ARTIGO: O Papel das Universidades Públicas na Conjuntura de Rupturas de Estado

Por Rui Muniz

A conjuntura que vivemos no Brasil após o impedimento da Presidenta Dilma é de rompimento da estabilidade nas relações políticas, estruturais e de funções de Estado. Esse cenário, inserido em um ambiente de polarização social, exacerba sua efervescência pela ação dos interesses dos capitalistas e financistas, que utilizando a formação de opinião pela mídia, cria e sustenta uma artificial instabilidade político-jurídica que termina por se materializar a partir das contradições sociais.

Não fosse essa ebulição diária de notícias plantadas, suportada com uma permanente lavagem de consciência pelas desinformações, os poderes do Estado corrompidos pela enxurrada de catástrofes na administração publica forjam um caldo de desestruturação na nação, a ponto de militares estarem até desconfortáveis na caserna por sua inação, que chega a ser provocada por setores das direitas brasileiras.

O legalismo se projetando na política e submetendo e justificando os desacertos do Estado como elementos responsáveis pela desgraça da classe trabalhadora, subvertem a real ordem social para submeterem os interesses de classe aos intentos dos interesses liberais, que se manifestam na falta de democracia, repressão, desemprego e miséria.

A faxina na esquerda, identificada como sendo a mesma representante da inconsequente política corrupta exercida no Brasil há décadas, termina por ser o elemento de desconstrução de alternativas, que é a intenção original na estratégia de desmantelar projetos capazes de alterar a correlação de forças.

Universidades Públicas na Conjuntura

Relendo artigo da ADUSP, O GOLPE DE 1964 E A UNIVERSIDADE: ENTRE A REPRESSÃO E A MODERNIZAÇÃO, podemos estabelecer relações entre as questões ambientais que permearam as universidades naquele momento e aquelas presentes na conjuntura de hoje. Da mesma forma que vivemos o engessamento das universidades há pouco mais de 50 anos, o objetivo ideológico hoje não é muito diferente: cercear a manifestação de ideias e perseguir as vozes rebeldes, seja porque as comunidades universitárias transcendem os limites da administração pública, seja porque essas organizações e os segmentos que a compõem são uma das primeiras a sofrer com as mudanças em um governo impopular e de direita. E isso acontece porque é nas universidades que ocorre a difusão de ideias e a formação de consciências, alinhada à sabedoria e interesses da classe trabalhadora; é nas universidades o lugar onde são desenvolvidas as capacidades para responder as demandas do mundo do trabalho e da cidadania.

Como estratégia para limitar essa capacidade, a proposta é apontar para a punição e a construção do sentimento de insegurança, que levam a comunidade ao afastamento voluntário da luta e a diminuição dos ardorosos, que terminam por desistir de lutar porque “não há muito o que fazer”. Assim, o que se configura é a recolonização ideológica praticada pelo Estado e pelas Administrações que se furtam a resistir, em nome de uma legalidade forjada na burocracia que garante a manutenção de poderes.

São penalizadas com isso a livre manifestação de ideias na universidade e a negociação, elementos estratégicos de superação de crises, construção de unidades e de fortalecimento da resistência a projetos de governos antipopulares. A ideia-chave que prevaleceu no período do golpe e que se mantém é a da universidade-empresa, introduzida pelos militares, onde o objetivo do ensino superior é formar técnicos para o desenvolvimento; mas essa visão não comporta a pesquisa nas áreas básicas, as quais se preocupam por buscar respostas para o atraso, interesse de classe e emancipatório para os trabalhadores.

O significado acadêmico dessa visão de universidade é que é bom em termos do futuro não adquirir capacidade científica, mas tecnológica: produzir produtos para exportação; portanto, para essa universidade o objetivo é proporcionar profissão para seus estudantes e não capacidade para fazer política.

Nesse modelo de universidade, o significado para os trabalhadores das universidades é controle ideológico e político, retirando do trabalhador o papel de protagonista nos processos acadêmicos; é a cassação do direito de organização, é a submissão a uma visão burocratizada do trabalho, é a negação da sabedoria e da autogestão, necessárias para garantir a autonomia administrativa e pedagógica, a transparência da gestão pública e a democracia necessária às funções da universidade pública.