação e pós-graduação às necessidades profissionais das diferentes regiões do país, isto é, às demandas das empresas locais (aliás, é sistemática nos textos da Reforma referentes aos serviços a identificação entre “social” e “empresarial”; 4) separar docência e pesquisa, deixando a primeira na universidade e deslocando a segunda para centros autônomos.

A “qualidade” é definida como competência e excelência, cujo critério é o “atendimento às necessidades de modernização da economia e desenvolvimento social”; e é medida pela produtividade, orientada por três critérios: quanto uma universidade produz, em quanto tempo produz e qual o custo do que produz. Em outras palavras, os critérios da produtividade são quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de gestão. Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade. Observa-se também que a docência não entra na medida da produtividade e, portanto, não faz parte da qualidade universitária, o que, aliás, justifica a prática dos “contratos flexíveis”. Ora, considerando-se que a proposta da Reforma separa a universidade e o centro de pesquisa, e considerando-se que a “produtividade” orienta o contrato de gestão, cabe indagar qual haverá de ser o critério dos contratos de gestão da universidade, uma vez que não há definição de critérios para “medir” a qualidade da docência.

O léxico da Reforma é inseparável da definição da universidade como “organização social” e de sua inserção no setor de serviços não-exclusivos do Estado. Ora, desde seu surgimento (no século 13 europeu), a universidade sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela. A legitimidade da universidade moderna fundou-se na conquista da idéia de autonomia do saber diante da religião e do Estado, portanto na idéia de um conhecimento guiado por sua própria lógica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissão.

Por isso mesmo, a universidade européia tornou-se inseparável das idéias de formação, reflexão, criação e crítica. Com as lutas sociais e políticas dos últimos séculos, com a conquista da educação e da cultura como direitos, a universidade tornou-se também uma instituição social inseparável da idéia de democracia e de democratização do saber: seja para realizar essa idéia, seja para opor-se a ela, a instituição universitária não pôde furtar-se à referência à democracia como idéia reguladora, nem pôde furtar-se a responder, afirmativa ou negativamente, ao ideal socialista.

Que significa, então, passar da condição de instituição social à de organização social?

Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática social, qual seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, é, para a oganização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que o onde existe.

A instituição social aspira à universalidade. A organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de sua particularidade. Isso significa que a instituição tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si como referência, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares. Em outras palavras, a instituição percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma universalidade (ou imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições impostas pela divisão. Ao contrário, a organização pretende gerir seu espaço e tempo particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos pólos da divisão social, e seu alvo não é responder às contradições, e sim vencer a competição com seus supostos iguais.

Como foi possível passar da idéia da universidade como instituição social à sua definição como organização prestadora de serviços?

A forma atual do capitalismo se caracteriza pela fragmentação de todas as esferas da vida social, partindo da fragmentação da produção, da dispersão espacial e temporal do trabalho, da destruição dos referenciais que balizavam a identidade de classe e as formas da luta de classes. A sociedade aparece como uma rede móvel, instável, efêmera de organizações particulares definidas por estratégias particulares e programas particulares, competindo entre si.

Sociedade e Natureza são reabsorvidas uma na outra e uma pela outra porque ambas deixaram de ser um princípio interno de estruturação e diferenciação das ações naturais e humanas para se tornarem, abstratamente, “meio ambiente”; e “meio ambiente” instável, fluido, permeado por um espaço e um tempo virtuais que nos afastam de qualquer densidade material; “meio ambiente” perigoso, ameaçador e ameaçado, que deve ser gerido, programado, planejado e controlado por estratégias de intervenção tecnológica e jogos de poder.

Por isso mesmo, a permanência de uma organização depende muito pouco de sua capacidade interna e muito mais de sua capacidade de adaptar-se celeremente a mudanças rápidas da superfície do “meio ambiente”. Donde o interesse pela idéia de flexibilidade, que indica a capacidade adaptativa a mudanças contínuas e inesperadas. A organização pertence à ordem biológica da plasticidade do comportamento adaptativo.

A passagem da universidade da condição de instituição à de organização insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma capital, e ocorreu em duas fases sucessivas, também acompanhando as sucessivas mudanças do capital. Numa primeira fase, tornou-se universidade funcional; na segunda, universidade operacional. A universidade funcional estava voltada para a formação rápida de profissionais requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho.

Adaptando-se às exigências do mercado, a universidade alterou seus currículos, programas e atividades para garantir a inserção profissional dos estudantes no mercado de trabalho, separando cada vez mais docência e pesquisa. Enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento e a universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho, a nova universalidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos.

Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microrganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual.

A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade das publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc. virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende, então, que esse operar co-opere para sua contínua desmoralização pública e degradação interna.

Que se entende por docência e pesquisa, na universidade operacional, produtiva e flexível?

A docência é entendida como transmissão rápida de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os estudantes, de preferência, ricos em ilustrações e com duplicatas em CDs. O recrutamento de professores é feito sem levar em consideração se dominam ou não o campo de conhecimentos de sua disciplina e as relações entre ela e outras afins – o professor é contratado ou por ser um pesquisador promissor que se dedica a algo muito especializado, ou porque, não tendo vocação para a pesquisa, aceita ser escorchado e arrochado por contratos de trabalho temporários e precários, ou melhor, “flexíveis”. A docência é pensada como habilitação rápida para graduados, que precisam entrar rapidamente num mercado de trabalho do qual serão expulsos em poucos anos, pois tornam-se, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis; ou como correia de transmissão entre pesquisadores e treino para novos pesquisadores. Transmissão e adestramento. Desapareceu, portanto, a marca essencial da docência: formação.

A desvalorização da docência teria significado a valorização excessiva da pesquisa? Ora, o que é a pesquisa na universidade operacional?

À fragmentação econômica, social e política, imposta pela nova forma do capitalismo, corresponde uma ideologia autonomeada pós-moderna. Essa nomenclatura pretende marcar a ruptura com as idéias clássica e ilustradas, que fizeram a modernidade. Para essa ideologia, a razão, a verdade e a história são mitos totalitários; o espaço e o tempo são sucessão efêmera e volátil de imagens velozes e a compressão dos lugares e instantes na irrealidade virtual, que apaga todo contato com o espaço-tempo enquanto estrutura do mundo; a subjetividade não é a reflexão, mas a intimidade narcísica, e a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e diverso do sujeito, e sim um conjunto de estratégias montadas sobre jogos de linguagem, que representam jogos de pensamento.

A história do saber aparece como troca periódica de jogos de linguagem e de pensamento, isto é, como invenção e abandono de “paradigmas”, sem que o conhecimento jamais toque a própria realidade. O que pode ser a pesquisa numa universidade operacional sob a ideologia pós-moderna? O que há de ser a pesquisa quando razão, verdade, história são tidas por mitos, espaço e tempo se tornaram a superfície achatada de sucessão de imagens, pensamento e linguagem se tornaram jogos, constructos contigentes cujo valor é apenas estratégico?

Numa organização, uma “pesquisa” é uma estratégia de intervenção e de controle de meios ou instrumentos para a consecução de um objetivo delimitado. Em outras palavras, uma “pesquisa” é um “survey” de problemas, dificuldades e obstáculos para a realização do objetivo, e um cálculo de meios para soluções parciais e locais para problemas e obstáculos locais. Pesquisa, ali, não é conhecimento de alguma coisa, mas posse de instrumentos para intervir e controlar alguma coisa. Por isso mesmo, numa organização não há tempo para a reflexão, a crítica, o exame de conhecimentos constituídos, sua mudança ou sua superação. Numa organização, a atividade cognitiva não tem como nem por que realizar-se.

Em contrapartida, no jogo estratégico da competição do mercado, a organização se mantém e se firma se for capaz de propor áreas de problemas, dificuldades, obstáculos sempre novos, o que é feito pela fragmentação de antigos problemas em novíssimos microproblemas, sobre os quais o controle parece ser cada vez maior. A fragmentação, condição de sobrevida da organização, torna-se real e propõe a especialização como estratégia principal e entende por “pesquisa” a delimitação estratégica de um campo de intervenção e controle. É evidente que a avaliação desse trabalho só pode ser feita em termos compreensíveis para uma organização, isto é, em termos de custo-benefício, pautada pela idéia de produtividade, que avalia em quanto tempo, com que custo e quanto foi produzido.

Em suma, se por pesquisa entendermos a investigação de algo que nos alcança na interrogação, que nos pede reflexão, crítica, enfrentamento com o instituído, descoberta, invenção e criação; se por pesquisa entendermos o trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito; se por pesquisa entendermos uma visão compreensiva de totalidades e sínteses abertas que suscitam a interrogação e a busca; se por pesquisa entendermos uma ação civilizatória contra a barbárie social e política, então, é evidente que não há pesquisa na universidade operacional.

Essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do novo, anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos seres humanos em condições materialmente determinadas.


O Projeto “Por uma Universidade Cidadã para os Trabalhadores”: Autonomia só com Democracia

O Projeto da FASUBRA – que construímos ao longo dos anos, tem consigo esta visão: a Universidade Pública deve existir como instrumento para que os Trabalhadores conquistem a emancipação cultural e política para torná-los capazes de assumir o poder do Estado, e aí sim teremos um Estado que buscará a Justiça Social sustentado na Igualdade de todos frente a este Estado. Um compromisso de classe, libertário e transformador é a base da Universidade Cidadã para os Trabalhadores.

A Autoaplicabilidade do Artigo 207 da Constituição Federal

“As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”

Quando defendemos a Universidade autônoma estamos, na verdade, defendendo a independência da instituição universitária frente aos poderes que se constituem com interesses de grupos, monopólios, oligopólios e de interferência na autodeterminação do povo brasileiro. O saber deve ser independente de políticas para que gerem um novo saber, do contrário serão a sustentação de sociedades devotas a interesses privados e ao deliberado cultivo da dependência.

Com isto, concebe-se Autonomia para a Universidade Pública como um meio, um instrumento para que se garanta os preceitos democráticos expressos na Constituição Federal e uma Universidade como elemento capaz de se constituir como um ente da sociedade preocupado com as suas questões mais elementares.

Entre os Princípios na Concepção de Universidade Pública que defendemos:
– Manutenção do Sistema Federal de Ensino Público Superior – de acordo com o Artigo 211 & 1º da Constituição Federal
– Gratuidade do Ensino Público com Democracia, Acesso e Qualidade Garantidos – de acordo ao Artigo 206 da Constituição Federal
– Personalidade Jurídica de Direito Público – manutenção da “Autarquia de Direito Público”
– Indissociabilidade do Ensino, Pesquisa e Extensão, com autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira – conforme Artigo 207 da Constituição Federal
– Financiamento Público com vinculação orçamentária – manutenção do Artigo 212 da Constituição Federal
– Plano de Carreira e Salário Únicos para todos os Trabalhadores das Universidades Federais, com Isonomia Salarial e Concurso Público – de acordo com proposta construída por nós na FASUBRA
– Garantia de manutenção dos Direitos de Aposentados e Pensionistas, com Salários vinculados ao Pessoal da Ativa


A UFRGS Pública

O Brasil, hoje, se insere no contexto da economia mundial como sendo capaz de modernizar a indústria, buscando encaixar-se nos conceitos de modernidade e competitividade, adaptando-se às exigências do mercado internacional, dos monopólios e oligopólios. Os últimos governos tem se esforçado para cumprir sua tarefa de promover as profundas transformações que garantam a diminuição da participação e interferência do Estado na atividade produtiva e no setor social. Nossas escolas e universidades, ao invés de servirem para solucionar nossos muitos e graves problemas sociais, estão sendo usadas para resolver os problemas financeiros de empresários, que têm garantidas a geração de novas tecnologias e a capacitação necessária da força de trabalho.

Nossas universidades desenvolvem conceitos de ponta e remédios, que não podem ser comprados pela maioria. Nossas universidades formam médicos e engenheiros, mas a população ainda morre nas filas de hospitais e afogada em enchentes e lixões. A educação tornou-se um bem privatizável, pois deixa de ter o papel social para assumir o de consumo e produção científica, seja por seus critérios de produtividade e qualidade, como por sua estrutura de funcionamento. A divisão, imposta pelo sistema econômico, entre saber e trabalho, riqueza e pobreza, tem nos distanciado da administração do Estado, dos assuntos políticos, da justiça, da ciência e do lazer. A falta de escolas e universidades voltadas aos nossos interesses cada vez mais nos desqualifica para lutar por salários justos e condições dignas de vida.

Projetos de educação para o Brasil devem extrapolar, em muito, o limite da democracia de representação nas instâncias de tomadas de decisões. A democratização representa a ampliação das oportunidades, a construção coletiva e a difusão dos conhecimentos. É necessária a elevação cultural e científica das camadas populares, envolvendo simultaneamente as aspirações imediatas (melhoria de vida) e a inserção dos trabalhadores num projeto coletivo de mudança da sociedade. Pensar em universidades tecnológicas é atender a demanda que privilegia grandes investimentos para desenvolvimentos empresariais, descomprometidos com as repercussões para os trabalhadores.

Para que a função social da UFRGS seja atendida, têm que garantir que seus processos sejam sustentáveis e sem agressões à vida, observando legislação e normas que resguardem a saúde, a segurança e o meio ambiente. A UFRGS necessita de políticas concebidas coletivamente, efetivas e declaradas para cuidar das pessoas, de seu patrimônio histórico, de seus prédios, das vias de acesso e de sua infraestrutura.

Financiamento, Democracia, Estrutura Acadêmica e Relação de Trabalho no PDI da UFRGS

“A burguesia tem um peculiar compromisso com a nação. E mais peculiar ainda com a democracia. Em todos os países, os seus representantes podem fazer discursos em favor das liberdades democráticas, direitos humanos, prerrogativas do cidadão. Inclusive afirmam-se como defensores da democracia quando se acham em viagem pelo exterior; ou mesmo em suas câmaras, associações, clubes e salões. Mas alegam que os movimentos populares ultrapassam os limites do razoável, deixam-se levar por demagogos e carismáticos, ameaçam a paz social, a harmonia entre o capital e o trabalho, põem em risco a ordem e o progresso, a segurança e o desenvolvimento, provocam a dissolução social, colocam a turba no cenário da nação.” Octavio Ianni – Classe e Nação / 1986

– Financiamento
Todos os recursos que ingressam nas Instituições Federais de Ensino – IFES, provenientes do Tesouro Nacional ou por relações institucionais, são públicos; portanto, devem ser geridos como tal. Assim, os recursos que ingressam têm que irem para a conta UFRGS, bem como os que saem. Não podemos ser contra as relações institucionais, mas não se pode se transformar conhecimento e capacidade em prestações de serviços, muitas vezes com papel de economia de mercado, submetido a suas regras e interesses, individuais ou não.

No entanto, sob a alegação da falta de agilidade e de incapacidade de gerenciamento associada à legislação que regula os recursos das IFES – Lei 8.666 (Lei das Licitações), as fundações foram criadas e incentivadas pelos gestores pela falta de disposição de construírem gestões sustentadas por planejamento e definições com visão e metas construídas e controladas pela comunidade.

– Democracia
A Questão da democracia não está relacionada exclusivamente ao voto direto ou de representação, mas à participação e a capacidade de todos de interferirem nas decisões. Com relação ao exercício do poder, nossa democracia deve garantir no mínimo quatro pressupostos básicos:
1. admitir as diferenças com respeito às legitimidades individual e institucional;
2. nossa visão de Processo de eleição para as IFES, em sustentação à Autonomia Universitária que defendemos, é de que este tenha começo e fim na Instituição;
3. todos têm direito a se manifestar;
4. todos temos o mesmo valor, enquanto seres humanos e cidadãos e, portanto, o voto deve ser universal.

Nossa posição é a de defesa intransigente de um processo democrático, capaz de garantir uma Universidade Democrática, para com isto ser capaz de ser Pública e Popular.

Em questões eleitorais na UFRGS, o que diferencia é apenas um número, que tem por base a idéia de acomodar e apaziguar os interesses e visões, mas que no fundo não se sustentam em princípios democráticos. A restrição existente em todas as propostas que vimos debatendo é a mesma: a questão de valor. Esta questão de valor diz respeito à diferença existente, e que desejam que seja mantida, entre as pessoas: há os que valem mais e os que valem menos. O quadro mostra quanto vale o voto individual em cada proposição para o processo (%):

Defender o Voto Universal é a única forma de ascensão ao poder, em qualquer instância do Estado. Não podemos aceitar que as pessoas por serem professores, profissionais de outras áreas ou estudantes valham diferentemente para um processo; não podemos admitir que na academia, no ambiente onde são discutidas e geradas ciência e tecnologia para toda a sociedade, haja segregação!

Se no Brasil operários e operárias, desempregados e desempregadas, professores e professoras, estudantes, servidores públicos, homens e mulheres, cidadãos e cidadãs, elegeram para Presidente da República um operário, metalúrgico sem curso superior, com um mesmo valor, por que na Universidade Pública, mantida pelos trabalhadores, tem que haver distinção? Por que uns valem mais que outros na Universidade que tem o discurso de Democrática, Popular, Gratuita e de Qualidade? Vamos perguntar para os Trabalhadores e Trabalhadoras o que acham disso?

– Estrutura Acadêmica
A estrutura acadêmica ainda vigente na UFRGS remonta a visão estabelecida pelo golpe militar da década de 60. A Lei de Reforma Universitária (Lei n. 5.540/68), que hierarquizou a universidade em estruturas administrativas e acadêmicas verticais autoritárias e sem a construção coletiva das decisões, sustenta até hoje a falta de transparência nas tomadas de decisões e a desvinculaçãodos segmentos que sustentam a universidade: servidores docentes e técnico-administrativos e estudantes. Os departamentos, como unidades fundamentais verticais na estrutura, esquartejam os processos horizontais acadêmicos de Graduação e Pós-Graduação.

A UFRGS deve pensar uma estrutura que seja capaz de garantir a democracia, a construção coletiva e processos acadêmicos contínuos, sem submeter à comunidade às diferentes políticas e poderes administrativos e visões acadêmicas que os departamentos preconizam.

– Relação de Trabalho
A Relação de Trabalho na Universidade, apesar da exigência de concurso público desde a Constituição de 1988, apresenta uma diversidade de formatos, que não os regidos pela lei 8112/1990 – Regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (RJU). Assim, se constituem dentro da instituição relações desiguais para os mesmos cargos, onde as exigências e compromissos dos servidores vinculados ao RJU se contrapõem aos dos da CLT, gerando os contratos de terceirização pactuados através de licitações que levam em conta menor preço, mas não levam em consideração questões técnicas e de custo – mais alto para os cofres públicos.

Acrescentem-se as relações estabelecidas por estágios e bolsas em projetos, realizadas através das fundações de apoio, visando a preencher lacunas deixadas por falta de concursos públicos por um longo tempo, por aposentadorias, mortes e afastamentos outros. Outro ponto a ser considerado é o da expansão das universidades, imprescindível ao desenvolvimento de uma nação, que impõe além da reposição necessária pelos motivos supracitados, o dimensionamento das necessidades, diante das mudanças tecnológicas e da obsolecência de alguns cargos.

Deriva disto a precarização das relações de trabalho, ora por cargas de trabalho inadequadas – acumuladas, inferiores ou diferentes das demandadas – que resultam também nos desvios de função. Ora, por falta de competências estabelecidas exigidas para os cargos, como também por ausência de capacitação. Se adicionarmos a isso, a existência de legislação e normatizações não atendidas quanto às exigências formais para o desenvolvimento do trabalho e mesmo condições e ambiente adequados, EPI e EPC, temos lacunas quanto a execução, como quanto à definição de políticas internas que garantam a conformidade.

Considerando tais problemáticas, carecemos de um dimensionamento das necessidades de trabalho, revisão do plano de carreira e dos cargos extintos, necessários para suprir ao cumprimento das demandas para a continuidade dos processos acadêmicos, além de, concursos para a sua resolução. Adicione-se a definição por políticas internas para estabelecer a conformidade legal e normativa ao desenvolvimento do trabalho. Em especial, destacamos as necessidades dadas aos cargos de manutenção das Universidades, inclusive as que demandam cuidados especiais, caso das que apresentam áreas naturais e patrimônio histórico.

Rui Muniz – Servidor da UFRGS, Ex-Coordenador do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau do RS – SINTEST/RS e da Associação dos Servidores da UFRGS e UFCSPA – ASSUFRGS
Márcia Tavares – Servidor da UFRGS, Ex-Coordenadora da Associação dos Servidores da UFRGS e UFCSPA – ASSUFRGS

Postado 19:19 12/11/2010