“Reforma da Previdência é pretexto do governo para abastecer o mercado de capitais”, afirma Sara Granemann

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/2019, da Reforma da Previdência, é um pretexto do governo para abastecer o mercado de capitais. Assim resume Sara Granemann, docente do departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora de temas relacionados à Previdência, que esteve na UFRGS na sexta-feira (29) para tratar do assunto. Em uma didática contextualização histórica e financeira, a professora mostrou que o universo previdenciário brasileiro alcança um montante de R$ 4 trilhões, e não tem nada de deficitário, pelo contrário: é um prato cheio para bancos e agências monetárias. O evento foi promovido pelo ANDES/UFRGS, juntamente com Assufrgs e Sindoif, Seção do ANDES-SN no IFRS.

“Hoje, no Brasil, existem 2130 regimes próprios de previdência social, que somam R$ 1 trilhão em recursos”, informa Sara – que pesquisou dados específicos do setor em 19 estados e um município –, e assegura não haver déficit, como alega o governo. Segundo ela, se levarmos em conta que a seguridade social foi orçada em R$ 1,2 trilhão neste ano, enquanto a previdência privada – um dos setores que mais cresce no país – totalizou R$ 840 bilhões, pode-se ver que a PEC colocará um montante substancial de dinheiro no mesmo “bolo”, que deve deixar de ser regido pelo Estado. “(…) Chegamos a mais de R$ 4 trilhões em recursos disponíveis. Está aí o real motivo de aprovar tal Emenda Constitucional”, explica a especialista, lembrando que os mercados de capitais do mundo inteiro estão de olho no Brasil neste momento, “pois não é em qualquer lugar que se encontra US$ 1,3 trilhão pronto para ser aplicado”.

Capitalização não é Previdência

Apesar do nome, a previdência complementar não configura um sistema de previdência, explica a professora. “Em vez de operar no princípio de solidariedade ou repartição, esse regime privado se baseia na capitalização, que acontece em uma relação direta entre cliente e operador financeiro”, destaca. Assim, qualquer contribuinte fica sujeito a regras de mercado, como taxas, condições, etc. “Inclusive, se ilude o cliente dizendo que ele não pagará Imposto de Renda, quando na verdade, ele vai arcar com esse custo na retirada, e ainda pode ser elevado a uma categoria mais alta de tributação.”

A previdência privada pode ser aberta, funcionando como uma “poupança” individual, mas condicionada a regras bem mais rígidas – como obrigatoriedade de depósito mensal e tempo mínimo para acesso ao valor de direito –, ou fechada, quando recebe mediação de empresas ou associações, sendo restrita a seus servidores ou funcionários. É o caso da Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo), uma das entidades criadas para concentrar parte dos salários de docentes de universidades federais, dentre outros, e aplicá-los em títulos públicos sob justificativa de provável retorno financeiro.

“O que muita gente não sabe é que, apesar de só entrarem para a constituição em 1998, no governo FHC, essas fundações foram criadas em 1977, em plena ditadura militar, como instrumento para abastecer o recém-remodelado mercado de capitais nacional”, aponta Sara.

Para isso, o modelo oferecido prometia uma contrapartida atrativa por parte de empresas e governo, que investiriam 5 vezes o valor aplicado por trabalhadores e trabalhadoras. Mas isso logo foi se modificando. “Na Funpresp, por exemplo, o que se tem hoje é um contrato que prevê investimento de 1 para 1 para depósitos de até 8,5% do salário do servidor. Acima disso, o risco recai integralmente sobre ele, já que passa a contribuir sozinho”, ressalta a docente.

Sara Granemann denuncia a ilusão envolvida na linguagem utilizada pelo governo. “O termo capitalização está sendo aplicado porque o nome previdência complementar, que realmente é o que está sendo proposto, ficou batido entre os trabalhadores, que já sabem o que isso representa. Ninguém apoiaria se a proposta se chamasse investimentos de risco financeiro, que é o que realmente acontece neste modelo de negócio.”

Para assistir a íntegra da palestra da professora, clique aqui.

Seminário no sábado lotou auditório da Câmara

No sábado (30), o Fórum Gaúcho em Defesa da Previdência promoveu o Seminário contra o fim da Previdência social e pública no Auditório Ana Terra da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.  Além da professora Sara Granemann,  a advogada especialista em Direito Previdenciário Marilinda Marques Fernandes, e a auditora fiscal aposentada e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, apresentaram seus estudos sobre a PEC 6/19. As exposições convergiram no entendimento de que a PEC é uma estratégia do sistema financeiro, que ataca os direitos de todos os trabalhadores, e apontaram a necessidade da unidade para construir uma greve geral contra esse desmonte.

O evento lotou o espaço, com cadeiras extras sendo colocadas e pessoas sentando no chão para ouvir a fala das convidadas. Confira aqui um resumo do evento.

TCU investiga negócios de Guedes com Fundos de Pensão

Em fevereiro, mesmo mês em que foi encaminhado ao Congresso o texto de Reforma da Previdência, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu processo para apurar a suspeita de fraudes em negócios feitos por uma empresa do ministro da Economia, Paulo Guedes, com fundos de pensão de estatais. O processo tem como base uma representação do Ministério Público Federal (MPF) que apura suspeitas de gestão fraudulenta ou temerária na captação e aplicação de R$ 1 bilhão de sete fundos de pensão a partir de 2009.

Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, a investigação foi aberta a partir de uma representação do MPF, que já apurava a suspeita de irregularidades na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e na Fundação dos Economiários Federais (Funcef), fundo de pensão dos funcionários da Caixa. Também estão sob suspeita negócios feitos com a Previ (do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras) e Postalis (dos Correios). Os recursos teriam sido alocados por meio de participações (FIPs) da BR Educacional e Brasil de Governança Corporativa, empresa que pertencia a Guedes até o final do ano passado e que foi criada para atuar como gestora de ativos.

Fonte: Andes/UFRGS