Em palestras à CTB, Márcio Pochmann fala da decadência do neoliberalismo

O momento de dificuldades pode ser transformado numa oportunidade para promover um grande entendimento político e viabilizar uma nova maioria política na opinião do presidente do Ipea, Márcio Pochmann

A 4ª reunião da Direção Nacional Executiva da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) foi aberta na segunda-feira (9) à tarde em São Paulo com uma palestra sobre a crise econômica mundial e as alternativas para o Brasil, em que o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor e economista Márcio Pochmann, defendeu um grande entendimento político nacional para viabilizar a formação de uma nova maioria política no País.

Na opinião de Pochmann, esta nova maioria poderia transformar a crise numa oportunidade de conduzir um novo projeto de desenvolvimento nacional, a exemplo do que foi feito por Getúlio Vargas diante da Grande Depressão que, deflagrada nos EUA, também se alastrou por todo o mundo e é apontada como uma das causas mais relevantes da Segunda Grande Guerra.

Crise do capitalismo

Ao caracterizar os problemas que afetam as economias nacionais no momento o presidente do Ipea sustentou que vivemos “uma crise do capitalismo global, que se dá num momento em que as grandes corporações exercem completo domínio sobre os mercados. É uma crise sistêmica e estrutural do capitalismo, que ganhou maior importância quando contaminou o processo produtivo”, onde são mais notórios e dramáticos os seus efeitos políticos e sociais.

A crise criou uma nova situação política, ao induzir o neoliberalismo ao suicídio. As respostas dos governos às turbulências, neste momento, são bem diferentes daquelas que foram verificadas no passado. ‘“Praticamente todos os países estão adotando políticas monetárias e fiscais expansivas”, observou.

Caminhos da guerra

“Todavia”, ressalvou, “este tipo de política pode gerar tanto um líder como Roosevelt (presidente dos EUA nos anos da Grande Depressão) quanto um Hitler (líder nazista que conduziu a Alemanha à Segunda Guerra). A defesa da produção pode ser feita em nome de um nacionalismo exacerbado”, acrescentou, criticando o protecionismo contido no último pacote baixado nos EUA, pelo governo Barak Obama, que fecha o mercado de aço norte-americano à concorrência externa.

Se todos fizerem isto, de acordo com o presidente do Ipea, estaremos pavimentando o caminho da guerra, pois não se pode esquecer que as crises do capitalismo costumam se desdobrar em guerras e que as guerras, com as quais se promove uma destruição maciça de forças produtivas, constituem saídas para as crises.

Clamor pelo Estado

Concomitante à falência da ideologia neoliberal, ao contrário do que ocorria até recentemente, “há hoje um clamor pelo Estado”, notou o economista. “Não são apenas os trabalhadores, como também as empresas privadas e os bancos clamam pelo Estado. É um ambiente ideológico diferente”.

“Isto configura uma mudança drástica, pois quem diria em 2007 que grandes bancos privados clamariam pelo Estado? Qual o limite e o significado disto? Será mais uma vez a expressão de um socialismo para os ricos, com o Estado intervindo para socializar os prejuízos ou representa algo novo, a abertura para um novo padrão de desenvolvimento?

Se é verdade que todos os países estão adotando políticas keynesianas, colocando o Estado na defesa do emprego e do crescimento, é preciso notar que alguns países estão adotando medidas inovadoras, sobretudo alguns países asiáticos, como é o caso da Índia e da China”.

Decadência dos EUA

Para o presidente do Ipea, “o que nós temos hoje é um quadro de decadência dos EUA, A crise de 1929 foi um marco para o mundo na medida em que teve papel determinante na transição da hegemonia inglesa para a hegemonia americana.

Agora, com a decadência dos EUA verificamos o crescimento de importância da Ásia, em especial da China, muito embora a China não disponha ainda de uma estrutura financeira e monetária que a capacite ao exercício da liderança mundial”. “Estamos caminhando para um mundo de multipolaridade, muito provavelmente.

Aqui temos não só a importância da Ásia, mas também da América Latina, que infelizmente amargou um quadro de regressão ao longo das últimas décadas, com baixo crescimento e a estagnação da renda per capita. A América Latina respondia por cerca de 14% do PIB mundial, em 1986 e em 2006 esta participação caiu para 8,5%”, enfatizou.

O quadro de regressão, que esteve associado à crise da dívida externa iniciada em 1982 com a moratória mexicana e à hegemonia das políticas neoliberais nos anos 1990, condenou a América Latina a um relativo atraso em comparação com a Ásia, mas ao longo dos últimos anos vem se dando uma inflexão política na região. Muitos países passaram a viver “experiências antineoliberais”, após a eleição de governos progressistas de diferentes matizes.

Crescimento econômico

“Os sinais dos últimos anos são muito alvissareiros”, afirmou Pochmann. “No Brasil, o ritmo de expansão da economia nos últimos quatro ou cinco anos é quase duas vezes maior do que o que foi verificado nos anos 1990.

O crescimento maior tem repercussão importante sobre a dívida externa, que já não é um grande problema; a acumulação de 200 bilhões de dólares em reserva; o fortalecimento do setor produtivo; a diversificação do comércio exterior, que nos torna menos dependentes das grandes potências capitalistas (EUA, União Européia e Japão), pois mais de 50% das exportações brasileiras são destinadas à Ásia, África e América Latina”. Observa-se, deste modo, segundo o economista, uma recuperação salutar, que também se verificou na área social.

Ao lado da maior igualdade do sistema previdenciário propiciado pela Constituição de 1988, que assegurou a aposentadoria rural, tivemos o incremento do Bolsa Família e a valorização do salário mínimo, que continua sendo efetivada neste período de crise.

Trabalhadores sindicalizados

As mudanças sociais propiciaram a oportunidade de que “a base da pirâmide social absorvesse parte dos benefícios do crescimento econômico, os sindicatos tiveram melhores condições para recuperar salários e o índice de sindicalizados, que declinou com o neoliberalismo e era inferior a 15% dos ocupados subiu para quase 20%. Tivemos uma redução da pobreza e redução do desemprego.

Mas, ainda estamos longe de uma situação confortável”. A crise econômica internacional está colocando em xeque os avanços obtidos nos últimos anos e pode frustrar a recuperação do crescimento sustentado da economia.

Mas, o momento de dificuldades também pode ser transformado numa oportunidade para promover um grande entendimento político e viabilizar uma nova maioria política, na opinião do presidente do Ipea. Este entendimento deveria envolver os três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), e a convergência de ação em todos os níveis (federal, estadual e municipal), configurando um pacto federativo, assim como entre a classe trabalhadora, os empresários e o governo.

Os dirigentes da CTB enfatizaram que o entendimento político não pode ser feito sacrificando os direitos e interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, como pretendem representantes do patronato que advogam redução de salários com redução de jornada e flexibilização da legislação trabalhista.

A proposta da CTB neste sentido prevê, entre outras coisas, maior estabilidade no emprego, redução da jornada sem redução de salários, ampliação dos direitos sociais, ratificação das Convenções 151 e 158 da OIT, fim do fator previdenciário, mudanças na política econômica e fortalecimento das iniciativas para a integração econômica e política solidária dos países latino-americanos.“Pleiteamos medidas que apontam na direção de um novo projeto de desenvolvimento nacional, fundado na soberania e na valorização do trabalho”, resumiu o presidente da CTB, Wagner Gomes.

Fonte: O Vermelho