A influência chantagista do mercado estrangeiro na política da América Latina

As recentes interferências do mercado estrangeiro sobre a política econômica dos países da América Latina, deixa clara a perversidade desse jogo econômico mundial e o quanto a pressão do capital internacional fortalece o projeto de retirada de direitos históricos da classe trabalhadora na região.
 
Não é de hoje que a Standard & Poor’s, uma das três maiores agências de classificação de risco do mundo, expõe sua opinião perante a política econômica de um país emergente. Recentemente, em 11 de janeiro, o Brasil foi alvo da agência que rebaixou mais uma vez a nota de crédito do país, de BB para BB-. Com isso, o Brasil fica três patamares abaixo do grau de investimento – uma espécie de selo de bom pagador, que indica que determinada região é segura para os investidores. Sem ele, os financiamentos externos para empresas brasileiras ficam mais caros, por exemplo.
 
No comunicado divulgando este rebaixamento fica claro qual o lado do mercado financeiro, quando o assunto é o atual governo brasileiro. Se Temer tem apenas 3% de aprovação da população brasileira, em pesquisa Ibope anunciada em dezembro passado, ao menos pode contar com a Standard & Poor’s, que no comunicado disse assim: “Apesar dos vários avanços, o governo Temer fez progressos menores que o esperado”. A agência apontou como principal motivo para o rebaixamento o “atraso no avanço das reformas para conter gastos fiscais”.  
 

Sim, a Standard & Poor’s considera o governo de Temer um avanço para o país. A reforma trabalhista que precarizou nosso emprego e o teto de gastos que nos condenou a 20 anos de subdesenvolvimento em educação e saúde, são, para as agências de risco, um progresso. Mais uma vez o sistema financeiro confirma seu tom chantagista e de terrorismo econômico e midiático.

O relatório que rebaixa nota do Brasil, tem como objetivo convencer os investidores internacionais, a economia, e por tabela parte da população brasileira, com ajuda da mídia, de que a Reforma da Previdência é o único caminho para tirar o país da crise. A agência também foi para cima dos servidores públicos ao apontar a importância do adiamento do reajuste e o aumento da contribuição previdenciária aos servidores públicos.

Acredite ou não, a divulgação desse rebaixamento foi feita de surpresa, de forma adiantada, bem em tempo de alimentar a retomada das discussões sobre a Reforma da Previdência no Congresso Nacional, prevista para fevereiro. A justificativa da agencia para a antecipação do anúncio foi “não correr o risco de ser acusada de interferência na campanha eleitoral, caso fosse obrigada a rebaixar o Brasil às vésperas das eleições”.
 
Vale salientar que desde o impeachment, iniciado em maio de 2016, esta é a primeira vez que uma agência de classificação de risco diminui a nota do Brasil. A mudança de governo de Dilma Rousseff para Michel Temer foi, como bem sabemos, bem vista, e até apoiada, pelos investidores. Por causa disso, a atual administração ganhou um “voto de confiança” das agências depois de prometer fazer reformas pró-mercado. A aprovação da PEC do fim do mundo, que congelou investimentos em educação e saúde e reforma trabalhista, não foi suficiente para os “donos do dinheiro” ficarem felizes.

Essa pressão feita pelo capital estrangeiro pode muito bem não aumentar a popularidade do presidente Temer, mas é uma importante aliada para ajudar na aceleração dos projetos de cortes de políticas sociais. Temer não está sozinho, governos de direita, com as mesmas políticas, vem se destacando em todo o cenário político da América Latina.

A influência no novo cenário político da América Latina

Devemos ressaltar a importância do período dos próximos dois anos para a região. A América Latina viverá nos próximos 14 meses “uma de suas mais importantes maratonas eleitorais das últimas décadas”, na definição do diretor do Idea (Instituto para a Democracia e a Assistência Eleitoral) Daniel Zovatto, que é também doutor em ciência política e especialista em processos eleitorais. Oito países da região terão a chance de trocar seus presidentes – ou de dar um novo mandato aos presidentes atuais, nos casos em que a reeleição é permitida – no período que teve início com a eleição chilena, no último 19 de novembro de 2017, indo até, provavelmente, dezembro de 2018, quando está programada para ocorrer a eleição na Venezuela, cuja data precisa ainda não foi fixada pelo órgão eleitoral local. Se for considerado, ainda, o período que se estende até 2019, devem ser acrescentadas as disputas presidenciais nos seguintes países: Bolívia, Argentina, Uruguai, El Salvador, Panamá e Guatemala, o que pode levar à troca de líderes de 14 dos 21 países latino-americanos num intervalo de dois anos.

A retomada de uma política pró-mercado nessas eleições que estão por vir contam exatamente com o apoio do mercado estrangeiro. No Chile, a recente vitória do empresário Sebastián Piñera, de agenda liberal, foi ancorada em opiniões do Banco Mundial e da própria Standard & Poor’s, que às vésperas da eleição rebaixou a nota de crédito do Chile pela 1ª vez em 25 anos. Ao final do então governo da socialista Michelle Bachelet. No Chile não é permitida reeleição.

Já o Banco Mundial fez ainda pior, admitindo que manipulou dados sobre o Chile contra o Governo de Bachelet. No último dia 13 de janeiro, em entrevista ao The Wall Street Journal, o economista-chefe do organismo, Paul Romer, pediu desculpa ao país pelas manipulações num ranking de competitividade, que teriam motivação política. Trata-se do relatório Doing Business, em que a posição do Chile caiu constantemente durante o mandato da socialista (2006-2010), subiu no Governo de direita de Sebastián Piñera (2010-2014) e voltou a cair quando a médica assumiu um novo mandato (2014-2018). Nesses 12 anos, o Chile flutuou entre o posto 25 e o 57.

Não podemos esquecer que no mês da eleição no Chile, a vantagem de Piñera nas pesquisas já animava os mercados de valores, que elevaram a Bolsa de Santiago ao seu máximo histórico, superando os 5.000 pontos em julho.

A chantagem do mercado ao governo argentino não é menor. O presidente Mauricio Macri pode ter ganho “tapinha nas costas”, dos agentes de mercado por haver aprovado uma reforma básica da Previdência e outra tributária, mas ele segue em falta junto à população.  Os hermanos fecharam 2017 com um aumento nos preços de 24,8%, índice que foi superado somente por alguns poucos países africanos. Dezembro foi o pior mês do ano no país vizinho, com uma taxa de 3,1%, duas vezes superior à de novembro. O Governo argentino autorizou, neste mês de janeiro, aumentos de até 60% nas tarifas de trens e ônibus, 24% na de eletricidade e 30% na da água. Os impostos municipais no perímetro urbano de Buenos Aires subirão até 60% em 2018. Também foram aprovados aumentos nos serviços de cobertura médica privada, nos pedágios e nas mensalidades das escolas particulares.

Apesar da óbvia inflação, o macrismo segue contando com o apoio de grande parte do mundo econômico argentino e internacional, que aplaude publicamente a política de reformas contra os direitos da população, resgatando assim a credibilidade das estatísticas encaradas como oficiais.

Edição: Vitor Hugo Xavier

Fontes: Estadão, Vermelho21, Folha de São Paulo, Nexo Jornal, Jutificando, El País, Exame.

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