Vito Gianotti dá uma verdadeira aula de história

Na tarde desta quarta-feira (11), o Comando de Greve promove o Curso de Formação sobre a história das lutas dos trabalhadores com Vito Giannotti, do Núcleo Piratininga de Comunicação. Quem venceu o frio e participou da atividade na Escola de Engenharia Civil recebeu uma verdadeira aula de quem viveu e foi um agente desta história. Das duas e meia às seis e meia ninguém arredou o pé da sala. Vito também apresentou o seu livro como o mesmo nome que a Assufrgs colocará a disposição nos Convênios.

Veja a entrevista realizada com Vito Gianotti pelo IHU-Unisinos:

Recuperar a história muitas vezes esquecida dos trabalhadores é um dos objetivos do livro “Histórias das Lutas dos Trabalhadores no Brasil” (Editora Mauad, 2007), lançado no final de março pelo italiano radicado no Brasil Vito Giannotti. No livro, Vito relata sua grande paixão pela classe trabalhadora e oferece uma visão panorâmica da história da classe operária brasileira. “Há muitos belíssimos livros sobre aspectos desta luta, mas poucos deles chegam às mãos dos trabalhadores”, relata Vito, que levou cerca de dez anos para escrever esta obra e acredita que “para transformar a sociedade, os trabalhadores precisam conhecer sua própria história”. A IHU On-Line entrevistou-o por e-mail.

Vito Giannotti chegou a São Paulo, vindo da Itália, em 1964, aos 21 anos. Ex-estudante de sociologia, largou o curso para trabalhar como metalúrgico. Atuou intensamente no movimento sindical e, junto com um grupo de jornalistas e professores, criou o NPC – Núcleo Piratininga de Comunicação –, que ministra cursos e oficinas voltados à classe trabalhadora, jornalistas e dirigentes sindicais sobre a comunicação sindical e popular. Em 1983, ajudou a fundar a CUT – Central Única dos Trabalhadores. É autor de mais de 20 livros, dentre eles “Muralhas da Linguagem” (Editora Mauad, 2004) e “O que é jornalismo Sindical” (Editora Brasiliense, 1998).

IHU On-Line – Como foi escrever "História das lutas dos trabalhadores no Brasil"?

Vito Giannotti – Escrever este livro deu um grande trabalho, mas me deixou muito feliz por estar preparando algo de bom para quem não costuma ter a chance de ler dezenas de livros. Escrevi “Histórias das lutas dos trabalhadores no Brasil” pensando em milhares de companheiros e companheiras que conheço e que estão interessados em ler sobre sua vida e sua classe.

Até hoje, ainda não tive a oportunidade de conhecer um compêndio, um resumo da história das lutas dos trabalhadores brasileiros. Há muitos belíssimos livros sobre aspectos desta luta, mas poucos deles chegam às mãos dos trabalhadores, ou seja, dos maiores interessados, daqueles que construíram esta história. Além do mais, sempre fiquei indignado de ver que a história do Brasil contada nas escolas, ou em livros, revistas, jornais, rádios e televisões, abriga qualquer besteira, de qualquer idiota que fez qualquer insignificância. Essa história, entretanto, não fala dos trabalhadores. Não há nada sobre a luta, sobre as manifestações, enfim, sobre a história desses que construíram o Brasil. Greves, manifestações, revoltas, nada disso aparece quando é obra dos trabalhadores. Esse foi mais um motivo pelo qual eu quis escrever sobre a história dessas lutas, ou seja, do que não é falado normalmente, do que está oculto.

IHU On-Line – Tu te defines como um apaixonado pela luta dos trabalhadores. Quando e como iniciou essa paixão?

Vito Giannotti – Esta paixão começou quando descobri que este mundo é um mundo para uma pequena parcela e que, ao mesmo tempo, esmaga, oprime, humilha e explora a imensa maioria. Vem, também, da minha visão socialista que comecei a construir em minha vida, a partir dos 17 anos, por influência de trabalhadores explorados e humilhados. Eles abriram minha visão. E virei um apaixonado para mudar este mundo.

IHU On-Line – O senhor nasceu na Itália. Como foi vir para o Brasil? O que o fez ficar?

Vito Giannotti – Vim por acaso. Vim para ficar três meses. Gostei do povo desde o primeiro instante e decidi ficar para sempre, a fim de lutar para a felicidade da imensa maioria, não de um punhado de pessoas.

IHU On-Line – A ascensão dos sindicalistas ao controle dos fundos financeiros, além desses processos sociais e econômicos, levou ao fim do sindicalismo que produziu Lula?

Vito Giannotti – A crise não é de hoje. Tem duas décadas. Eu precisaria de três dias para falar sobre isso… Mas, daqui a uns 20 ou 30 anos, os trabalhadores poderão estar em melhor situação, quem sabe, espero. Acredito eu que esta crise não é eterna. A história é longa, as experiências socialistas do século XX acabaram em derrotas. E daí? No século XXI ou no XXII a humanidade produzirá novas experiências, mais aperfeiçoadas. No futuro será outra coisa, teremos outra realidade. A história se escreve por séculos e não por décadas. Ao mesmo tempo em que sou extremamente pessimista com o presente, sou otimista quanto ao futuro.

IHU On-Line – Como o senhor vê a luta trabalhista atual no Brasil? E na América Latina?

Vito Giannotti – No Brasil, a luta dos trabalhadores está passando por um tremendo refluxo, por várias razões. Algumas objetivas e externas; outras, por razões políticas, e outras por opções das vanguardas político-indicais. As derrotas da esquerda no século XX não são pouca coisa e levarão muito tempo para serem superadas. Mas, hoje, na América Latina, sopram ventos novos, não podemos enquadrá-los em esqueminhas teóricos clássicos, para fazer um rótulo pronto. Com certeza, as massas latino-americanas (sobretudo na figura de seus trabalhadores) estão se mexendo, se mobilizando e, o mais importante, se manifestando. Estão tentando coisas novas, e isso é muito positivo. A realidade latino-americana não pode ser enquadrada automaticamente num esquema da história européia. Eu estou esperançoso, muito mais do que nas décadas de 1960, 1970, 1980 ou 1990 do século XX.

IHU On-Line – Como está a atuação da Igreja junto aos trabalhadores? Ela é tão próxima ainda quanto foi em épocas como da ditadura militar?

Vito Giannotti – A Igreja Católica, na imensa maioria, foi castrada pela política conservadora de direita do Papa anterior, João Paulo II, e desse agora, Bento XVI. A Teologia da Libertação foi submetida às leis medievais da Santa Inquisição, sob a batuta destes dois papas. Sobram ilhas de resistência, heróicas, que merecem todo respeito e apoio, mas “o grosso” está afastado das lutas populares e dos trabalhadores. Está sustentando o sistema atual, embora haja alguns choramingos.

IHU On-Line – A figura de Santo Dias da Silva ainda é relevante para a luta sindical brasileira?

Vito Giannotti – Sim, é um representante da Velha Igreja da Libertação. Da igreja que estava com o povo, lado a lado dos trabalhadores. Ele é, ainda, a figura que se contrapõe às figuras, como o tal beato Galvão, com suas poções mágicas. Pena que hoje Santo Dias não esteja na moda. Mas os séculos passam e a história muda. Se a gente fizer força para que ele inverta seu curso, podemos ter certeza de que a situação dos trabalhadores mudará, e para melhor. Este é nosso papel: apressar a roda da história. Se não for assim, os trabalhadores vão ter que esperar, por muitos séculos, pelos resultados finais de toda a sua luta. Eu luto para que a roda da história mude ainda neste século.