As Tarefas do Movimento Socialista na Perspectiva de um Governo Fascista

(Experiências, Crítica, Conjuntura e Estratégia)

Artigo de Rui Muniz

 

“… Enfrentamos o perigo de ver abater-se sobre nós o restabelecimento da confusão entre democracia e socialismo. Para muitos “socialdemocratas”, “socialistas” e “comunistas”, o objetivo central resume-se a instauração de condições econômicas, sociais, culturais e políticas da existência da democracia. Não há dúvida de que esta é vital para a livre manifestação da luta de classes e a liberação dos oprimidos. Todavia, não da mais para transferir sempre para o futuro a preparação das classes trabalhadoras e dos de baixo para lutar pelo socialismo e por uma democracia de corte socialista. Os partidos da esquerda não podem imitar o falso “centro” burguês e a demagogia populista. Seus porta-vozes usam e abusam de “fórmulas sociais” ou da “questão social” na forjicação de seus programas, no nome de seus partidos e no discurso político.

Precisamos separar-nos deles com coragem, assumindo plenamente nossa posição socialista proletária e a promoção de uma democracia com um pólo social de classe e popular, ao mesmo tempo voltada para as tarefas revolucionárias imediatas e de maior duração. É urgente que se faça isso com método, organização e firmeza, para que a democracia a ser criada não devore o socialismo, convertendo-se em um sucedâneo bem-comportado do aburguesamento da social-democracia e da social-democratização do comunismo. Carecemos com premência da democracia. Mas de uma democracia que não seja o túmulo do socialismo proletário e dos sonhos de igualdade com liberdade e felicidade dos trabalhadores e oprimidos.“ Floretan Fernandes, 1989

 

Da Natureza Revolucionária às Conjunturas: a compreensão e a Estratégia

Ao longo dos últimos pouco mais de 40 anos vivenciamos o golpe e suas mazelas, o Estado autoritário, prisões, censuras e a reorganização da classe trabalhadora no fim dos anos 70. A titubeação do CC do Partido Comunista, a construção do PT, PRC e tantas outras organizações de luta reaparecendo na luz do dia da redemocratização. A efervescência da luta revolucionária saindo dos porões com estratégias diversas, em um rearranjo na ocupação dos espaços que se abriam no cenário político nacional. A luta pela conquista de espaços para aumentar a participação social é, sem dúvida, um dos aspectos mais desafiadores para análise sobre os alcances da democracia. As experiências de soberania popular, desde o início dos anos 1980 estão associadas à capacidade que os movimentos sociais tiveram de explicitar demandas relacionadas principalmente com a democracia participativa, democratização do Estado, formulação de políticas públicas e a conquista de direitos de cidadania.

Os movimentos sociais que emergem no Brasil após 1970, à revelia do Estado, criaram novos espaços e formas de participação e relacionamento com o poder público. Estes espaços foram construídos, tanto pelos movimentos populares como pelas diversas instituições da sociedade civil que articulam demandas e alianças de resistência popular e lutas pela conquista de direitos civis e sociais. Muitos movimentos apontam, a partir da reposição do coletivo, para uma qualidade diferenciada de participação na gestão da coisa pública, onde a representação não resume todo o esforço de organização. Os movimentos tornam manifesta uma identidade que se concretiza a partir da construção coletiva de uma noção de direitos que, relacionada diretamente com a ampliação do espaço de cidadania, dá lugar ao reconhecimento público das carências. Os novos arranjos participativos são reforçados a partir da Constituição de 1988, destacando-se o desenvolvimento de práticas que abrem espaço para a democracia participativa. A revitalização da sociedade civil, desde meados da década de 1980, reflete-se no aumento do associativismo e na presença dos movimentos sociais organizados que se explicitam na construção de espaços públicos que pressionam pela ampliação e democratização da gestão estatal. Na década dos 90, a participação nas suas diversas dimensões é amparada e institucionalizada dentro dos marcos das democracias representativas. A participação popular transforma-se no referencial de ampliação de possibilidades de acesso dos setores populares dentro de uma perspectiva de desenvolvimento da sociedade e de fortalecimento dos mecanismos democráticos, mas também para garantir a execução eficiente de programas de compensação social no contexto das políticas de ajuste estrutural e de liberalização da economia e de privatização do patrimônio do Estado.

O PT apresentando um projeto estratégico de ação no Estado, com mudanças de conjuntura e reformas estruturais, a CUT sendo fundada com projeto estratégico sustentado pelas organizações sindicais de base e por local de trabalho; o movimento sindical se agiganta. A democracia direta opera o debate coletivizado por orçamentos construídos com a participação popular, alavancados em todos os cantos e ambientes. A redemocratização e as estruturas de um Estado opressor são tomadas por uma gigantesca onda de construções democráticas. As eleições diretas são negadas por um golpe institucional, com apoio do legislativo, militares e até com participação de organizações de esquerda; a eleição é indireta e continua a transição lenta, gradual e segura apresentada por Figueiredo. E a luta por redemocratização avança, na defesa de uma Constituinte exclusiva e democrática, que não acontece mas onde direitos são assegurados, não no limite que buscávamos, mas ali se instalava um Estado de transição e de Direito que já se mostrava sob a tutela dos conservadores.

Acontecem as eleições de 89 e o liberalismo se coloca como alternativa e não mais saiu de nosso cenário político, vestido com diferentes roupagens. A esquerda avançava, começava a eleger executivos municipais e estaduais, que apontavam para gestões democratizadas e com perfil de eficiência ainda não experimentados na vida pública brasileira. Nesse andar contínuo, a superestrutura do Estado e a vivência nos aparatos de controle e poder do Estado se tornam a estratégia de ação de boa parcela do Movimento orientado pelas Teses Socialistas. Militantes são deslocados para a superestrutura e os movimentos sociais, já sem tanto vigor em suas instâncias internas, ocupa cada vez mais os ambientes até então operados pelas elites que sempre determinaram a política do país, em quase toda sua história.

Década de noventa aprofunda a adoção da pauta liberal e o Estado se modela para a administração a partir dos modelos europeus de administração e impositivos dos agentes econômicos e políticos, principalmente norte americanos. Disputamos eleições e perdemos, em alianças onde particularmente o Partido dos Trabalhadores dava mostras da sua grandeza, quanto à identidade social e capacidade de enfrentamento, subjugando alianças às suas pré-determinações e vontades políticas, o que viria a acontecer até o tempo atual.

Esse tempo de pouco mais de 50 anos no Brasil fez com que os trabalhadores experimentassem conjunturas diversas, conjunturas de força e de democracia, com movimentações e estratégias que operavam pela luta armada à clandestinidade, de retomada de direitos políticos e redemocratização, necessitando reorganizar suas estratégias permanentemente. Foram imposições políticas a serem enfrentadas, como programas de domínio e controle como o USAID, como exemplo, ou determinações internacionais de sistema econômico, das elites transnacionais e nacionais, mas também com ataques permanentes da direita clássica, dos nacionalistas, liberais e dos reformistas. Resistimos aos colonizadores, como em toda a América Latina, como revolucionários, como em todos os países com dependência política e econômica. Tivemos aqui, nesse período, o Estado de exceção, de 1964 a 1978, o Estado de redemocratização, de 78 a 89, o Estado Liberal, de 1990 a 2002, e a experiência de um Partido de esquerda no poder, de 2013 a 2016, vivenciando após o golpe cívil-militar-judicial-midiático, de 2016 até 2018. Fundamos o Partido Socialismo e Liberdade, em 2004. Agora, enfrentamos o aprofundamento das visões reacionárias com a eleição de uma proposta fascista.

O Movimento Socialista teve representações no poder do Estado desde o final da década de 80, em Estados da União e Municípios, mas a experiência mais determinante foi por quase quatro governos do PT em nível Federal, seguido do impedimento da Presidenta Dilma e a vitória do fascismo no Brasil. Necessário portanto, nesse momento de inflexão, uma avaliação detida das conjunturas que se sucederam nesse período e do que nos levou a um momento de retrocesso de democracia e direitos. É necessário fazer a leitura mais aproximada de como os trabalhadores se colocam nessa conjuntura, onde estamos e como estamos enquanto Movimento Socialista, precisamos pensar enquanto Movimento Socialista, qual o grau de influência temos concretamente nos movimentos sociais, organizados ou não, como a direita está organizada, quais suas movimentações prováveis e sua capacidade de enfrentamento. Necessitamos revitalizar nossas organizações e potencializarmos suas expressões para que, de forma objetiva, saiam de uma quase inércia frente a tamanhos desafios. Se vivemos a ascensão dos Movimentos Populares a partir do fim da década de 70, vivemos hoje em boa parcela dos setores do Movimento Socialista o encolhimento que não permite ações efetivamente de massa, de povo nas ruas.

O Movimento Sindical tem que revisar sua estratégia, incluir os terceirizados, autônomos, desempregados em suas fileiras; as organizações populares devem se reinserir no meio das comunidades, disputar o quotidiano nas contradições dos pentecostais e reacionários; os Ambientalistas tem de se afirmarem e se agigantarem nas comunidades originárias, índios, quilombolas, pescadores, nativos; as ações dos pecuaristas, agricultores, a exploração dos campos será intensa no próximo período, particularmente na expansão dos processos de uso do subsolo, das águas e das florestas. Os Movimentos identitários, as lutas raciais, de gênero, das mulheres precisam ser radicalmente inclusivos; os Movimentos Urbanos devem disputar as direções comunitárias, encarar intensamente os enfrentamentos, não permitir as ocupações e desocupações agressivas.

A intenção desse trabalho, logo, é refletir, a partir da análise objetiva da realidade, degustando as últimas décadas nesse nosso período histórico mais imediato de 40 anos, contando com artigos desenvolvidos à época dos acontecimentos, e provocar a reflexão mais ampla e o debate e, por fim, declarar uma visão que se consolida em nível de Movimento Socialista sobre a estratégia e às movimentações a serem adotadas pelo Movimento, em uma abordagem que não se coloca a disputar, mas contribuir.

 

 

2 – 1960 à Redemocratização: Lutas e a Dureza do Golpe Civil Militar

Esse Capítulo se dedica a resgatar o histórico das lutas travadas pela classe operária no período do golpe de 1964, em suas duras ações e repressões, a apropriação destas experiências e a construção de estratégias de classe, que são os elementos capazes de sustentar a mudança radical na concepção de Estado imposta pela burguesia.

 

2.1 – As Estratégias da Burguesia

Os capitalistas sempre que se sentem ameaçados, constroem saídas seguras para seus interesses de classe. No golpe militar de 1964, jogaram as forças de esquerda na clandestinidade, afastando as lideranças das massas; porque sabiam que estas forças têm a capacidade de firmar na classe trabalhadora a ideologia do proletariado, organizar e educar para romper com a exploração mais vil: a exploração do homem pelo homem.

Na história recente, após a chamada abertura e a redemocratização do Estado, estrategicamente a classe dominante nacional – comandada pelo capital internacional – tratou de reformar o Estado e construir um conjunto de regras institucionais de forma a regular a ação das forças de esquerda, impondo um limite seguro para as relações das organizações de esquerda com a classe trabalhadora e com o Estado.

Mas a classe operária não se submete ao limite das concessões, vai além e, como no período de exceção, rasgou com as normas estabelecidas pelos banqueiros e patrões do capitalismo e construiu as suas saídas, as estratégias que nos levaram, em poucos anos, a sermos capazes de oferecer uma nova proposta para a relação do Estado com a sociedade de forma a garantir mais que a justiça social, mas o fim da exploração do homem.

 

2.2 – O período Pré-Golpe Militar

Neste período, que antecedeu o golpe dos militares, havia um clamor por reformas sustentadas, por Jango – desde a Agrária até a do próprio Estado, condição sentida pela inflação “galopante”, o desemprego crescente, o aumento da concentração de renda, a diminução da taxa de crescimento e a miserabilização do campo e da cidade.

As Ligas Camponesas no Nordeste e Greves no Sudeste apontavam às reformas, empurrando o Estado para uma grande revisão na Constituição, o que assustou as elites e as Forças Armadas. Sem apoio no Congresso, Jango radicaliza seu discurso e anuncia desapropriação de terras e encampações de refinarias. Neste momento, as reformas populares já contavam com a adesão de Estados fortes como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os militares, comandados principalmente pelo Gal. Golberi do Couto e Silva, Cordeiro de Farias e Castelo Branco – a partir da Escola Superior de Guerra, sustentados pelas elites nacionais e internacionais e pelo grande capital internacional, dão o golpe de 1º de abril de 1964.

Com a intenção de enfrentar ao golpe, foi articulada uma resistência institucional, centrada no movimento pela legalidade, mas não foi o suficiente para enfrentar o golpe.

 

2.3 – O Golpe de 1º de abril de 1964

No mundo, aconteciam a guerra fria imposta belicamente às Nações Socialistas pelos capitalistas, os planos de dominação política, econômica e bélica dos Norte-Americanos, as chacinas dos conflitos árabes-israelenses, as ditaduras se consolidando como forma de governo, …

No Brasil, desde o início da sangrenta ditadura, os líderes dos trabalhadores resistiram na clandestinidade, muitos até optando pela organização de grupos de resistência armada. Os líderes da Classe Operária foram torturados, exilados e muitos homens e mulheres foram mortos nos porões desta ditadura militar sangrenta.

As elites e os militares prometem um milagre e impõem à sociedade brasileira empréstimos de banqueiros internacionais e pacotes econômicos – que mais tarde iriam se transformar em uma grande dívida econômica e social a ser cobrada dos trabalhadores.

Para o Ensino Superior no Brasil, o Golpe trouxe consigo a Reforma do Ensino de 1969, imediatamente após as manifestações estudantis de 1968. Esta Reforma, mais do que romper com a “velha Universidade”, ela foi concebida de forma a adaptar a Universidade ao novo modelo de acumulação de riquezas. A Reforma Universitária privilegiou o papel da Universidade como formadora de técnicos para produção industrial e operadores de tecnologia, subordinando o conhecimento e a produção científica às necessidades de adequação tecnológica das empresas e do aparelho estatal. Além disto, incentivou a expansão da rede particular de ensino superior, de modo a reduzir os gastos públicos no setor. A Reforma do ensino também atribuiu às autoridades universitárias e ao MEC o poder de desligar estudantes e demitir professores e técnico-administrativos, promovendo a centralização e a verticalização das estruturas de poder, como a nomeação de reitores pelo presidente da República. (Cadernos da FASUBRA – Por Uma Universidade Cidadã para os Trabalhadores).

No campo, o incentivo à produção restrito aos grandes produtores e as políticas autoritárias e de favorecimentos tiveram como conseqüência a expulsão de trabalhadores rurais com pequenas propriedades, onde o êxodo rural chegou a um número próximo à população da Argentina na época. Neste período, a população rural do Brasil passou de 65% para 33% da população total.

De 1969 a 1974, com Médici, foi o período mais duro e de maior terror, com certeza, com assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras. Muita repressão, torturas, assassinatos, exílios. Nesse período de exceção e amplos poderes, tudo foi permitido fazer em nome do poder instituído:

  • suspensão dos direitos políticos
  • eleição indireta para presidente
  • fim do pluripartidarismo, surge o bipartidarismo – ARENA (sustentação da ditadura) e MDB ( falsa oposição)
  • eleições indiretas para governadores e “zonas de segurança”
  • assinatura do acordo MEC-USAID, onde os EUA interfiram no nosso sistema educacional, com a adoção do modelo tecnicista norte-americano
  • extinsão da UNE e UEEs
  • Criação do SNI, DOPS, DOICOD, CCC, responsáveis fortes pela repressão
  • Criação da OBAN, responsável pelas torturas e perseguições
  • Instituiu os Atos Institucionais
  • Estipulou que os crimes contra a segurança nacional seriam julgados por tribunais militares
  • Criou a censura e a lei de imprensa
  • Interferiu diretamente nas Universidades e Escolas, criando a Lei 477 contra Estudantes e Professores
  • Criou a pena de morte, o estado de sítio e o exílio político

De 1974 para frente, o governo falava em distensão lenta, gradual e segura, mas o que se viu, na verdade, foi uma conjuntura forjada pelos Movimentos de Esquerda:

  • a grande vitória do Movimento de Esquerda nas eleições de 1974, quando o voto foi utilizado como uma arma de protesto contra a ditadura;
  • a reorganização do Movimento Estudantil em 1977, quando os estudantes rompem com a ditadura e reorganizam a UNE;
  • em 1978, grandes Greves tomam conta do país e, em 1979, mais de 4 milhões de trabalhadores deflagram greve, inclusive Servidores Públicos rompem com a lei de greve contra os monopólios e contra a ditadura.

Em 1979 é aprovada a anistia, que na verdade era a liberdade para alguns presos políticos, já que anistia deveria ser vista como esquecimento, mas as elites não a concederam desta forma: funcionários públicos, civís e militares, e operários afastados dos seus postos de trabalho não foram reintegrados aos seus cargos.

A “Recondução do País à Democracia”, proposta por Figueiredo, não passava de mais uma tentativa de golpe nos trabalhadores, principalmente se verificada a conjuntura interna desfavorável à manutenção do poder na mão dos militares e também a conjuntura internacional dos países capitalistas. Havia, no conjunto, uma crise política, econômica, moral, cultural e ideológica atrás da abertura concedida. A redemocratização e a abertura no Brasil e no mundo buscavam resolver mais uma crise do capitalismo. Muito mais do que a crise do Petróleo, na década de 1970, existiam 16 milhões de desempregados na Europa Ocidental, EUA, Canadá e Japão. Só na França, 800 mil jovens após terminarem seus cursos de formação não tinham emprego.

Nesta conjuntura, para a classe operária do campo e da cidade, duas grandes vitórias: em agosto de 1983 foi fundada a Central Única dos Trabalhadores – CUT, e em janeiro de 1984 é fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, instrumentos de luta da classe trabalhadora sustentados no princípio básico da Democracia: não exploração do homem pelo homem.

Mas ainda no Regime Militar, em 1984, houve a possibilidade dos trabalhadores romperem com as amarras do poder instituído pela burguesia através da  Campanha das “Diretas Já”. A eleição do Presidente da República proposta pelo Movimento Popular no Congresso, por meio da Emenda Dante de Oliveira, foi uma ofensiva dos trabalhadores que buscava o rompimento com a lógica estabelecida pelas oligarquias no Brasil. Mas acordos políticos, inclusive com a participação de Partidos de Esquerda, inviabilizaram as “Diretas” e, em uma eleição por colégio eleitoral, foram eleitos Tancredo, que não governou, e Sarney, como vice assume – ex-militante da ARENA e defensor da ditadura militar, garantiu a transição segura para o liberalismo no Brasil.

 

2.4 – O Estado de Direito

Com o retorno da democracia institucional, foram viabilizadas as eleições diretas, com governos que tiveram a preocupação de resguardar os interesses de grupos econômicos, colocando os trabalhadores a mercê de um sistema de saúde insuficiente, com uma desregulamentação da mão de obra que submete a classe trabalhadora a baixos salários e a relações de trabalho exploratórias.

A partir de 1985, da chamada “Nova” República, até o 2º governo de FHC, os trabalhadores já foram vítimas de 8 planos econômicos:  Cruzado / 86, Funaro / 86, Cruzado II / 87, Bresser / 87, Verão/88, Collor I / 90, Collor II / 91 e Plano Real / 94.

Com isto os trabalhadores perderam empregos, expandiu-se o exército de reserva de mão de obra, os salários diminuíram, a pauperização e a miserabilização dos trabalhadores da cidade e do campo virou estatística e os governos, cada vez mais, investem em programas de assistência e não na geração de empregos e na infraestrutura do Estado.

Os Servidores Públicos, com estes Planos, acumularam mais perdas e tiveram destruídas suas Carreiras e Política Salarial.

Para as Universidades, o governo reformista da “Nova República“ propunha o pacto social, onde uma Comissão de Alto Nível iria formular as linhas Gerais de uma “Nova Universidade”, o “Projeto GERES”. Mas os trabalhadores e as Entidades Sindicais como a FASUBRA e a ANDES se recusaram a admitir uma reestruturação conduzida por uma Comissão de Alto Nível representante das classes dominantes, o que inviabilizou a Comissão.

Em mais uma ofensiva em seu Projeto contra as Universidades Públicas, o governo tenta cooptar o funcionalismo das Universidades durante a Greve de 1986, acenando com uma proposta de isonomia estruturada em um Anteprojeto de Lei, que não foi admitida pela comunidade universitária. E nesta conjuntura, 1985/1986, diversos reitores foram eleitos por voto direto, alguns apoiados pelos movimentos e comprometidos com muitas de suas reivindicações. (Cadernos da FASUBRA – Por Uma Universidade Cidadã para os Trabalhadores)

Para os Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino, a década de 80 foi de muita luta e vitórias: grandes e massivas greves, Política Salarial, Plano de Carreira, redemocratização das estruturas, …mesmo com as Instituições Públicas já mostrando as suas fragilidades frente à política de cortes nos recursos públicos adotada sucessivamente pelos governos.

Em 1986, a partir de um grande movimento social, foi convocada  uma nova Constituição. Promulgada em 05 de outubro de 1988, a 8ª Constituição Brasileira, que se propunha a restabelecer o equilíbrio entre os poderes do Estado, na verdade não correspondeu às solicitações que eram bandeira da classe operária brasileira. A composição do chamado “Centrão” garantiu o perfil conservador da nova Constituição. No entanto, trouxe consigo avanços em relação à ordem vigente até então:

  • fim da censura
  • racismo se tornou crime inafiançável
  • direito de greve e autonomia dos sindicatos
  • concebe aos Servidores Públicos o direito à organização sindical
  • livre criação de partidos políticos
  • eleições em todos os níveis da organização do Estado
  • reconhece a Reforma Agrária, restringindo sua abrangência e a responsabilidade do Estado
  • não permite a cassação de direitos e garantias individuais
  • manteve a gratuidade do ensino, mas reafirmou a destinação de recursos públicos para o ensino privado; progrediu nas questões relativas à autonomia e a democratização do Ensino, mas não avançou na questão da responsabilidade do Estado

Com o direito à Organização Sindical conquistado, os Servidores Públicos promoveram uma reestruturação na organização dos trabalhadores públicos, impulsionados pelo Projeto de Organização da Central Única dos Trabalhadores, a partir do Ramo de Atividade.

Nestes últimos 10 anos, têm sido tema permanente em Seminários, Plenárias, Conferências, Congressos, e em outros eventos promovidos pelos Servidores Públicos e pela CUT, a questão da Organização e Estrutura Sindical dos Trabalhadores Públicos. As discussões giram em torno da unificação e fusão de Sindicatos e construção dos Ramos, em contraponto a fragmentação sindical que temos atualmente. Entre outras questões, destacam-se também nestes debates a Negociação e a Contratação Coletiva, o Direito de Greve, a Organização Sindical no Local de Trabalho e a incorporação dos trabalhadores terceirizados, privados, cooperativados, …

2.5 – 1990: O Liberalismo se Instala no Brasil

Em 1990, Collor, prometendo Modernidade e Melhoria Social, introduz a ideologia liberal. Foi outro período de golpes institucionais intensos contra os trabalhadores, que começou com o confisco do dinheiro em março de 1990, passando por favorecimentos a oligarquias com verbas públicas e extorsões e, de novo, mais desemprego, miséria, violência, concentração de renda… Collor foi o governante dos oligopólios que saqueou o país para sí e facilitou o saque para os imperialistas, na venda das estatais e nos pagamentos da divida. Os favorecimentos internos e os interesses locais eram correspondidos como no escândalo da LBA. Collor, muito além de seus escândalos, foi governo de um capitalismo em reformas, introduziu um modelo de Estado que – com responsabilidade social mínima, é regido pelos impulsos da economia e pelos mandantes do capital nacional e internacional. Collor abriu o mercado brasileiro e liberou as importações, porque “nossos carros eram carroças”. Além disto, reforçou as condições para a venda desenfreada do patrimônio público, construído com o dinheiro dos trabalhadores, sendo os recursos originados das privatizações utilizados para sustentar as necessidades de banqueiros e de empresas falidas e para o pagamento da dívida externa com FMI e com outros “credores”.

Collor sai por impeachment, em um movimento social capitaneado pelos estudantes e também orquestrado pela própria burguesia nacional insatisfeita e pressionada pelo Movimento Popular. No seu lugar entra Itamar que, para se contrapor a idéia de Collor, incentiva a produção de “fuscas”. Itamar assume com a maioria da população não acreditando no seu governo. Não tomou grandes decisões, seguindo o pagamento da dívida externa, o plano de privatizações, o arrocho salarial, conivente, inclusive, a impunidade em escândalos como o do orçamento. E os problemas sociais se agravaram.

Os trabalhadores continuaram perdendo com a inflação, com a não revisão dos salários, com o desemprego, … Aprofundou-se a crise pelo chamado “custo Brasil”. E chegou FHC. Começa a era do Real, uma conjuntura mais dura para os trabalhadores. As conseqüências da “nova” fórmula são as mesmas para a classe operária: desemprego, arrocho, aumenta a falta de infraestrutura do Estado e aparece cada vez mais forte o caos social, vitimando os trabalhadores. A inexistência de políticas sociais e os enfrentamentos do governo com os trabalhadores da cidade e do campo, indicam algo mais que um problema policial e vem atemorizando a burguesia.

Existe uma polarização social se agravando brutalmente pela aplicação dos planos econômicos liberais e pela recessão. A miséria assume proporções inéditas e o ódio e a desesperança tomam conta de parcelas da população, que não tem nenhuma perspectiva. Esta marginalização social tem facilitado explosões sociais de contorno classista, que muitas vezes carecem de direção do movimento político organizado para serem capaz de dar conseqüência a estes enfrentamentos.

 

2.6 – Os Servidores Públicos e os Governos Liberais

Já para os trabalhadores nas empresas e instituições públicas, os últimos anos têm sido difíceis, mas com muita resistência, vitalidade e luta. Na conjuntura imposta pelos governos liberais, de Collor a FHC, com o patrimônio público sendo dilapidado pelas privatizações, e com a diminuição da infraestrutura do Estado para atender as demandas sociais – saúde, educação, previdência, habitação, saneamento, … – os Servidores Públicos estão submetidos a um arrocho salarial, sem previsão para a recuperação do poder aquisitivo dos seus salários. Sem plano de carreira e uma política clara para a relação de trabalho, vivem muita insegurança graças, principalmente, a permanente campanha que o governa orquestra de desmoralização dos trabalhadores e do serviço realizado pelas instituições públicas.

Contudo, os Servidores Públicos Federais enfrentaram as medidas repressivas adotadas, construindo já no primeiro ano do governo de Collor – 1990, uma Greve viril, pois naquele momento existia forte o medo das demissões e assombrava as medidas institucionais contra os trabalhadores. Nesta conjuntura, em 1990, a ASSUFRGS – Seção Sindical do SINTEST/RS foi fundada e se impôs à realidade. A Tese ao 1º Congresso da ASSUFRGS “A Reafirmação do Sindicato de Lutas e o Aprofundamento da Democracia” trás esta história de lutas e vitórias.

Em junho de 1991, os Servidores Federais estavam nas ruas novamente, principalmente os das Universidades, Previdência, IBGE e IBAMA. Desta vez, a categoria foi para a luta de forma mais decidida, com ações de massa de Norte a Sul, impondo uma grande derrota ao governo, quando o Congresso Nacional rejeitou a MP 296 – que dava aumentos diferenciados e irrisórios, fazendo inclusive que o Ministro Passarinho quase caísse. Foi uma greve dura, quase três meses e a intransigência do governo. Não foi possível alterar o índice linear de 20%, mas as negociações alcançadas nos ministérios obtiveram tabelas e vantagens sociais o que, no marco da política recessiva e fora da data-base, representou uma grande conquista da categoria. Nas Universidades, os funcionários tiveram aproximadamente 110% de reajuste médio e o não desconto dos dias parados.

Um cenário diferente começou a se configurar a partir do governo de FHC, onde as negociações se tornaram intransigentemente descartadas, impondo aos Servidores Federais a necessidade de movimentos de grande resistência. Em 1994, momento em que FHC impunha o Plano Real e implanta a nova moeda – o Real, os trabalhadores públicos estavam jogados a ciranda de desvalorizações de salários, perdas e ausência de uma política salarial, já a partir das duas primeiras fases do Plano. Para os Servidores Federais, mesmo com a reposição parcial das perdas salariais de 1993 em janeiro de 1994, em fevereiro já ultrapassava 90% a reposição necessária e já se previam mais perdas, perversamente impostas aos trabalhadores.

Em abril de 1994 os Servidores Federais deflagravam uma greve, tendo a seu lado metalúrgicos do ABC paulista, do Vale dos Sinos e de Porto Alegre, Funcionários Públicos Municipais e Estaduais de São Paulo e Bahia, setor da Saúde, o MST no Grito da Terra Brasil, professores particulares do RS e Polícia Federal. Nesta Greve, experimentamos desde a truculência do governo, a  declaração de ilegalidade da Greve pelo STF e até a dificuldade de aglutinação dos movimentos, graças principalmente à incapacidade de unificar o movimento frente às pautas específicas diferenciadas nos diversos setores do serviço público.

Deste período em diante, os principais eixos das Greves, Movimentos e Campanhas que se sucederam foram marcados pela defesa da Universidade Pública e da sua Autonomia e pelo enfrentamento ideológico com o liberalismo, atacando o projeto das elites, denunciando o descaso com as empresas e com os trabalhadores públicos, exigindo a criação de políticas sociais e públicas a partir do Movimento Popular.

 

3 – Um Projeto de Poder no Brasil nos 13 anos de governo do PT: a Experiência, os Avanços e Equívocos e o Aprendizado

Nesse Capítulo, a partir de nove artigos escritos à época, focando os primeiros anos de governos do PT, até a “crise” financeira internacional – crise dos subprimes, quando fica caracterizada a política e a estratégia de conciliação. Com isso, busca-se resgatar o quotidiano desses governos para, com isso, reconstruir as ações de governo e a percepção crítica que o acompanhava naquele momento histórico, que estava sustentado à grande força de identidade popular com os governos do PT; mas o Movimento Socialista, em suas Forças, não estava desatento, estava limitado mas suas críticas contornavam os espaços de poder e as estruturas organizativas da classe trabalhadora. É essencial que esse quotidiano do poder e as tomadas de decisões estejam abertas, em todas as suas críticas, contradições e virtudes, para que possamos corrigir os equívocos que, em uma análise mais apurada, concorreram em parte para a ascensão da direita no Brasil. Antônio Gramsci nos apresenta uma visão de ação para essa construção, que passa também pela ação construtiva crítica de Paulo Freire: “Na política de massas, dizer a verdade é uma necessidade política”.

Portanto, essa avaliação deve, em qualquer hipótese de concepção e método, em suas premissas, apontar a repercussão e os avanços sociais que se apresentaram para a classe trabalhadora nos governo do PT. Desde a política de distribuição de renda, como o Bolsa Família, a projetos habitacionais, como Minha Casa Minha Vida, até estruturais, como Transposição do Rio São Francisco, e questões como alimentação popular, manutenção do SUS e, particularmente, criação dos Institutos Federais distribuídos em mais de 600 Campi no país inteiro e a ampliação das Instituições Federais de Ensino Superior, com a imposição das cotas, fizeram dos governos do PT eventos incontestes, fenômenos políticos e econômicos em nível mundial.

Indicadores de organizações públicas e privadas sobre os governos da Frente Brasil Popular, governos do Partido dos Trabalhadores, atestam, objetivamente, a efetividade do governo em seus resultados se comparado 2002 com relação a 2013, em valores quantitativos, são assim referenciados:

– Com relação à economia, a posição do Brasil entre as Economias do Mundo passou de 13ª colocação em 2002 para 7o lugar em 2014; a Dívida Externa em Relação às Reservas que era 557% passa para 81% em 2014. O Produto Interno Bruto que no ano de 2002 era de R$ 1,48 trilhões, passa para R$ 4,84 trilhões em 2013; per capita, o PIB passou de R$ 7,6 mil para R$ 24,1 mil; o Lucro do BNDES que era de R$ 550 milhões em 2002, passou para R$ 8,15 bilhões em 2013. O Lucro do Banco do Brasil ampliou de R$ 2 bilhões para R$ 15,8 bilhões em 2013; as Reservas Internacionais que eram 37 bilhões de dólares para 375,8 bilhões de dólares. Já o Índice Bovespa que em 2002 era de 11.268 pontos, foi para 51.507 pontos em 2013; o Lucro da Caixa Econômica Federal, passou de R$ 1,1 bilhões para R$ 6,7 bilhões. a dívida líquida do setor público que em 2002 era de 60% do PIB, passou para 34% do PIB, em 2013. O Risco Brasil, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, reduziu de 1.446, em 2002, para 224, em 2013;

– Com relação à economia interna, associada à produção, as exportações que eram 60,3 bilhões de dólares em 2002, foram para 242 bilhões de dólares em 2013; a Inflação Anual Média foi de 9,1% no governo de FHC para 5,8% no Governo Lula. A Taxa Selic reduziu de 18,9% para 8,5% e a produtividade que no governo FHC aumentou 0,3%, no governo Lula aumentou 13,2%; quanto às falências requeridas por ano, em média, passou de 25.587 para 5.795 no governo Lula. A produção de veículos, que em 2002 era 1,8 milhões de unidades, passou em 2013 para 3,7 milhões de unidades; a Safra Agrícola, por sua vez, no mesmo período, foi de 97 milhões de toneladas para 188 milhões de toneladas.

– Quanto ao impacto das políticas de governo para os trabalhadores, os empregos gerados no período do governo FHC, que foi de 627 mil por ano, foi de 1,79 milhões por ano no Governo Lula; contracenando, a Taxa de Desemprego passou de 12,2% em 2002 para 5,4% em 2013. O Salário Mínimo que em 2002 era de R$ 200, equivalente a 1,42 cestas básicas, passou em 2014 para R$ 724, equivalente a 2,24 cestas básicas. 21; convertido em Dólares, o Salário Mínimo passou de 86,21 para 305,00 Dólares. A desigualdade social, que no governo de FHC teve queda de 2,2%, no governo de Lula teve uma queda de 11,4%; a Taxa de Pobreza, que em 2002 era de 34%, em 2012 foi para 15% e a Taxa de Extrema Pobreza, que em 2003 era de 15%, foi para 5,2%, em 2012. O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que em 2000 era de 0,669, passou para 0,699, em 2005, e ficou em 0,730, em 2012. Essas mudanças repercutiram também no índice de Mortalidade Infantil referido no Brasil, que em 2002 era de 25,3 em cada 1000 nascidos vivos, para 12,9 em 1000 nascidos vivos, no ano de 2012; esses avanços foram sustentados pelos gastos públicos em Saúde, que em 2002 era de R$ 28 bilhões e foram para R$ 106 bilhões em 2013. Além disso, 38 milhões de pessoas ascenderam à “Nova Classe Média”, retirando 42 milhões de pessoas da miséria;

– Na educação, os gastos públicos em Educação, que em 2002 eram de R$ 17 bilhões, foram em 2013 para R$ 94 bilhões. Houve, no período, a criação de 6.427 creches e os estudantes no Ensino Superior passasse de 583.800 em 2003 para 1.087.400, em 2012; nos governos do PT foram criadas 18 Universidades Federais, enquanto que no período do governo de FHC não foram criadas Universidades; foram criadas 214 Escolas Técnicas no governo de Lula e 11 Escolas Técnicas criadas durante o governo de FHC, devendo-se considerar que no período de 1500 até 1994, foram criadas no Brasil apenas 140 Escolas Técnicas. Enquanto sustentação ao Setor da Educação, foram criados Programas de Estado como o Programa Universidade para Todos – PROUNI, em 2004, que distribuiu 1,2 milhões de bolsas, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC, criado em 2011, que beneficiou 6 milhões de pessoas, e a transformação do Crédito Educativo no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, que reformulado e ampliado no governo Lula, beneficiou 1,3 milhões de pessoas com financiamento universitário.

– Com relação a Políticas Públicas, o Programa Minha Casa Minha Vida beneficiou 1,5 milhões de famílias, o Programa Luz Para Todos beneficiou 9,5 milhões de pessoas, Ciência Sem Fronteiras envolveu 100 mil beneficiados, o Programa Mais Médicos, que apropriou ao Sistema Único de Saúde aproximadamente 14 mil novos profissionais, impactou em 50 milhões de beneficiados, e o Programa Brasil Sem Miséria retirou 22 milhões de brasileiros da extrema pobreza;

– Quanto à Justiça e Segurança Pública, em 2003 existiam 100 Varas da Justiça Federal e em 2010 eram 513 Varas; quanto à Polícia Federal, o governo de FHC desenvolveu 48 operações e no governo de  Lula foram 1.273 operações, com 15 mil presos;

– Sobre as empresas com intervenção do Estado, como exemplo, o valor de mercado da Petrobras em 2002 era R$ 15,5 bilhões, enquanto que em 2014 esse valor subiu para R$ 104,9 bilhões, levando a Petrobras a um lucro médio de R$ 4,2 bilhões/ano no governo FHC, para R$ 25,6 bilhões/ano no governo Lula. A Capacidade Energética, por sua vez, passou de 74.800 MW, em 2001, para 122.900 MW em 2013.

No entanto, mesmo com resultados tão favoráveis aos governos da Frente Popular, a estratégia de colaboração de classes alinhada a manutenção de uma oposição sistemática de das direitas de dentro e de fora do país, resultaram em gestões que não se efetivaram e, por reflexo da estratégia, negociaram suas administrações com setores que nunca estariam em um leque de relações de sustentações de governos com identidade de classe. Mais que isso, a negação de princípios socialistas históricos e do Projeto Estratégico do Partido dos Trabalhadores, que caracterizavam o discurso original, concebeu alianças com organizações e forças políticas de direita, liberou as privatizações, reformas estruturais, e o descontrole nacional sobre o sistema financeiro e bancário, que se pode representar pelo lucro e debêntures que ficavam nas mãos dos bancos e a remuneração da sobra de caixa.

Os apontamentos a seguir correspondem à história operacional desses governos para que, com isso, se entenda as movimentações, as repercussões, o desalinhamento com visões do Movimento Socialista e o interesse dos trabalhadores e as consequências de tal estratégia adotada pelos governos da Frente Popular.

 

3.1 – 2002 e a conjuntura pré eleitoral: Carta ao Povo Brasileiro, a negação da luta de classes

A discussão parecia estar consolidada para uma boa parte da esquerda, mas a discussão nem tinha começado, a experiência provou o contrário.

Como referência, sem querer contestar a avaliação interna que permeava a FASUBRA, tese, antítese e síntese não se encontravam, mostravam-se não consequentes frente à realidade. Naquela época admitia-se avaliação e a tática central em documento: “ …Todos sabemos que para que nosso projeto tenha consequência é necessário que os trabalhadores e trabalhadoras organizem-se e adquiram consciência de classe necessária para o rompimento com o sistema burguês. Nesta luta organizativa não podemos prescindir da disputa institucional elegendo governantes comprometidos com os interesses verdadeiros da população brasileira e não com os ditames do FMI e dos grandes conglomerados nacionais e internacionais. As contradições da “democracia burguesa” nos coloca um campo de disputa política importante. …”

Ora, quem afinal era coerente em concepção e estratégia sob o ponto de vista de classe?

As candidaturas do Partido dos Trabalhadores, pelo Projeto de Governo “Carta ao Povo Brasileiro”, aliança com os liberais e pelas posições de compromisso colocadas, afirmavam que a Estratégia de Governo estava centrada em uma visão que desconsideraria a estrutura da sociedade em classes – negava o embate de classes; por consequência, propunha a fusão da burguesia com o operariado, como se fosse possível. Nas questões centrais, como ALCA e relação com o FMI, defendia a acomodação e manutenção no sistema de relações a partir de reformas estruturais que não enfrentavam a conjuntura e os interesses de classe; nestas questões, sugeria alterações de forma e inserção.

 

3.2 – A Aliança com o PL

Naquele período era difícil influenciar para que o Partido dos Trabalhadores fosse instrumento da classe trabalhadora e revolucionário. Fomos derrotados na disputa interna, com a concretização da coligação com o PL, a partir do Diretório Nacional: 43 votos a favor, 24 contra e 2 abstenções. PL que é a expressão da burguesia nacional, que discutia com Maluf em São Paulo e com Collor em Alagoas, que se sustentava pela submissão, no conformismo alienante e doutrinário da Igreja Universal. Concluímos, não era o PL, estava no PT o problema!

Como poderíamos chamar enfrentamento à burguesia e seguirmos defendendo as posições do Partido? Era essa a questão central. A simplificação da conjuntura era quase grosseira, e com certeza Projetos Revolucionários, Marxistas-Leninistas, também estavam sendo desconsiderados grosseiramente. Estavam novamente sendo ultrajados os princípios de classe que tanto muitos defendiam. As posições autoritárias e reformistas, que refletiam a posição majoritária do Partido, cada vez mais se apresentavam como sendo a “cara” do Partido.

Algumas perguntas se repetiam:

– o que fazer, camaradas? Muitos admitiam a derrota da viabilidade de um projeto revolucionário para o Partido, devendo seguir em alguma frente na luta do Movimento Socialista.

– que Partido era esse, que homologou a candidatura de seu candidato a Presidente com apenas 2000 pessoas e que foi responsável por agressões em adolescentes que protestavam, impedindo a notícia para os meios de comunicação;

– Que classe defendia o Partido, quando chamava de preconceito a vaia contra um representante da burguesia, o próprio José Alencar;

– Que candidato da esquerda poderia dizer, como foi feito, que não iria falar mal dos adversários como Fernando Henrique Cardoso, legítimo representante da burguesia internacional.

Tínhamos convicção de que Um verdadeiro projeto de nação para o Brasil deveria incorporar, simultaneamente, e de modo articulado, um conjunto de ações: inclusão social, enquanto um eixo do desenvolvimento; equilibrar a questão federativa; aprofundar a democracia, sustentando uma efetiva cidadania política por meio de um Estado democratizado, ágil e desprivatizado, dotado de autonomia para a formulação e a gestão da política econômica nacional e da regulação social dos mercados. Precisávamos desenvolver políticas dirigidas a reduzir de modo significativo a dependência e a vulnerabilidade externas, que ofereciam restrições à retomada e sustentação do crescimento econômico.

Mais que isso, tínhamos que tratar dos desequilíbrios gerados pela abertura comercial, através da revisão  das  estruturas  tarifárias, tributárias, fiscais e cambiais, que em conjunto com uma  política  de  defesa comercial  protegeriam o país contra práticas desleais de concorrência, transferências de riquezas e agressões econômicas e a preservar os interesses nacionais. Além disso, precisávamos regulamentar a abertura do setor financeiro, redefinir o sistema  bancário e as ações do sistema financeiro nacional.

Quanto à dívida externa, pública e privada, tínhamos a convicção que não se resolveria a questão da pobreza se não intervíssemos a partir de um Auditoria Pública das Dívidas. Segmentos como energia, saneamento, educação, saúde, infraestrutura, entre outros, necessários para sustentar a vida dos trabalhadores, deveriam ser preservados públicos. Era necessário declarar à sociedade brasileira e mundial uma visão estratégica de longo-prazo.

Dessa forma, o modelo de desenvolvimento a ser adotado pelo governo democrático e popular no Brasil estaria sustentado num novo contrato social e no compromisso estratégico com os direitos humanos e na defesa de uma democratização estrutural do país. Esses eram pressupostos para a transformação nas bases do Brasil para avançar em direção ao socialismo, estratégia essa original do Partido dos Trabalhadores.

 

3.3 – Os Primeiros Cinco Meses de Governo

O perfil político das ações de um governo deve, sem dúvida alguma, estar referenciado na capacidade deste de garantir condições sociais dignas. Naturalmente, a compreensão deste estágio vem a partir da leitura da orientação política do governo e de indicadores que expressavam as demandas sociais existentes; muitos destes indicadores são números, que carregavam as determinações políticas adotadas.

A política mais apropriada para um Estado, portanto, deve estar focada não no consumo, mas na capacidade do trabalhador garantir o sustento de sua família, com o Estado regulando e assistindo à saúde, à educação, à habitação, .. e controlando a economia. Por conseqüência os indicadores mais adequados são os de educação, de saúde e o chamado “nível de emprego”, elemento que identifica a situação da classe trabalhadora a partir da verificação do número de postos de trabalho, de empregos e de trabalhadores desempregados.

Cinco meses de governo de Lula, de PT, PL, PMDB, PcdoB, PDT e demais aliados, e os números são no mínimo aterrorizadores. A proposta de campanha de Lula era de 10.000.000 (dez milhões) de novos empregos em 4 anos de mandato. Para um governo que antes mesmo de se dizer socialista, como se dizia, afirmava como sendo ético e sem bravatas, a média de criação de postos de trabalho mensal deveria ser de 200.000 (duzentos mil) novos postos de trabalho. No entanto, nos 5 primeiros meses de governo aconteceu o inverso: conforme o IBGE, aumentou em 580.000 o número de desempregados; de abril para maio, 100.000 trabalhadores perderam seus empregos; em maio, 2.700.000 (dois milhões e setecentos mil) brasileiros procuraram trabalho em seis regiões metropolitanas do país (em dezembro este número era de 2.120.000). Quanto aos salários, a renda média do trabalhador caiu 14,7% em maio, com relação ao mesmo período de 2002, sendo que teve uma queda de 9,4% em relação a dezembro de 2002, o que representa um aumento de 27,5% no desemprego no país nos primeiros cinco meses de governo de Lula.

Se formos verificar outros indicadores de desempenho do governo, houve o chamado “desaquecimento” da economia, com o comércio varejista desabando em cima da escandalosa taxa de juros da economia de 26,5%. Quais foram as realizações em educação, previdência e saúde que permitiram um lucro recorde dos bancos?

– Nos cinco primeiros meses de Lula foram remetidos pelo governo a Bancos, a título de juros da dívida, mais de R$ 65.000.000.000,00 (sessenta e cinco bilhões de reais).

A reação popular quanto ao equívoco das políticas adotadas pelo governo podia ser sentida. Em pesquisa realizada pelo Ibope, no mês de junho, a aprovação do governo caiu de 51% para 43%, o que expressava o aumento do contingente de brasileiros que acreditam que o governo está de regular a péssimo. Para as Instituições Públicas e para os Servidores Públicos, a proposta de Reforma da Previdência do Governo de Lula desmontara a estrutura de Recursos Humanos e o sistema previdenciário público, e desconsiderava o direito e a justiça para com os Trabalhadores, defendida historicamente pelo Partido dos Trabalhadores – propondo:

  1. o “aumento da idade mínima para aposentadoria” – pela alteração das regras de transição em vigor;
  2.  a alteração do “cálculo para aposentadorias e pensões” – estabelecendo teto de R$ 2.400,00;
  3. a diminuição do valor das “pensões” – que terão valor reduzido a no máximo 70% do salário do que recebia o Servidor quando vivo;
  4. a “previdência complementar” – que nada mais é do que a privatização do sistema previdenciário e a transferência da responsabilidade do Estado;
  5. o fim da “paridade entre ativos e aposentados” – o que coloca os trabalhadores que se dedicaram a vida às funções do Estado como cidadãos de categoria rebaixada;
  6. a “contribuição sobre aposentados e pensionistas” –cobrando pelo que já foi pago quando na ativa;
  7. que  a “quota do Estado para a sustentação do sistema previdenciário” continuará não existindo –  o que de novo é injusto e “justifica” a privatização do sistema.

Como se não bastassem as reformas propostas pelo governo de Lula – Previdenciária e Tributária – uma próxima já estava programada: a trabalhista. O Banco Mundial chegou a enviar a proposta dos banqueiros internacionais ao governo de Lula, que a “encaminhou”  para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES. No bojo das propostas estavam a elevação da contribuição previdenciária dos Servidores públicos de 11% para 14%, a desvinculação do piso dos benefícios previdenciários do valor do salário mínimo e o fim da indenização de 40% sobre o FGTS nas hipóteses de recisão imotivada do contrato de trabalho – mudanças que seriam suficientes para auxiliar “as metas do programa de assistência financeira ao Brasil”.

Destacavam-se, nesta proposta, duas questões centrais: no que se refere aos Servidores Públicos – a elevação da contribuição previdenciária, que responde aos interesses dos agentes financeiros internacionais na privatização e a absorção das receitas advindas das contribuições dos beneficiários do sistema; quanto às relações de trabalho dos trabalhadores das empresas privadas, a extinção da indenização de 40% sobre o FGTS subtrairia de vez o único mecanismo de proteção do emprego dos trabalhadores.

 

3.4 – 10 meses de Governo Lula: O Governo, a Classe Trabalhadora e o Movimento Socialista

A conjuntura estabelece perspectivas não experimentadas para os trabalhadores brasileiros na sua trajetória de enfrentamentos com a burguesia. A perspectiva de um governo de Lula apontava na direção que o PT historicamente orientava, de luta contra o imperialismo a partir de um projeto estratégico democrático-popular que engendrava a perspectiva socialista e a ruptura com o modelo dominante. Esta direção referenciou as esperanças e despertou as massas para uma possibilidade concreta de disputa pelo poder do Estado pelos trabalhadores. Não era só a esquerda que detinha esta perspectiva, mas a própria direita em sua rejeição e enfrentamento alimentava o projeto de esquerda projetado pela Frente Popular, hegemonicamente controlado pelo PT.

Lula toma posse e chama para seu entorno todos segmentos, oferecendo espaço aos fisiológicos, aos reformistas, aos oportunistas e chama também a própria direita na construção do pacto por reformas, que nada mais é do que a traição aos princípios antes declarados. Começa a se conformar a nova governança do Estado. Imediatamente, já podem ser caracterizadas as suas ações e as políticas que desenvolve: neoliberal, antipovo e anti-socialista – são as conceituações mais clássicas que são identificadas com a concepção adotada pelo governo para o Estado Brasileiro. Assim, o governo Lula se colocou como elemento de aliança entre as burguesias nacional e das nações capitalistas, de forma a “amaciar” a penetração do poder capitalista na América Latina, a partir do mais forte país da América Latina: o Brasil.

A estratégia está colocada na idéia que o governo tenta consensuar da necessidade de uma democracia forte, salvaguardando o Estado, o que nos leva a questão central: salvaguardar o Estado de que? que Estado é esse?

– É o Estado de uma burguesia que precisa se impor à nação e, por isso, necessita de uma estrutura jurídica complementar ao poder político, e o governo social-democrata de Lula oferecia a legitimidade e a legalidade para o controle necessário do Estado pela burguesia. Desta forma, não se pode esperar que esses governos iriam abrir espaço político amplo para a classe trabalhadora, nem aos contestadores históricos por liberdade e fim das desigualdades.

Internamente, as visões do governo eram apresentadas a partir das Reformas do Estado que propunha, e com elas instala o que entende por instância representativa da sociedade, assessora e consultiva para o governo: o Conselho de Desenvolvimento Social – CDS, com uma composição majoritariamente expressa pelas elites de empresários, banqueiros e por representantes do conservadorismo e da direita.

Vem a reforma da previdência, onde o governo nega uma auditoria necessária para a avaliação objetiva do problema e define como meta responsabilizar os trabalhadores públicos como elementos “quebradores” do sistema existente. O governo propõe transferir as responsabilidades do Estado e vai na direção de privatizar a previdência, penalizar servidores da ativa e aposentados e sucatear a infraestrutura pública.

Com a reforma tributária, o governo nem toca no imposto de renda, na isenção e desoneração dos trabalhadores, na CPMF ou na reprodução do capital pelo capital.

Quanto à economia, o governo cria a autonomia do Banco Central e do sistema financeiro, fazendo com que o Estado não consiga gerenciar a economia brasileira, o que coloca as políticas do Estado e as demandas sociais como refém das vontades do “mercado”; mantém a concepção de Estado de acordo com os moldes capitalistas, com ingerência e determinação mínima, condicionando a economia aos fatores determinados por este mercado. Em decorrência, os financiamentos ficam atrelados a acordos expropriadores dos bancos e os juros e empréstimos referenciam-se como moedas de troca entre interesses de BALANÇA COMERCIAL.

A penosa condição para os trabalhadores das mesas de negociação com os patrões é tida como base para a reforma trabalhista, o que potencializa mais ainda a desigualdade existente na relação capital trabalho. O governo joga a questão do emprego como elemento alheio às estruturas do Estado e submetido a uma desregulamentação que só serve aos controladores dos meios de produção. Não seria a diminuição artificial da jornada semanal proposta pelo governo que impulsionaria o aumento de número de postos de trabalho ou resgataria as péssimas condições de trabalho dos brasileiros.

E nesta clássica fórmula pregada pela corrente articulação no fim da década de 80, das mesas de negociação, e com uma reforma sindical frágil, o governo enfraqueceria a capacidade de enfrentamento dos Sindicatos, não pelo fim do imposto e da unicidade sindical, mas pela desorganização do trabalho, pela desregulamentação das relações de trabalho, pela não interferência do Estado e pela informalidade admitida pelo governo e exigida pelo capital nacional e internacional para “investir” no Brasil.

Quanto ao FMI e à ALCA, a realidade é dura: o governo admite como prática política a submissão às estratégias destas organizações. As assinaturas de acordos e compromissos – para antes do fim deste governo (2005), refletem plenamente os interesses dos banqueiros internacionais, bem como o atendimento à estratégia expansionista norte-americana, marcando o aprofundamento da dependência econômica e política que estava se colocando para o nosso país. Na política para a América do Sul, o governo está se prestando novamente como apaziguador moderado para os conflitos políticos e econômicos, colocando-se como elemento de “equilíbrio” para a encampação dos mercados da região pela burguesia internacional, embora devam ser ressaltadas o papel importante de apoio que tinha com relação ao Uruguai, à Venezuela, Equador, Chile e Bolívia, e também no posicionamento com relação ao Peru e Colômbia.

Por outro lado, na questão dos transgênicos, muito similar ao projeto norte-americano dos anos 70 – aliança para o progresso, que impôs a aquisição das culturas híbridas de grãos no Brasil, o que criou uma extrema dependência científica e tecnológica das empresas daquele país, foi um grande atropelo às posições históricas dos movimentos de esquerda e proporcionou a definitiva introdução dessa biotecnologia comercial no Brasil. Os transgênicos terminaram por introduzir novos venenos, novas pestes, novos defensivos, “nova” flora, “novos” animais, “novo” ecosistema e, talvez, um trabalhador e uma trabalhadora deformados. O próprio PT condenou os transgênicos, em nota oficial do partido em 1999.

Com relação ao meio ambiente, a contradição ficava por aí: as ações tiveram mais repercussões e impactos, como por exemplo a liberação da importação de pneus usados de outros países, um lixo de reciclagem muito pouco desenvolvida no país e de grande contaminação do meio ambiente, um lixo que outros querem se livrar.

Quanto ao campo e à Reforma Agrária, o governo agia com uma formalidade institucional surpreendentemente conservadora. A opção pela legalidade burguesa, a visão de reforma agrária como política apaziguadora dos conflitos e a não admissão das teses do MST para a ocupação e uso da terra levou o governo a ações de desrespeito histórico aos “antigos companheiros” e de ataque aos trabalhadores, que vão da negação da sustentação política dada pelo MST até ao indiciamento e prisão de seus líderes.

Na questão da educação, a opção pela dependência científica e tecnológica. mesmo com toda a ampliação do Sistema Federal, ficou bem escrachada na Reforma do Ensino Superior em 2003, assinada por Tarso Genro, cópia quase literal do documento “La Enseñansa Superior – El Desarrollo en la Practica – Las Lecciones de la Experiencia” do Banco Mundial, Whashington 1995. Além disso, a adoção de modelos de cartilhas pelo MEC e o investimento em ensino à distância tornaram-se políticas permanentes; no entanto, o grande aumento de instituições privadas de ensino superior, sustentadas pelo FIES, por exemplo, alavancaram para que apenas uma empresa privada de educação superior tivesse o mesmo número de alunos de graduação (Kroton-Anhanguera) que todo o Sistema Federal de Ensino Superior, o que representou o incentivo à política do investimento do setor privado no sistema de mercado de ensino superior. O que mais chama a atenção é a submissão aos interesses de países como os Estados Unidos, que fazem da dependência científica e tecnológica uma estratégia para a dominação dos povos. Em sua estratégia de expansão do ensino, o governo desconsiderou que a dependência de conhecimento compromete a autodeterminação da nação, em nível estratégico e, sob o ponto de vista prático, compromete a renda dos trabalhadores, o emprego, as culturas nativas, sendo, a substituição tecnológica desalinhada à conjuntura social, responsável pela  submissão do povo a um projeto de nação e de desenvolvimento que não é o seu, aniquilando os interesses de classe.

Cabe, nesse momento, recorrer à compreensão de Lênin no livro Karl Marx e o Desenvolvimento Histórico do Marxismo, quando trata do caráter do desenvolvimento do conhecimento na visão da burguesia: “Inútil falar da ciência e da filosofia burguesas, ensinadas escolasticamente pelos professores oficiais para embrutecer as novas gerações das classes possuidoras e amestrá-las contra os inimigos de fora e de dentro. Esta ciência não quer nem ouvir falar de marxismo, declarando-o refutado e destruído; tanto os jovens homens de ciência que fazem carreira refutando o socialismo, como os velhos decrépitos, guardiães dos legados de toda a espécie de sistemas caducos se lançam sobre Marx com o mesmo zelo”.

Quanto à concepção de Estado, quanto aos Serviços Públicos que o Estado deve garantir e com relação aos Servidores Públicos, o governo claramente se colocou na visão de que o Estado deve ser mínimo, da saúde à previdência, da educação à relação de trabalho, da interferência e controle ao assistencialismo. Isto leva a continuação da política de transferência de responsabilidades do Estado para os meios privados, o que corresponde dizer a cessão de grandes filões de mercado para as empresas privadas, como energia, comunicação infraestrutura, entre outros, o que nada mais é do que o exigido pelos acordos internacionais (FMI, BM, OMC, …).

Na política institucional, as opções de transitar pela direita e as alianças com partidos tradicionalmente capitalistas impôs ao governo escolher líderes como Michel Temer, líder brasileiro da maçonaria de São Paulo, e representantes das políticas como José Sarney, ambos responsáveis por aprofundar a miséria dos trabalhadores e a entrega do país; desta forma, potencializando as negociações deste mercado político nas concessões e compras de apoios, fazem de estruturas da sociedade moedas de troca, como é a concessão de parte do sistema elétrico do nordeste para Jader Barbalho. Na sua relação com os movimentos sociais, a posição do governo no caso dos “arquivos do golpe militar de 1964” deixa claro que se o governo tiver de escolher, não será com os militares ou com as elites que irá se indispor. Quanto ao futuro, já poderímos fazer afirmações de que este governo rumaria à reeleição apoiado pela ampliação de sua sustentação capitalista, que vai desde a vice-presidência com o PMDB até ao aprofundamento do programa socialdemocrata explicitado na carta aos brasileiros, aprofundando seu  programa classicamente reformista.

Mas a grande questão ainda estava para ser colocada. Sob o ponto de vista do Movimento Socialista, este governo e a Frente Popular representaram, nas últimas duas décadas, a possibilidade, o instrumento, a esperança quanto à conquista do Estado pelos trabalhadores, referência nacional e internacional para os socialistas. O PT constituiu-se como gerador e responsável por um projeto estratégico de tomada do poder e pela promoção de alterações da conjuntura a partir de um programa de governo democrático-popular. Hoje, no entanto, representa o continuísmo: sua política é a mesma dos representantes das elites. Para a classe trabalhadora esta perda de referência começava a significar mais que a derrota de um projeto e a construção de um novo. O governo de Lula estava deixando marcas de deslealdade e de desesperança. O atraso a que submetia a classe operária organizada e ao Movimento Socialista, pela redução de anos de militância dos trabalhadores a uma frustração, via-se que poderia ter por consequência um refluxo organizativo dado principalmente pela desconfiança gerada na falta de compromisso deste governo com a luta de classes e abandono de seus princípios.

Em contrapartida, a ausência de objetividade dos intelectuais da esquerda no esclarecimento da conjuntura aos trabalhadores, fez com que as alternativas a este governo e a sustentação ideológica da luta de classes fossem abafadas pelos apelos emocionais de Lula e de seus escudeiros de governo, internos e externos ao PT. Ao não esclarecer e subsidiar os trabalhadores, os intelectuais deixam passar o momento de se posicionarem frente à conjuntura discutindo elementos importantes do cenário político, necessários à compreensão do desenvolvimento do capitalismo. Octavio Ianni, em seu livro Dialética e Capitalismo, coloca bem a necessidade de apropriar os trabalhadores nestas conjunturas: “As relações capitalistas de produção escondem, sob a aparência de um contrato entre iguais, uma troca desigual. Essa é a relação de onde arranca o antagonismo do proletariado contra a burguesia. À medida que a burguesia se impõe ao proletariado, ao impor-se o domínio do capital sobre o trabalho, ou do trabalho objetivado sobre o vivo (trabalho que cria valor), o proletariado vai se apercebendo dos movimentos reais que definem a sua condição.” Mas se os trabalhadores não tomam consciência das relações que definem a sua situação, que ocorre pelo embate ideológico nas próprias lutas, como esperar a construção de uma alternativa socialista? a alternativa socialista surgirá dos gabinetes dos intelectuais?

O que se via, portanto, já naquele momento, é que a intelectualidade marxista tinha a função urgente de esclarecer aos trabalhadores que a burguesia hoje está empenhada na defesa final da ordem capitalista, travando uma batalha de sobrevivência na defesa da propriedade, da empresa privada e do lucro, e que este governo está servindo como elemento garantidor para as políticas dos interesses, capitalistas na América Latina. Uma parcela importante do Movimento Socialista, naquele momento, entendia que caberia aos socialistas continuarem enfrentando as políticas da burguesia, resistirem ao governo de Lula e seu projeto reformista e articular e aglutinar as forças atuantes para, com isso, garantirem a direção da luta na visão de classe dos trabalhadores.

 

3.5 – 18 Meses de Governo Lula: Exemplo de Subserviência – Salário Mínimo: R$ 260,00

Três falas importantes, dos que representavam naquele momento a política do governo e de um militante petista:

– Almir Lando (PMDB), Ministro da Previdência, afirmou que não há dinheiro (7 ou 8 bilhões de reais) para fazer justiça com os aposentados – que foram tungados pelos governos anteriores. Entretanto, o governo reserva mais de R$ 100 bilhões para os juros de uma dívida que, quanto mais pagamos, mais cresce;

– Palocci, Ministro da Fazenda, não contente com a manutenção do superávit primário em 4,25% do PIB até 2009 (para “honrar compromissos” com os banqueiros “credores”) e se não bastasse um orçamento que subestima as necessidades da saúde, da educação, da moradia, da reforma agrária, do saneamento básico, ainda exige que o governo bloqueie 1/3 (um terço) dos míseros 12 bilhões de reais destinados aos investimentos para o ano de 2004. A ironia está na afirmação do próprio Palocci: “os R$ 8 bilhões que não serão bloqueados já são muito dinheiro em comparação com (o que foi aplicado em) 2003”. Ou seja, Palocci reconhece que, em 2003, foi quase nada para investimentos e que agora há um pouquinho a mais que nada;

– Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e membro da coordenação da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo): “Enquanto o governo revela que está preocupado em “honrar os compromissos com os credores”, “recusa-se a manter seus compromissos e a ser fiel com seu povo que espera as mudanças clamadas há muitos anos”. Se R$ 8 bilhões para investimentos é muito dinheiro, na opinião do ministro, está claro que o governo não está nem um pouco interessado em promover o tal espetáculo de crescimento. Só na “conversa pra boi dormir”.. Sua única e real preocupação está no envio dos mais de 100 bilhões para os pobrezinhos dos banqueiros.”

Naquele momento se colocava a Reforma da Previdência proposta pelo governo, onde continha Extinção de Direitos. Importante manifestações, como o discurso da então Senadora Heloísa Helena na votação da reforma: “Vou votar como o PT votou seis vezes: contra a taxação dos inativos. Vou votar contra a reforma da Previdência dos trabalhadores do setor publico, porque o PT votou contra. O PT combateu, em 1998, quando o Fernando Henrique a apresentou. Vou votar contra essa reforma da Previdência, porque ela não faz nada pelos filhos da pobreza, pelas crianças que entram mais cedo no mercado de trabalho. Ela não faz nada pelos excluídos, pelos filhos da pobreza, pelos marginalizados! Ela não faz nada, Sr. Presidente! Por isso, sinto-me na obrigação de votar contra essa reforma da Previdência.”

Resultou que o Senado aprovou a reforma da Previdência, por 55 votos a favor e 25 contra. Foram seis votos a mais do que o mínimo necessário de 49 para a aprovação de uma emenda à Constituição. A vitória do governo só foi possível graças ao apoio do PSDB e do PFL, que juntos deram 13 votos favoráveis à proposta. Com o objetivo de garantir a aprovação da reforma da Previdência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonou pessoalmente para senadores que resistiam em votar a favor do governo. Nem mesmo os senadores de oposição escaparam do assédio presidencial. O senador Romeu Tuma (PFL-SP) foi um dos que receberam um telefonema de Lula tentando convencê-lo a mudar de voto. Tuma não se sensibilizou e manteve o voto contrário. O senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) também conversou com Lula por telefone. Pela manhã, na votação do requerimento para agrupar emendas, ACM votou contra. Mas, à tarde, na votação da reforma, foi favorável ao governo, como era esperado. A operação para assegurar a vitória do governo passou ainda pela liberação de recursos orçamentários. Segundo o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), a senadora Maria do Carmo Alves (PFL-SE), um dos sete votos favoráveis do partido, conseguiu R$ 24 milhões para Sergipe, governado por seu marido João Alves.

Na economia, vislumbrava-se a Verdade dos Resultados. A partir do início de 2004, findo o primeiro ano do governo Lula, estatísticas fechando, os jornais começam a estampar as manchetes: brasileiro compra menos alimentos em 2003; Consumo doméstico que crescia há dez anos, fica estagnado em 2003;  com Lula, renda cai e desemprego cresce; indústria tem o pior desempenho desde 99; total de subocupados cresce 42,5% em 2003; economia encolhe no primeiro ano de Lula; PIB tem a primeira queda desde 92; consumo de famílias tem queda recorde; investimento sobe em ritmo de conta-gotas; gasto social não aumenta com Lula; desemprego em São Paulo volta em nível recorde; região metropolitana de São Paulo tem 2 milhões de desempregados. Por outro lado, contracenavam notícias: aperto fiscal supera meta com o FMI; gasto com juros é recorde; Brasil é 4.º colocado em gasto com juros; Brasil tem juros mais altos entre os emergentes; carga tributária aumenta na gestão Lula; Lula faz maior aperto fiscal da história; país investe pouco e tem aperto fiscal recorde. Mas, apesar disso, o que se tinha eram outras notícias sobre as políticas de governo: País ainda é vulnerável, diz FMI; investimento externo direto é o menor desde 1995; Superávit não paga nem metade dos encargos da dívida do país; risco-país volta a ficar acima de 500 pontos; Standard & Poors vê vulnerabilidade no Brasil; Brasil sofre com temor de juros maior nos Estados Unidos;  JP Morgan rebaixa Brasil e risco-país sobe; Risco-Brasil tem a maior alta em 17 meses; economia brasileira segue frágil, diz BID. Ou seja, nem os capitalistas tinham acordo com as políticas do governo e queriam mais.

Contracenando, com as opiniões oferecidas pelos meios comunicação, a realidade apontava para os resultados dessa política: instituições financeiras obtêm resultado 6,7% maior em 2003; sete maiores bancos lucram R$ 13,4 bilhões; tarifas bancárias sobem mais que inflação; spread brasileiro é o maior do mundo; investidor ganhou com ortodoxia do PT; Tesouro cede, resgata títulos e ajuda fundos. E, nesse ambiente, Palocci anunciava que ajuste fiscal iria continuar neste e nos próximos anos e que a política monetária não mudaria, sustentado por lula que a Política Econômica não mudaria. Nesse sentido, Leda Maria Paulani, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo refletia: “Hoje, maio de 2004, fica mais claro que nunca que não se tratava em absoluto de tática,como apregoavam, de tapar o nariz e fazer uma política amarga, odiosa, mas necessária para salvar o país. Ao contrário, tratou-se de uma escolha deliberada, de manter o Brasil enrredado na mesma armadilha externa, desde que isso não colocasse em risco o projeto de poder do PT… Não é à toa, então, que, em apenas um ano de governo Lula, já se cogitem outras formas de luta e mobilização da esquerda: novo partido (que alguns querem apenas parlamentarista), federação de movimentos sociais, organização do contrapoder popular,  difusão de núcleos de reflexão e ação socialista etc…”

César Benjamin, autor de A Opção Brasileira, previa tal política: “Estamos diante de uma tragédia de proporções e consequências ainda imprevisíveis para o futuro do Brasil. Pois, em condições tão propícias, sob inspiração das forças de esquerda, instalou-se um governo rastejante e inqualificável, sem projetos, sem coragem e sem sonhos. Desde o início ele se dedicou metodicamente a desmobilizar e desmoralizar sua própria base social. Na economia, jogou-se alegremente nos braços da especulação financeira e, na política, do fisiologismo vulgar. Prostrou-se diante do FMI e do sistema financeiro internacional. Sem esboçar nenhuma resistência, continuou a obra de destruição do Estado e de dilaceração da sociedade nacional. Nosso problema não é mais decifrar aquilo que, em artigo anterior, chamei de “enigma Lula”. Ele está decifrado. Fede. O problema é olhar para a frente. Nos próximos anos, sob a chancela de um Lula fraco e de um PT desfigurado, poderemos assistir aos maiores retrocessos da nossa história. A “reforma” da legislação trabalhista está posta na mesa. A criação da ALCA paira sobre nossas cabeças. A autonomia legal do Banco Central já foi diversas vezes anunciada. O parlamentarismo poderá vir a ser ressuscitado. Nunca foi tão necessário reagrupar as forças progressistas brasileiras para evitar o pior. E lutar. Apertem os cintos. O governo sumiu.”

O Brasil estava sendo gerido por Lula a partir de princípios e análises economicistas, traduzidas em fórmulas e estatísticas descomprometidas com um projeto de Estado socialmente capaz de atender às demandas de desemprego e, principalmente, às desigualdades sociais e a pobreza. A lógica de PIB adotada pelo governo, mesmo que vista por um administrador capitalista, por não se sustentar em desenvolvimento científico e de tecnologias nacionais, domínios que seriam capazes e responsáveis por resgatar níveis de emprego e de salários com distribuição de renda compatível com as necessidades do Estado brasileiro, fez com que o escândalo da subserviência aos ditames capitalistas fossem a base de sustentação do governo, seja pelas dependências que aprofundou como também pelas ações antipopulares que adotou.

Dívida externa, e eterna, e a opção de Lula por manter e ampliar seus pagamentos esdrúxulos, com a manutenção de saques internacionais sistemáticos, como o feito pelo governo em junho daquele ano, de 427 milhões de Euros com o BIRD, de Palocci, para prover de estrutura a logística do Brasil (exigência feita por investidores internacionais), resultou por sucatear ainda mais o dinheiro dos trabalhadores. Mas não é só isso: tem o destino do dinheiro gerado por nossa produção, que escoava para os países que controlam e desenvolvem a ciência e a tecnologia de produtos e serviços utilizados no Brasil, engrossando o PIB e o lucro dos capitalistas internacionais. De acordo com o Word Economic Outlook – relatório divulgado pelo Fundo Monetário Internacional, que apresentava uma análise de 179 países, o desempenho do PIB brasileiro em 2003 ficava em 165°. Já a Argentina, cujo PIB cresceu 8,7% no ano de 2003, ficou em 13°. No ranking das treze maiores economias da América Latina, o desempenho do PIB brasileiro ficou na penúltima colocação, perdendo apenas para a Venezuela, um país que já vivia em acentuado caos econômico e social e cujo PIB decaiu 9,2% em 2003 graças à greve geral que tomou o país no começo do ano. No lado oposto estavam Argentina (+8,7%), Costa Rica (5,6%) e Panamá (+4,1%). Apesar das projeções do FMI revelarem na época um otimismo para a economia mundial em 2004, o desempenho da economia brasileira não conseguiria seguir o mesmo caminho. Enquanto o Fundo projetava um crescimento de 4,6% para o mundo e de 3,9% para América Latina, a projeção para o Brasil ficava em 3,5%. Em 2005, o crescimento brasileiro novamente ficava abaixo do mundial (4,4%) e do latino-americano (3,7%), atingindo 3,5% segundo projeção do FMI. Mesmo com o otimismo no mercado doméstico e a expectativa de crescimento acima de 3% em termos de América Latina, a o Brasil ficaria superior a Paraguai e Guiana, ficando atrás de Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, Equador, Suriname, Bolívia, entre outros.

É certo que foram muitos anos de um discurso oficial apaziguador, nos quais o desempenho insuficiente era justificado como sendo “o mal necessário para a construção de um futuro mais próspero”. Enfim, anos de uma dosagem exagerada de política econômica que acabou por agravar os principais problemas da economia brasileira: endividamento público e consequente redução do nível de poupança interna em um cenário de manutenção da vulnerabilidade externa. Nas palavras do FMI naquele momento apontava que “a alta dívida pública – cerca de 80% do PIB em termos brutos – permanece sendo uma vulnerabilidade significativa, particularmente no evento de uma deterioração das condições do mercado financeiro ou de deslizes políticos que minem a confiança do investidor”.

No entanto, a permanência desse Estado gerenciado para terceiros, sem a construção de respostas às questões estruturais e conjunturais das demandas dos trabalhadores, naturalmente leva à compreensão dos cidadãos e cidadãs de que o governo de Lula está próximo dos outros governos, justamente porque não há diferenciação quanto ao seu caráter. A aprovação do governo de Lula, com isso, também se torna muito próxima a dos governos anteriores e já demonstra o quanto é antipopular. O instituto de pesquisas SENSUS divulgou, 22/junho/2004, os resultados da pesquisa de popularidade do presidente Lula e aprovação do governo, encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Os resultados revelam que houve nova queda tanto na popularidade do presidente Lula quanto na aprovação de seu governo. A popularidade do presidente caiu de 60% para 54,1%. Já o resultado dos que desaprovam o desempenho de Lula subiu de 32% para 37,6% dos entrevistados. Ou seja, a diferença entre a avaliação positiva e a negativa caiu de 28 p.p. para 16,5 p.p. Em relação à aprovação do governo, os entrevistados que avaliam o desempenho como positivo ficou em 29% contra 34,6% apurados na pesquisa anterior. Já entre os que avaliam como negativo o desempenho do governo as respostas subiram de 20% para 24,1%. Entre os que avaliam como regular o desempenho governo o percentual de respostas ficou relativamente estável (44,2%). Ou seja, também na avaliação do governo houve redução do espaço entre a avaliação positiva e a negativa, de 14,6 p.p. para 4,9 p.p.

Nesta pesquisa, segundo analistas da Global Invest, muito provavelmente os fatores que pesaram para a queda da aprovação do governo e popularidade do presidente foram:  mercado de trabalho ainda em compasso de espera – em abril foi registrada taxa de desemprego recorde e queda do nível de renda após três meses consecutivos de alta; questão do reajuste do salário mínimo, já que a opinião pública criticava o reajuste do mínimo para apenas R$ 260; ou seja, avalia as promessas de campanha e o quanto dá para comprar com um aumento de apenas R$ 20, visto que para essa faixa de renda o peso está na quantidade (R$) do reajuste e não na qualidade (%). Vale ressaltar que a cada nova pesquisa de popularidade que mostre queda, a frágil e fisiológica base de apoio do governo sucumbe ainda mais, em ano eleitoral.

Temos de convir, aquele era um resultado normal, porque mesmo o governo garantindo a política econômica das elites, não tinha sequer seu retorno em sustentação política; na verdade, as elites sempre estavam com o controle. È Possível, no entanto, que o marketing de Duda Mendonça e ações oportunistas eleitorais, como a remessa de recursos públicos federais para as prefeituras da base do governo, queriam manipular a satisfação dos trabalhadores quanto a esse governo, mas não seria pelo quanto suas políticas estão se caracterizando como a favor dos trabalhadores, prática adotada normalmente pelos partidos do poder, como PMDB.DE DO

Nessa conjuntura, movimentações e organizações de esquerda reivindicavam um Plano de Luta para a Ofensiva dos Trabalhadores no Governo de Lula:

– O governo de Lula deveria resgatar as concepções históricas dos trabalhadores e, nos seus 30 meses finais de governo, se pautar por um Plano de Ação que enfrente o aprofundamento do capitalismo e crie condições para a construção da Alternativa Socialista no ambiente do Estado Burguês, a partir de um Programa Democrático-Popular. Deve esse governo, em toda a sua extensão, aglutinar com todas as forças que sustentam o Movimento Socialista e ter por princípio as políticas já indicadas pelos trabalhadores.

– Quanto à concepção de Estado, deveria garantir, na estrutura do poder, a autonomia e a democracia direta nos três poderes, concebendo como obrigação do Estado promover a justiça social. Além disto, o Estado deveria garantir um Plano de Obras Públicas nos setores da habitação, saúde e  educação, ampliando o emprego estrutural.

Com relação à economia, o centro da política deveria ser estabilidade, distribuição de renda e mercado sob controle do Estado; deve impor a intervenção do Estado na economia, rompendo com a dominação do capital financeiro. A partir do controle da economia, o Estado deveria ter para si o controle do sistema de crédito proporcionando, com isto, os meios necessários para planificar a economia e proporcionar a justiça social através da distribuição igual dos recursos públicos e da utilização da infraestrutura do Estado.

Quanto à relação do Estado com os trabalhadores, deveria defender e promover a distribuição de renda a partir do combate ao desemprego, com investimentos políticos e financeiros na criação de postos de trabalho e formação profissional, com controle do lucro e da rotatividade da força de trabalho nas empresas, a partir de uma relação de trabalho estável e com participação dos trabalhadores na produtividade das empresas.

No que diz respeito à habitação e à infraestrutura, a falta de moradia era uma das grandes questões sociais a ser resolvida a partir da concepção da propriedade social, sendo esse o elemento capaz de resgatar a moradia dos trabalhadores, tornando a exploração imobiliária uma alternativa desinteressante para a ótica do sistema que relaciona a propriedade à renda e ao lucro.

Na Questão Agrária, o governo deveria adotar a definição do MST sobre aproveitamento da terra para definição de uma política de distribuição; incentivo a produção familiar; além disso, deve promover a valorização do setor primário pelo controle do setor intermediário, pela garantia de insumos e preços e por uma relação de trabalho abrigada pelo Estado.

Quanto à Saúde, embora o Brasil tenha se destacado mundialmente na luta contra a AIDS, o governo deve ter a preocupação permanente com o nanismo, a desnutrição e a mortalidade causada por doenças sociais e marginais. A política é promover a saúde física e mental dos trabalhadores, proporcionada e sob a responsabilidade do Estado, sem restrições.

– Sobre a educação, o Estado deveria capacitar os trabalhadores para entenderem a estrutura social, a economia e seu papel, buscando com isso a emancipação da classe trabalhadora. A educação, como elemento da autodeterminação, assume papel fundamental para que este trabalhador compreenda a realidade em que está inserido e se mantenha próximo das  decisões, interferindo no processo de desenvolvimento da sociedade, determinando o desenvolvimento científico e tecnológico pela visão dos Movimentos Sociais e, por conseqüência, sustentando as ações do governo.

– Quanto às Reformas de Estado, o governo de Lula deveria resgatar os compromissos históricos que o elegeram, revendo as reformas já havidas a partir da mobilização das massas populares e se orientando pelos projetos da classe trabalhadora para o Estado.

Nesse momento, no entanto, Lula negociava um novo acordo com o FMI, que conforme Fernando Canzian, da Folha de S.Paulo, informava: “O FMI (Fundo Monetário Internacional) disse que o novo acordo com o Brasil “mantém as mesmas políticas “que vêm sendo cobradas do país até agora. “Ficaríamos surpresos se o acordo, ao contrário, contivesse mudanças radicais”, disse Thomas Dawson, porta-voz do FMI. Embora o governo brasileiro venha “vendendo” o acordo à opinião pública como algo diferenciado, o novo entendimento segue, no geral, todas as regras vigentes no pacote de US$ 30 bilhões ainda em vigor e aprovado
na gestão de FHC.

Na prática, o acordo, não diferentemente de como acontecia até então, poderia até ser considerado pior do  que esperava o governo Lula, que acabou recebendo menos dinheiro novo. Entre as duas principais “inovações” do acordo, segundo o governo brasileiro, constavam: a possibilidade de o setor de saneamento básico utilizar R$ 2,9 bilhões em investimentos em 2004 e o alongamento dos prazos de pagamento das dívidas do Brasil com o Fundo. No primeiro caso, os R$ 2,9 bilhões poderiam ser gastos pelo Brasil como bem entendesse. O valor representava dinheiro economizado neste ano acima da meta de superávit primário (economia para pagar juros) de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) acertada em 2002. A segunda “vantagem” seria o alongamento do prazo de uma parte da dívida que o Brasil tem de pagar ao Fundo em 2005 e em 2006. Dos cerca de US$ 32 bilhões que o Brasil deve ao FMI, quase US$ 20 bilhões vencem ao longo desses dois anos. Desse total, o Fundo concordou em alongar os prazos de cerca de US$ 5,5 bilhões. O Brasil, no entanto, também poderia ter feito algo nessa linha ao utilizar, no final de 2003, os US$ 8 bilhões a que teria direito pelo acordo em vigor para refinanciar os pagamentos. Esses US$ 8 bilhões a que o país ainda teria direito pelo acordo firmado pelo governo FHC agora foram incorporados ao novo pacote, de US$ 14 bilhões no total. Na prática, portanto, o Brasil recebia no novo pacote US$ 6 bilhões em dinheiro novo. Antes de o Fundo usar os US$ 8 bilhões do acordo em vigor para compor a nova ajuda, o Ministério da Fazenda admitiu mais de uma vez que o Brasil considerava US$ 10 bilhões um valor razoável para dar segurança às contas externas do país no ano que vem. Segundo a Folha apurou, o FMI levou em conta a alta exposição da instituição no Brasil para decidir emprestar menos dinheiro novo. O Brasil é hoje o maior tomador individual de recursos do Fundo. Os US$ 32 bilhões de sua dívida representam quase um terço do capital utilizável do FMI para empréstimos a países. O ponto fundamental de qualquer programa com o FMI, que é a meta de superávit fiscal para pagar juros, também foi mantido inalterado, em 4,25% do PIB. Hoje, Dawson afirmou que todos os pontos do acordo “refletem o forte compromisso do país e a perseverança do Brasil”, qualificado por ele como “país-modelo” em sua relação com o Fundo. O porta-voz também tratou de minimizar o mal-estar causado ontem pelas declarações de Lula na África, de que não seria possível um acordo com o presidente em viagem. “O que o presidente [Lula] disse foi coerente com o
que também foi dito no Brasil. Sei que houve um certo barulho em torno desse tema, mas não vi contradição.” Segundo ele, a número dois do FMI, Anne Krueger, foi ao Brasil convidada pelas autoridades locais. “Se ela tivesse ido e voltado sem anunciar nada, aí, sim, teríamos uma história bem diferente.”

No Brasil, nessa conjuntura, tumulto e tropa de choque aconteciam na Câmara Federal, quando sindicalista da FASUBRA (Rogério Marzola) chegou a ser preso durante a confusão nos corredores da Câmara (jornal Correio do Povo, 24 de julho de 2003): ” A tropa de choque da Polícia Militar do Distrito Federal entrou na Câmara dos Deputados ontem, com autorização do presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP), pela primeira vez na história do Congresso Nacional. A entrada da PM, proibida pelo regimento interno da Câmara, visava reprimir a manifestação de servidores contra a reforma da Previdência. O sindicalista da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras (FASUBRA) Rogério Marzola foi contido pelos policiais e acabou sendo preso.” Em outro incidente, ocorrido em frente ao plenário da Comissão Especial que avaliava a proposta de reforma, seguranças e servidores se confrontaram e uma porta de ferro foi quebrada.

Simultaneamente, Brasil e EUA garantiam sucesso em reunião decisiva para a Alca, conforme noticiava o jornal Correio do Povo de 16 de novembro de 2003: “Em Miami, Estados Unidos, aconteceu a 8a Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com a presença de líderes dos 34 países que integrarão o bloco. A reunião decisiva antecedeu o último ano de negociações antes da data-limite para que a Alca entre em vigor, 1º de janeiro de 2005. Estados Unidos e Brasil foram considerados os líderes do bloco.

 

3.6 – 2003: Por um Governo Socialista

O debate que se pronunciava em parte da esquerda era que na década de 70 a gente resistia e enfrentava o imperialismo, fazia da dura realidade a façanha de um sorriso camarada. Na década de 80 ficávamos cisudos, formuladores e aumentou a nossa ganância por poder. Na década de 90 começamos a fazer uma visão burquesa para o binômio verdade-realidade, o que “nos” tornou mais leves: nem tão duros, como antes, não tão enfáticos, não tão radicais e mais negociadores. Estava colocada a reflexão: “Novo milênio! Outra conjuntura e, lamentavelmente, o Movimento  Socialista estava sendo brutalmente golpeado”.

Os trabalhadores, enfrentavam duas realidades com dificuldades poucas vezes vivenciadas no Estado brasileiro: a primeira, eram as políticas do Estado em relação à classe trabalhadora, que se mantiveram agressivas; a segunda, a guinada reformista do PT, partido político que a classe trabalhadora, em especial os Servidores Públicos, construíram e foram partícipes determinantes para a vitória eleitoral. O que os trabalhadores buscavam era uma concepção do papel do Estado, que deveria ser de arrecadar no excedente produzido pela sociedade os recursos necessários para a sua manutenção, cumprindo desta forma com sua função social. No entanto, a política expressa era a visão neoliberal de um Estado, que se presta a mediar as relações sociais sempre em favor dos menos necessitados. Aí começava mais forte a frustração da classe trabalhadora, pela desconsideração aos ideais que o PT simbolizava, no enfrentamento da classe trabalhadora com o capitalismo. Mais agravante, ainda, era o atraso que poderia significar para as organizações populares por tornarem-se vulneráveis e sem alternativas de organização para enfrentar as políticas burguesas. Eder Sader, em sua obra, Marxismo e Teoria da Revolução Proletária, colocava que a crise da revolução proletária é na verdade a crise de uma concepção da História, o que se encaixa nos equívocos da conjunção política arquitetada pela Frente Popular naquele momento.

Para nós que militamos, em quase toda a existência do PT, referenciados pela perspectiva socialista e tendo como estratégia de intervenção a defesa intransigente de um Programa Democrático-Popular, um Programa capaz de alavancar a conjuntura a partir da ascensão dos trabalhadores ao poder do Estado burguês, era uma agressão o governo do PT. Estávamos assistindo ao ressurgimento daquilo que dominou a Assembléia Nacional Constituinte de 1988. O governo do PT organizava um novo “Centrão”, para aprovar as reformas. Já haviamos visto, não fazia muito tempo, um “Centrão”, se reorganizando para fazer aprovar a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.

É dificil entender que um governo que foi eleito em nome da mudança, só fez acelerar tudo o que a sociedade repudiou no último pleito. E se realmente era este o caminho então porque lutou oito anos contra? Será que eram tão somente “bravatas” como diria Lula, na época?

Refletia-se a Carta aos Brasileiros, lançada na Campanha Eleitoral, na composição do Ministério, nas alianças fisiológicas com partidos social-democratas e de direita como PMDB, PSDB, PFL e PL; esses foram ocupar funções estratégicas para o governo pela arquitetura do troca-troca admitida para a cooptação de lideranças no Congresso e em setores de políticas públicas. Além disso, o governo seguia na submissão ao FMI em sua política monetarista e na adoção de compromissos de gestão. A criação de um Conselho político, composto por mais da metade de grandes capitalistas e por menos de 15% de cutistas, alinhava-se à formulação de reformas da estrutura do Estado pela ótica dos capitalistas, fazendo com que tivéssemos a certeza de quais senhores o governo estava empenhado em satisfazer. Pensemos, já no início, o significado de Alencar como vice-presidente, ou Temer, como líder do governo no congresso, ou Sarney, apoiando as políticas do governo. Paulo Freire em sua obra, Pedagogia da Autonomia, citava: “… Há um sinal dos tempos, entre outros, que me assusta: a insistência com que, em nome da democracia, da liberdade e da eficácia, se vem asfixiando a própria liberdade.”

O que ficava patente é que não existia políticas originalmente voltadas para  administrar o país para os brasileiros, mas sim atender aos compromissos exigidos nos processos de negociações com os organismos internacionais e atender as necessidades dos mercados, que é a de depredação da riqueza nacional.

Mas as concepções eram permanentemente comprometidas, como quando foram divulgados os devedores da Previdência, que poderia identificar alguns hipócritas, que reclamavam do valor dos benefícios, enquanto embolsam dinheiro dos trabalhadores ao descontarem as parcelas devidas e não as que recolhiam dos cofres público; mas o pior era que muitos desses sonegadores faziam parte do conselho do governo e,  ainda, o que é mais grave, participavam do próprio governo.

O Programa Democrático-Popular, garantidor de políticas capazes de reestruturar o Estado Burguês para a hegemonia da classe trabalhadora, foi deixado de lado. A lógica de Lula, declaradas em entrevistas era: “o governo é que nem um casamento, que exige mudança de postura e até o abandono de velho amigos” e “devemos esquecer o passado! Temos de deixar de culpar os Estados Unidos pelo que nos acontece. Temos que fazer nosso futuro”. Só isso ignorava o fato de que nossa autodeterminação não existia, que nossa economia cada vez mais se aprofundava em dependência e que nossa soberania era dilapada por reformas aviltantes à classe trabalhadora.

Martha Harnecker, em a Revolução Social (Lenin e a América Latina), ao contrário da convicção defendida por Lula, afirmava que um Programa Revolucionário deveria ter como ponto de partida, sim, uma análise histórica marxista do país, tendo claros os fins políticos do programa, da luta prática e compromissos, respondendo às reivindicações fundamentais da classe operária em um programa mínimo de forma a aglutinar as forças e, não simplesmente, apresentando uma declaração de princípios que satisfazem as elites, os donos do Estado burguês, com acomodações. Mas essa, contraditoriamente, não era a postura do governo, que usurpava oligarquicamente a soberania da base, pois Lula não tinha o direito de dizer que deveríamos esquecer o passado.

 

Como consequência, as Reformas propostas do governo Lula na questão financeira, ou melhor dito tributária, por exemplo, não taxavam os grandes capitais ou não deixavam de tributar a classe trabalhadora na chamada “Política do Leão”. A intenção da reforma era dar conta de uma necessidade do sistema de se sustentar e apaziguar os conflitos de interesses do capital, sem manter controle direto e poder para garantir políticas públicas. Prova disso foi a adoção da autonomia do Banco Central, há tanto buscada pelo FMI, que não atendia as necessidade do Estado de gerenciar e controlar a economia sob a ótica dos trabalhadores, mas refletia interesses monetaristas e financistas de banqueiros e controladores da economia. Nessas condições estava claro que era impossível combinar política econômica conservadora com políticas sociais. A política levada a cabo pelo governo era a continuação da política macroeconômica ortodoxa e monetarista e que certamente levava a sociedade à estagnação, ao desemprego e a conflitos sociais.

O que começa a acontecer, no seio do novo governo, naquele momento, era que as políticas adotadas para acalmar o mercado já estavam indo longe demais: o velho, o caduco, o ultrapassado, começava cada vez mais a se infiltrar no novo e, assim como um cancer, ia aos pouquinhos tomando conta até passar a predominar. O sinal vermelho já estava aceso. Mais cedo ou mais tarde o novo governo ia se defrontar com os conflitos que já estavam acontecendo. Esperava-se que, já não sem tempo, o governo desse uma guinada às bases, porque já havia um coro social enorme clamando por isso; precisávamos fazer realmente a ESPERANÇA VENCER O MEDO, mas não aconteceu. Na Previdência Pública, as reformas adotavam a lógica anteriormente utilizada pelos capitalistas, na qual não responsabilizava o Estado burquês ou os capitalistas, assim como não impunha o cumprimento da Constituição quanto às receitas que deveriam compor os recursos da previdência, mas imputava aos trabalhadores a responsabilidade pelo chamado “rombo da previdência”. Era a mesma lógica covarde, mentirosa e irreal apresentada até hoje. Para simplificar, bastava verificar que o Estado não contribuia com o que deveria e, pior que isto, utilizava os recursos da Previdência para gastos gerais do Caixa Único.

A demonstração do quanto era equivocada esta versão, cálculos monetaristas feitos por  instituições confiáveis tecnicamente, apresentavam uma realidade completamente diferente da apresentada pelo governo: o déficit era contraposto com autosustentação e as projeções não apresentavam o retrato da falência no tempo. Entre estas instituições, podemos ter por referência as informações disponibilizadas pela ANFIP. A reforma do sistema previdenciário, proposta pelo governo de Lula, que estava à disposição dos congressistas, não se sustentava  porque era injusta. O nosso país já estava entre os mais ricos do planeta mas por outro lado tinha a pior distribuição de renda. No entanto, a solução oferecida era de financiar os problemas sociais não com os setores onde a riqueza estava concentrada, mas com os setores da sociedade que ainda tinham alguma “gordurinha” para queimar.

Estávamos convictos que os recursos arrecadados com as reformas não irão realmente para os excluídos, mas iriam, isto sim, mais uma vez alimentar o deus Mercado. Era mais do que óbvio que a concentração de renda não se dava pela classe trabalhadora. O dito governo popular, inacreditavelmente, queria privatizar riquezas e socializar pobreza; o que estavam querendo fazer com a classe trabalhadora era um crime e devíamos abominar. Não iríamos por livre e espontânea vontade para o matadouro, iríamos resistir. Dizíamos: enganava-se quem acreditava que seria possível admitir a democracia burguesa atendendo aos interesses da classe trabalhadora; tínhamos Marx como referência, quando afirmava que somente seria possível rupturas pela revolução. Com isso, mais uma vez, se comprovava que as teorias do velho continuavam atualíssimas.

Nossa posição era que a reforma do sistema previdenciário vinha sendo imposta à sociedade e ao Congresso Nacional de maneira autoritária, aliciando deputados na velha forma dos governos de direita. O Governo Lula vinha capitulando ao FMI e a organismos financeiros internacionais, causando inquietações a toda a sociedade brasileira inclusive, quem diria, a seu vice, José Alencar. Questionávamos, como fazer uma reforma tão importante a “toque de caixa”, sendo que não existe nenhum argumento consistente do governo que a justifique? Afirmávamos que era problema de gestão. Além disso, historicamente os recursos da previdência vinham sendo ulitizados para cobrir outras atividades do Estado. Este quadro só poderia mudar quando tivéssemos um governo verdadeiramente popular, pois nas garras do neoliberalismo  a lógica é, exclusivamente, pagar juros aos especuladores.

Segundo a Profª Eli Iola Gurgel Andrade (em tese de doutorado no CEDEPLAR/UFMG, de abril de 1999) se todos os saldos positivos do sistema previdenciário no Brasil, tanto dos servidores públicos como dos trabalhadores do setor privado, nos anos de 1945 a 1980, não tivessem sido desviados, mas destinados a um sistema de capitalização a 6% ao ano (taxa da poupança), teríamos à época da publicação da tese um fundo de R$ 600 bilhões, que, atualizados pela própria autora, representariam hoje R$ 1.000.000.000.000,00 (um trilhão de reais).

Mais atual do que nunca, era necessário denunciar que os recursos da previdência viabilizaram diversos projetos governamentais, dentre os quais destacávamos: Carteira Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, principal agência de financiamento ao setor privado; Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); Companhias Hidrelétricas do São Francisco (CHESF); Companhia Nacional de Álcalis (CNA); Fábrica Nacional de Motores (FNM); Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE); construção de Brasília, Ponte Rio Niterói, …

Para os Trabalhadores, a reforma da previdência de Lula começava pela agressão aos inativos que, após trabalharem e contribuírem com seus salários grande parte de suas vidas, teriam de sustentar sua própria aposentadoria, com um limite de proventos que não corresponderiam à contribuição feita. Os (as) pensionistas teriam redução. Os militares tinham garantida aposentadoria integral e os trabalhadores de CLT e de RJU não teriam aposentadoria integral. O limite de idade aumentava, para que o sistema tivesse lucro com a morte dos trabalhadores. Dizíamos: o que era isso, a não ser penalizações e expropriações? O que era isso, a não ser uma visão monetarista, descomprometida com a função social de Estado? O governo estava mais uma vez apostando na ingenuidade do sofrido povo brasileiro para aprovar as reformas. Usando o discurso de transferir riqueza de quem tem para quem recebe de salário uma miséria. Mais uma vez não iriam tirar de quem deveria arcar com os custos sociais, como que se aumentando o número de excluídos fosse a solução do problema. Os fundos complementares, introduzidos enquanto alternativa, significavam a privatização do sistema. Representavam a continuação da transferência do aparelho do Estado para a iniciativa privada, para os capitalistas, conforme receituário das empresas interessadas, assim como foi com a saúde, a energia, a telefonia, … a educação!

Para Instituições como as Universidades Públicas, a reforma previdenciária tinha a marca da irresponsabilidade. Além da instabilidade já havida em governos anteriores, somada a não-contratação de pessoal, colocava estas Instituições em uma condição de caos, porque o número de servidores aptos a se aposentar já era significativo (medida justa a ser tomada por trabalhadores em situação de aposentadoria). Esta conjuntura, criada pelo governo, além de atingir a gestão, trazia consigo a visão de excluir do Estado a responsabilidade pela educação pública, elemento do Estado capaz de sustentar todo e qualquer projeto de soberania para o país. Prova disto é que as alternativas propostas pelo governo apontavam para a privatização de funções e precarização ainda maior das relações de trabalho existentes. As IFES, com isto,  tornar-se-iam reféns da captação de recursos ou tenderiam a minimizar suas capacidades acadêmicas, abalando a gratuidade, o financiamento de pesquisas e a relação extensionista com a sociedade.

No Congresso era criada a Lei da Responsabilidade Fiscal, uma Lei que vinha em detrimento do social e favorece a especulação e a expropriação de riquezas. Essa lei responsabilizava governantes que deixassem de destinar recursos às áreas sociais mas, por outro lado, a mesma lei dizia que não poderia deixar de honrar compromissos financeiros sob pena de prisão.

Enquanto isso, a discussão da reforma política chegava a ser piada ou brincadeira de mau gosto, pois a mesma assegurava a eleição de deputados através de listas partidárias. O presidente Fernando Henrique deveria estar rindo sozinho na época, pois só serão deputados os amigos do Rei (cúpulas partidárias). Como exemplo, nos teríamos no PT alguns deputados como José Genoíno, Dirceu e Palocci que se tornariam donos do parlamento. Só para se ter uma idéia de como isso funcionaria, os políticos petistas, que não estavam se submetendo a cúpula, arriscavam-se a serem expulsos. O PT propunha internamente que um grupo político que controlava a máquina partidária era quem daria as fichas e não a base do partido, ou seja, a proposta era tornar-se um partido de coronéis, no velho estilo pefelista.

Portanto, a avaliação do que o governo de Lula propunha, se fossem feitas essas propostas por FHC, por exemplo, todo o PT seria contra.

Questionávamos, então: por que não continuar dizendo “FORA FMI” em nossos cartazes? Por que o PT estava quieto, não protesta? Por que a CUT se manifestava apenas em jornais? Por que estava mais imóvel do que nos últimos anos? Onde estava a autonomia da classe trabalhadora?

Cada vez mais se consolidava: esse deveria ser um governo de esquerda, socialista, revolucionário em sua visão e prática. O primeiro dia de governo deveria ter sido marcado com compromissos com os trabalhadores, e não com o FMI e com os empresários, como aconteceu. Com isso, a verificação da política e da prática do governo já não mostravam mais uma conjuntura inesperada, mas sim muito mais complexa a ser enfrentada pelo interesse de classe dos trabalhadores. O governo Lula correspondia a uma realização típica do receituário do FMI/Banco Mundial, inspirada no neoliberalismo. Na prática, nas ações do governo estavam escancaradas a prática da cooptação pela compra de votos no legislativo, reformas quanto ao papel do Estado e sua relação com a  sociedade (saúde, educação, habitação, previdência, lazer, etc.), e no que diz respeito à busca da submissão dos Poderes.

O balanço que já se fazia era que desde as eleições presidencias de 89 no Brasil, e aproximadamente a poucos anos atrás na América Latina, o Movimento Socialista traçou perspectivas, avaliações e projetos que diziam respeito às possibilidades de tomada do poder dos Estados e de programas e projetos que iriam transformar as sociedades a caminho do socialismo. Contudo, avaliações equivocadas nos processos eleitorais e a desconsideração do poder e dos interesses em jogo, dos capitais nacionais e internacional, tornaram-nos incapazes de avaliar corretamente, em tempo, o processo que seria desencadeado pelos capitalistas para engendrar suas lógicas nas administrações dos partidos da esquerda. Os governos de esquerda não negaram as relações do neoliberalismo sustentado pelo capital internacional. Negou-se a dívida externa, mas foi utilizada a lógica de administrar com recursos e gerência do Banco Mundial, do FMI e do BID com a permanente captação de recursos de instituições capitalistas de crédito; tão pouco resistimos ao poder em suas facilidades capitalistas. Admitimos a internacionalização crescente da economia, mantenedora do projeto neoliberal da globalização e mundialização tutelada; aliamos-nos à burguesia nas desregulamentações e desresponsabilizações do Estado e ajudamos a limitar os governos de esquerda a eficiência, fim de privilégios e boa administração.

Foi alterado o conceito de gestão pela parcela da esquerda que ocupava o poder, e deram o nome de ética ao invés de socialista, contando com a  mídia para muitas vezes abafar e distorcer os reais efeitos que decorrem da implantação de um projeto deslocado das referências socialistas. O projeto de participação popular foi rendido pelo atendimento à necessidades de projeção política no Estado burguês ou meramente financista. Isso reflete a posição de Florestam Fernandes, na obra Pensamento e Ação, quando aponta que o PT entrou em descompasso histórico graças ao dilema que se compõe ao limitar o governo à via do possível.

Começa a se perceber a desmobilização nos movimentos sociais, particularmente pela sensação de incapacidade de alterar o rumo das coisas no Estado, que deveria ser proletário, e na própria vida. Esta concepção partia do princípio que as transformações que sustentam o neoliberalismo no Brasil e no mundo estavam dadas. Algumas correntes do Movimento Socialista, por terem esta equivocada avaliação, concebiam até o fim da luta de classes, transformando o enfrentamento em possibilidades de negociação ou em organizações corporativas e a reboque da ação institucional. Com isto, a militância se transformou em ação institucional e burocrática, o que provocou um maior distanciamento entre a necessidade de ações socialistas na base social e a das elites da esquerda. Era o investimento em gabinetes, sedes, política institucional e em conceitos coorporativos.

No entanto, nossa avaliação era de que a conjuntura não estava dada. O neoliberalismo, como estratégia do sistema capitalista, poderia sim ser enfrentado e rompido o seu processo de aprofundamento. Os projetos estavam em disputa, e o que necessitávamos era de uma proposta que conseguisse enfrentar e unificar a esquerda em torno do Socialismo.

Com essa realidade, entendia-se que era necessário fazer-se a defesa do Movimento Socialista; existiam expectativas de vivermos com o PT uma experiência histórica, em uma política ofensiva de luta permanente da classe trabalhadora brasileira contra os capitalistas. Mas estava em jogo não só uma concepção de sociedade, mas a visão sublimada de muitos, de diversas concepções e de diferentes estratégias. O Projeto Estratégico dizia ser sustentado pela mola propulsora do Movimento Socialista, a vontade e a disposição da Classe Operária. Mas, a revelia dos trabalhadores, este projeto se reduziu no tempo às boas administrações. A seta socialista que conduz ao Projeto Socialista e nos remetia a um novo patamar de condições de enfrentamento – a luta contra o Estado burguês por dentro desse Estado, foi deformada. Os valores imediatos e táticos, sobretudo aos olhos dos que não estão presos à permanência no poder deste Estado, sucumbiram na conjuntura.

Naquele momento, vivíamos um ambiente agitado pelas posições, propostas, pela falta de diálogo com o governo e pelas disputas de poder no Estado; no entanto, esta conjuntura estava marcada pelo refluxo, extinção e fragmentação, não pelo crescimento, união, expansão, muito aprendizado e aprofundamento para o Movimento Socialista. Não podíamos fazer o poder do Estado Burguês o centro de nossa política. Nossa disputa deveria ser a discussão permanente pela melhor tática para a conjuntura. A tomada do poder deste Estado, pelos trabalhadores, comprovadamente não poderia se reduzir a um processo reformista, sob a ótica e o controle da burguesia.Não queríamos apenas o Estado burguês democratizado em sua forma e estrutura. Queríamos uma sociedade socialista, não um Estado acima da classe operária. E a conjuntura nos impunha afirmar mais ainda nossas posições: queríamos o poder do Estado para a transformação socialista; o Movimento Socialista era a única via para o exercício da igualdade e da democracia plena

Naquela conjuntura apontávamos a Ofensiva dos Trabalhadores e um Programa Democrático-Popular como única alternativa de direção para o governo. Os Trabalhadores tinham que construir um Plano de Lutas que enfrentasse o aprofundamento do capitalismo neste governo de Lula e construísse conjuntamente as condições para a construção da Alternativa Socialista no ambiente do Estado Burguês, que deveria conter todas as forças que sustentam o Movimento Socialista e não se submetem as políticas dos capitalistas, tendo por princípio as políticas já indicadas pelo Movimento Popular: segurança pública, economia, emprego, habitação, saúde e educação sob o controle dos trabalhadores, como Funções Sociais do Estado.

Para a Economia, a alternativa que apontávamos era estabilidade econômica e distribuição de Renda. Defendíamos a imposição e a intervenção do Estado na economia, regulando as relações de mercado a partir do comando da economia pelo Estado, rompendo com a dominação do capital financeiro. A partir do controle da economia, o Estado deveria ter para si o controle do sistema de crédito proporcionando, com isto, os meios necessários para planificar a economia e proporcionar a justiça social através da distribuição igual dos recursos públicos e da utilização da infraestrutura do Estado. Para isto, deveríamos reverter o processo de “autonomia” do sistema financeiro que o governo Lula estava implantando, sob o modelo do FMI e do capital especulativo internacional.

Quanto ao emprego, dizíamos que a distribuição de renda a partir do combate ao desemprego, com investimentos políticos e financeiros na criação de postos de trabalho e formação profissional, com controle do lucro e da rotatividade da força de trabalho nas empresas pelo Estado, a partir de uma relação de trabalho estável e com participação dos trabalhadores na produtividade das empresas, só assim seria possível o pleno emprego.

Na habitação, a falta de moradia era uma das grandes questões sociais a ser resolvida pelas teses que constróem a Alternativa Socialista para o Estado burguês. A condição em que é colocada a problemática da habitação para os trabalhadores, alterando a necessidade de ter um alojamento para si e sua família em luta por uma propriedade permanente comprada ou alugada, transformou a questão da moradia urbana em uma contradição para os trabalhadores urbanos, da mesma forma que a questão da terra para os trabalhadores rurais. Estas questões se colocaram em um conjunto de interesses exploratórios da economia que resultam na expropriação e subtração permanente do salário dos trabalhadores. A propriedade social como elemento capaz de resgatar a moradia dos trabalhadores foi banida das possibilidades, tornando-se uma alternativa desinteressante para a ótica do sistema que relaciona a propriedade a renda e ao lucro, adicionando a isto uma compensação pela deteriorização, uso e  cobertura de gastos para conservação.       Habitação, que pela visão dos trabalhadores deve ser  responsabilidade do Estado, não visando com isto o lucro, foi adotada para que também as empresas de edificações, mesmo que cobrindo por um tempo fatias do desemprego estrutural, tivessem grandes lucros e se tornassem elementos de investimento para execução de práticas irresponsáveis.

Com relação às questões de ocupação e uso da terra, agrária e com relação ao Movimento dos Colonos Sem Terra, a proposta que apontávamos era de adoção da definição do MST sobre aproveitamento da terra para definição de uma política de distribuição e assentamento de trabalhadores rurais e comunidades originais e pescadores; era necessário incentivar à produção familiar, valorizar o setor primário a partir de controle do setor intermediário, a garantia de insumos e preços e uma relação de trabalho abrigada e protegida. Serve como referência Guevara: “…Não há governo revolucionário, que verdadeiramente possa se chamar revolucionário aqui na América Latina, se não fizer uma reforma agrária como primeira medida.”

3.5 – Por que o PT Perdeu as Eleições em 2004

O PT perdeu naquele momento as duas cidades de maior valor estratégico: São Paulo e Porto Alegre. A direita ganhou também em Curitiba, Florianópolis, Teresina, Cuiabá, Teresina e Goiânia. Sorocaba, Piracicaba foram outras cidades importantes que elegeram prefeitos do PSDB. Em Caxias do Sul e Pelotas, o PT perdeu. Em Belém, tradicional reduto do partido, a candidata do PT perdeu. Luizianne Lins se elegeu Prefeita em Fortaleza, mesmo tendo sido abandonada pela Direção Nacional do partido no primeiro turno. Em Campinas, o candidato petista nem mesmo foi para o segundo turno. O PSDB também venceu em Ribeirão Preto, onde o candidato do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não conseguiu sequer ir para o segundo turno.

Este era o resultado de quase dois anos de governo: o neoliberalismo se sedimentava na política do Brasil. A vitória eleitoral de Lula, em 2002, não foi acompanhada do desenvolvimento dos movimentos sociais. Ao contrário, as políticas aplicadas pelo governo e apoiadas pela direção do PT e pela CUT estão levando milhões de trabalhadores a um desânimo profundo. Eram os compromissos com o FMI cumpridos, política de taxas de juros elevadas, pagamento otimizado da dívida externa, redução dos gastos sociais… Lula e seus aliados tornaram-se grandes facilitadores dos interesses do capital, seja por implementar medidas que nem FHC conseguiu ou por auxiliar nos interesses de grupos, como o caso da Monsanto. Ainda tem a gestão liberal da economia, através das políticas, estruturas e gestores escolhidos para a Fazenda e para o Banco Central.

Como exemplo da política econômica, o Banco Brasileiro de Descontos, BRADESCO, então segundo maior banco privado do País, anunciou um lucro de 752,3 milhões de reais no terceiro trimestre do ano, 33% a mais que os 564 milhões de reais que no segundo trimestre. A soma do ano atingiria a impressionante cifra de 2 bilhões de reais, considerada histórica para o banco. Boa parte dos lucros do BRADESCO resultava das tarifas cobradas a clientes e crédito com desconto em folha. Tanto um quanto outro já eram escorchantes. Contudo, os bancários em uma greve nacional, onde pretendiam reposições salariais se observada a realidade salarial dos bancos privados do Brasil, não tiveram as negociações protegidas pelo governo.

Ainda em 2003, o Presidente da República se comprometeu junto ao povo em resgatar os milhões de brasileiros, no campo e na cidade, nas zonas rurais mais desamparadas e nas periferias urbanas, que estavam sem ter o que comer, que sobreviviam milagrosamente abaixo da linha da pobreza, quando não morriam de miséria, mendigando um pedaço de pão. Mais que isto, fixou como meta repor o Brasil no caminho do crescimento, mediante “um autêntico pacto social pelas mudanças e uma aliança que entrelace objetivamente o trabalho e o capital produtivo, geradores da riqueza fundamental da Nação, e viabilize as reformas reclamadas pela sociedade: a reforma da Previdência, a reforma tributária, a reforma política e da legislação trabalhista, além da própria reforma agrária”.

E o que aconteceu com essas promessas? O tal pacto social terminou por ser viabilizado em uma aliança entre as elites dirigentes do agronegócio, as elites sindicais, com as da Previdência das Estatais como a PREVI e PETROS, com a grande Mídia como a Rede Globo e com as instituições de interesse do capitalismo globalizado como FMI, BIRD e OMC. O Governo bate “records” de arrecadação mês a mês, não para investir no desenvolvimento nacional, mas prioritariamente para pagar os juros da dívida.

Milhares de trabalhadores continuavam sem terra: das 115.000 famílias que deveriam receber terras em 2004, apenas 17.500 foram atendidas até junho, com o Movimento dos Sem-Terra adotando uma política crítica ao governo Lula; 20% da população ativa continuava desempregada, muito longe dos dez milhões de empregos prometidos pelo governo para o seu mandato. Ao mesmo tempo, o governo impôs a redução do aumento do salário mínimo a apenas R$ 260 e com um pequeno crescimento econômico (4% ao ano, baixo se comparado com o de outros países emergentes, entre 6 e 9% ao ano); optou de forma correta, por fazer assistencialismo com algumas medidas de ajuda aos mais pobres (bolsa família, universidade para todos, fome zero, Rondon, …), o que mascarou a transferência de fundos públicos aos mercados financeiros.

Os programas sociais tornaram-se refém do superávit primário, usado objetivamente para pagar a dívida e estabelecer referenciais confiáveis para os banqueiros. A orientação do governo Lula levou a confrontos com o movimento sindical, que se opôs à reforma neoliberal da Previdência. O projeto do governo de Lula para a reforma sindical e para a legislação trabalhista, claramente capitalista, colocava em questão a independência sindical e sufocava os sindicatos de base, provocando uma crise profunda no movimento sindical.

Em 2003, o governo pagou R$ 149 bilhões em juros de títulos da dívida pública: a quantia era 5 vezes maior que os gastos autorizados com saúde pública, 8 vezes maior que o autorizado em educação, 50 vezes maior do que na preservação do meio ambiente e 140 vezes maior do que aplicado em reforma agrária.

Na questão dos transgênicos, o projeto de lei que tramitava no Congresso não era contrário à liberação dos transgênicos, muito menos limitador da continuidade das pesquisas. Mas o lobby das grandes indústrias multinacionais, com o apoio de alguns incautos de plantão (acompanhados de plantonistas nada ingênuos), foi para liberar sem nenhum tipo de controle. A liberação do plantio e comercialização dos organismos geneticamente modificados foi uma crise e uma imposição dos capitalistas, similar à liberação das sementes híbridas, na década de 70, que alterou por completo as relações de produção, culturais e econômicas do setor agrário no país, deixando as porteiras abertas para as multinacionais monopolizarem as sementes e insumos. Lula havia prometido  que só liberaria os transgênicos caso houvesse garantias de que esses produtos não trariam riscos para a biodiversidade e para a saúde humana, mas nem por isso Lula deixou de reeditar Medida Provisória liberando o cultivo e o plantio da soja para essa safra. A preocupação de Lula deveria ser com a frente de batalha construída pelas multinacionais, assumindo a posição de que a questão dos transgênicos deveria ser enfrentada com uma política afinada com os que querem um Brasil com uma agricultura camponesa forte produzindo alimentos saudáveis e variados para nossa população e para o mundo.

Conforme o Frei Sérgio Görgen, o que estava em disputa eram dois modelos de desenvolvimento rural: um centrado no latifúndio, controlado pelos grandes grupos multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes dos insumos químicos; o outro, centrado nas pequenas e médias unidades de produção agropecuária, organizado em redes de cooperativas, agroindústrias locais, empresas nacionais, empresas públicas estratégicas e baseados na diversificação produtiva e em tecnologias orgânicas e agroecológicas. Chamou-se o questionamento: e onde estavam as políticas públicas para o setor?

Na política internacional, o Brasil optou em estar aliado dos interesses do imperialismo no Haiti, na busca pelo “status” internacional. Na ALCA e no Acordo Mercosul-EU, o alerta da Via Campesina Brasil já mostrava que os acordos negociados nos caracterizavam como mercadores de segunda categoria, vendendo a pátria, sem respeitar ou consultar nenhum setor de nossa sociedade. Veio mais uma questão: Por que a pressa por tais acordos realizados sem nenhuma transparência ou consultas à sociedade brasileira? Esse acordo colocava em risco setores importantes da agricultura familiar, setores importantes da nossa industria e serviços, pondo em risco o emprego de milhões de brasileiros. Tratava-se de um neo-colonialismo vergonhoso. Não podíamos calar diante dessa vergonhosa submissão dos interesses do povo brasileiro ao capital Norte-Americano e Europeu, praticados por negociadores que deveriam se chamar de “entregadores”, a quem não cabe nenhuma legitimidade de nos representar.

Já com quase dois anos de governo, Lula dizia que era preciso ter paciência, “pois quem faz apressado come cru”. O que fazer com os miseráveis e desempregados? O governo de Lula ainda não se mostrava como alternativa para os milhões que vivem (ou vegetam), com apenas dois reais percapita por dia, portanto bem abaixo da linha da pobreza. Política era a “arte do possível”, dizia Lula, mas quem teve 53 milhões de votos não poderia simplesmente aplicar a “arte do possível”, mas sim a arte de ser coerente.

Mas quem, então, derrotou e foi derrotado naquelas eleições? O PT e suas forças de sustentação falavam do espaço que os críticos ao governo de Lula possibilitavam um grande campo de ação para a “direita”, mas as políticas eram do governo, não existiam mais instâncias partidárias democráticas ou Assembleias populares. Existiam políticas liberais contracenando com políticas assistenciais e uma forte política de educação, isso sim.

Parcela das elites e da “classe médião tinha qualquer simpatia com o governo petista, mas os trabalhadores estavam desconfiados se o PT não era mais o Partido dos Trabalhadores, de projeto estratégico socialista e programa de transição para o poder nas mãos dos trabalhadores. Como disse o Camarada Sérgio M. em uma discussão: “A resposta das urnas se deve aos erros do PT (assim como o golpe de Pinochet não teve reação, não por culpa do MIR), mas da estratégia da Unidade Popular”. É necessário perceber que a desilusão com o PT tem sérias consequências para a esquerda.

A opção do eleitor pode ter sido uma escolha antigoverno Lula ou anti-PT, mas a falta de uma opção de classe tem como resultado concreto a opção por uma “manifestação de revolta” ou “uma coisa melhor entre os iguais”. (isso foi escrito em 2004, em artigo assinado por Rui Muniz e Álvaro Lanner). Naquele momento se via a necessidade de construção de uma direção socialista. A construção de alternativas, internas e externas ao Partido, com caráter anticapitalista e antimperialista às políticas do governo, tornava-se estratégica e emergencial para o Movimento Socialista, sustentando-se em um Programa Democrático-Popular, com referência e a serviço dos movimentos sociais, das organizações sindicais e sob a ótica do Movimento dos Sem-Terra, autônoma o capaz para disputar a direção das ações do governo.

 

3.5 2005: o Debate no Movimento de Esquerda sobre um Programa Mínimo, Democrático e Popular

Para o Movimento Socialista, naquele momento, entendia-se que a conjuntura brasileira deveria ser analisada por enfoques que fossem capazes de apontar para a construção de uma estratégia garantidora de mudanças conjunturais e estruturais do Estado, tendo por base os referenciais socialistas. Ao observarmos o governo Lula, era indiscutível a opção pela governabilidade a partir de uma base política de direita, não trazendo para si a disponível capacidade de luta e sustentação da classe trabalhadora que o elegeu. A corrupção, neste cenário era apenas um ingrediente que perfurava a administração pública em todos os níveis de decisão política: o desvio do socialismo, com base em reformas e limitações determinadas pela economia e pelo caráter ideológico capitalista. A economia superavitária, colaboradora dos interesses capitalistas de banqueiros e de grandes grupos econômicos, que admitia a dívida externa e se submetia às relações externas como sendo apenas elementos puros de mercado, restringia as ações do Estado ao assistencialismo.

Por outro lado o Partido dos Trabalhadores, que deveria ser o centro político do governo, o comitê gerador das alternativas políticas, cada vez mais se desestruturava em função da descaracterização ideológica de perfil de classe, sucumbindo às armadilhas do poder burguês, como a corrupção e a usurpação do que poderia ser um instrumento de luta para os trabalhadores. As opções políticas do PT estavam na lógica do tudo pode pelo poder, que vai do rebaixamento programático até a decisão da cúpula partidária de jogar as bandeiras do PT na lata de lixo e abraçar a cartilha neoliberal, algo que se expressou claramente na famosa Carta ao Povo Brasileiro, em meados da Campanha de Lula, em 2002. A partir deste momento, a ampliação do leque de alianças, incluiu a base de sustentação do Governo para o PP de Paulo Maluf, a antiga tropa de choque do Collor de Mello, na figura de Roberto Jefferson, os Parlamentares do PMDB, como Jáder Barbalho e Orestes Quércia; daí para frente veio a arrecadação ilícita de recursos. É absolutamente inacreditável que alguém como Marcos Valério pudesse promover empréstimos, que colocariam em risco suas empresas, se não tivesse garantias de retorno, e essas garantias são eram as licitações fraudadas. Portanto, por mais que quisesse Delúbio Soares, da Executiva Nacional do PT, não dava para acreditar que ele teria agido sozinho.

Para a eleição da nova Direção Nacional do PT, que se aproximava em setembro, estava comprometida e segmentada a disputa entre a chamada Majoritária, ala fisiológica e distante das concepções marxistas, os campos moderadores e conservadores e uma alternativa de esquerda – como Plínio Sampaio; o processo de discussão e encaminhamento já apontava para uma saída conciliadora e abafadora, inviabilizando o que poderia representar a ruptura com o modelo reformista e a direção liberal do PT; a deliberação que seria tomada, sem dúvida, era um consenso que abafasse a falta de identidade de classe e não se comprometesse com uma ruptura estratégica com os interesses capitalistas no governo, a partir de um Programa Mínimo de transição. Se fosse possível voltar no tempo, para o início da década de 80, no século passado, alguém acreditaria que Lula faria isso tudo: Intervenção militar no Haiti, negociação da Alca, asilo para assassinos depostos, adoção da política econômica do FMI, ataques ao funcionalismo público, ataques ao Movimento Sindical, ataques à Universidade Pública e a direitos dos trabalhadores, entre outros. Nessa conjuntura, Lula não era um coadjuvante, ao contrário, era um dos responsáveis pela sua condução; foi uma opção consciente dele e do PT.

Mas a avaliação de conjuntura, entendia-se, deveria ser recheada por questões que digam respeito à instabilidade política do Estado a partir da crise do governo de Lula. Primeiro, eram os Poderes, onde se alastram o poder para si, o que sempre deveria ter existido, e que se instala no Congresso como se assolando a todos Partidos, independente de moral e ética. Devemos entender que nem as elites nacionais estavam satisfeitas pelos juros e pela balança comercial, com dinheiros de valores diferentes que circulavam no país, com exportações e importações sem uma concepção que favorecesse a produção nacional, o PIB e a circulação interna de riquezas. A Taxa Selic – que corrige mais da metade da dívida brasileira, de setembro de 2004 a maio de 2005 elevou 9 vezes a taxa básica de juros, que chegava a 19,75% ao ano. Quanto ao pagamento de juros da Dívida Externa, o primeiro semestre de 2005 batia o recorde de montante semestral: pagamos 80,12 bilhões de Reais, 8% do PIB. Da mesma forma, o superávit primário – “receita menos Despesa, excluindo gastos com juros” (economia feita pelo setor público) foi também novo recorde: 59,95 bilhões de Reais, que correspondia a 6,43% do PIB. Ao mesmo tempo, havia a sublevação dos militares insatisfeitos nos quartéis da reserva, que por defasagem dos valores dos soldos emitiam opinião que já indicava levante de insatisfações políticas nas corporações. Na conjuntura havia, também, a tentativa de atenuar os impulsos de enfrentamento pela direção majoritariamente apelegada que tomou conta da Central Única dos Trabalhadores, base servil para a sustentação de um governo que se negava a representar a luta de classes, em uma estratégia tão populista quanto a de Getúlio Vargas, pai do populismo no Brasil, que criou as condições de produção capitalista no Brasil para que aderisse às estruturas evoluídas  impostas pelo capital internacional. Em último lugar, tinha-se de considerar a Esquerda que não estava no PT ou aliada ao governo de Lula, Movimento Estudantil, Partidos pequeno-burgueses desalinhados na conjuntura, comunistas, revolucionários, movimentos internacionais – latinos e de outros continentes – comprometidos por um enfrentamento global com o modelo capitalista ditatorial, elitista e globalizante da economia, que se elevavam em Encontros Populares da Esquerda, atos nas esquinas e nos sindicatos pela reconstrução do governo e por uma ação organizada da classe trabalhadora para enfrentar os desenfreados ataques políticos de Lula, privatizantes e assistencialistas.

Eram movimentos como o que estava sendo construindo pela União Nacional de Estudantes, como a oficina “Reforma ou Revolução? Caminhos, descaminhos e ambigüidades da “reforma urbana” no Brasil”, promovida pelo Centro de Mídia Independente – CMI e o Movimento de Trabalhadores Sem Teto – MTST, em São Paulo; Atos políticos contra a corrupção na ABI, Rio de Janeiro, e entre outras capitais; dia 17 de agosto acontecia um dia de atos públicos “Contra a corrupção e a política econômica do governo Lula”, convocada pela Conlutas, PSTU, PSOL, PDT, PPS e PV. Não era novidade propor que a Esquerda Socialista tinha que se unificar, ainda mais neste momento de crise que atingia e desmascarava a política e a estratégia de governo do PT, que demarcava o governo construído por Lula em sua alternativa pela direita e escancarava de vez a burocracia sindical da CUT, que assumia o Ministério do Trabalho com a tarefa de retomar as reformas sindical e trabalhista e os ataques capitalistas contra os trabalhadores e o povo pobre. Defendia-se um Programa Mínimo, Democrático e Popular que deveria ser deflagrado pelas forças que compunham o Movimento Socialista, com ênfase em emprego e salário para todos, terra para quem a trabalha, não pagamento das dívidas externa e interna, rompimento dos acordos com Bancos e organizações capitalistas, contra a corrupção, pela punição dos corruptos e corruptores, confisco dos seus bens em benefício das reformas agrária e urbana, impostos progressivos sobre as fortunas, um plano nacional de obras públicas e verbas que garantissem serviços públicos de qualidade e salários dignos aos servidores públicos.

Mas o Caráter do Governo de Lula insistia em manter o modelo imposto pelos capitalistas e adotado pelo PT desde o início dos seus governos, dando continuidade à política adotada por FHC. Esta afirmação, no entanto, sempre era relativizada pelos partidos que integravam o governo, que não admitiam que as mudanças nas políticas econômica e social não chegavam sequer a provocar alterações na dependência econômica e financeira da economia nacional e nas condições de vida estrutural dos trabalhadores, tão pouco rompiam com a concepção de modelo de Estado, autoritário e servil aos interesses dos países e organizações capitalistas. Uma comparação bem caracterizada com relação ao governo de FHC era o fato de que Lula, ao contrário do que a burguesia nacional industrial e dos agronegócios esperava, mantinha a abertura comercial e os altos juros; não satisfazia aos desejos da burguesia nacional, também, pela política de exportação limitada e pela importação reguladora da economia interna, a partir do equilíbrio imposto pelas relações comerciais externas. Aumentavam, com isso, os conflitos para os nacionalistas frente aos dilemas do governo, oriundos do não enfrentamento aos ditames do libertino capital financeiro, da necessidade desenvolvimentista para a competição global e do equilíbrio das contas externas e das reservas internacionais necessárias para chegar ao nível de garantia exigida pelos investidores internacionais de papéis. Outra constatação da política do governo de Lula comparada ao de FHC era o desestímulo à produção voltada para o mercado interno, mesmo que isso interessasse aos trabalhadores brasileiros.

A contradição se instala mais forte quando o governo desejava uma produção desenvolvida para exportação, na busca por dólares que alimentassem o capital ligado à produção, mas se submetia a uma política financista de manter o superávit primário e os juros altos para remunerar bancos, política limitadora para a produção, para as exportações e para investimentos em infraestrutura básica. E foi isso que fez com que Carlos Lessa fosse posto para fora da Direção do BNDES.

Quanto à classe trabalhadora, continuava sonegando uma política salarial e mantinha o arrocho dos salários com mão de ferro, era omisso diante do drama do desemprego, retirou direitos previdenciários do setor público e, também, do setor privado. O descaso do governo com os trabalhadores era claro: o saldo líquido do emprego com Carteira assinada no mês de junho de 2005 era 6,3% menor que no mesmo mês do ano de 2004, passando de 207.895 vagas criadas em 2004 para 195.536 vagas em 2005, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Demitidos  do Ministério do Trabalho. As reivindicações dos trabalhadores organizados eram preteridas, uma vez que seu atendimento custaria muito caro ao capitalismo brasileiro e ao capital financeiro: quanto maior o valor dos encargos sociais e trabalhistas (que revertem em benefícios sociais aos trabalhadores) maior é para os empregadores o custo da mão-de-obra, o que fazia aumentar o chamado Custo Variável da Produção, diminuindo a “competitividade Brasil”, tão defendida por Gerdau. Mas como o interesse do governo era de exportar e competir com produtos de outros Países, precarizava-se a Relação de Trabalho para melhorar os Indicadores de Produção Nacional. Ao mesmo tempo, o governo passava a fazer demagogia social com os trabalhadores pauperizados, desorganizados e politicamente desinformados através de suas políticas compensatórias. O arrocho salarial se sustentava e se sedimentava como o principal trunfo competitivo dos produtos brasileiros no exterior, aumentando a viciada estrutura expropriadora do fruto do trabalho dos cidadãos e cidadãs brasileiras.

Quanto a políticas sociais, a marca do governo era a continuidade do assistencialismo. Fernando Henrique Cardoso multiplicou as bolsas e ajudas efêmeras, incertas e insuficientes que vinham sendo implementada desde o Governo Sarney: auxílio gás, auxílio leite, bolsa escola, renda de emergência etc. O Governo Lula unificou tudo isso numa Bolsa Família, que se limitou a aumentar a dotação orçamentária para esse fim. A “esquerda” de sustentação de Lula se mobilizava para apresentar a pessoa de Lula como o pai dos pobres – personagem que ele assumiu com gosto e persistência apresentando-se, a todo momento, como o pai da “família brasileira”. Há semelhanças entre esse novo populismo e o antigo populismo de Getúlio Vargas, mas há diferenças importantes também. Vargas apelava aos trabalhadores para levar de vencida ou contornar a resistência das oligarquias e do imperialismo à industrialização do Brasil, enquanto o Governo Lula, dando sequência a um novo filão descoberto por Fernando Collor, apela aos descamisados para jogá-los contra os trabalhadores organizados de modo a fazer passar a política do capital financeiro nacional e internacional.

Mas a Crise de Governo se aprofundava com a corrupção e o uso do dinheiro público. O cerco começa a se fechar drasticamente em torno de Lula, quer pelo volume quer pela importância das denúncias. Vários processos de denúncias estavam atuando no cenário político do Estado,
formando um verdadeiro caos, que envolvia as altas direções do PT, do governo e de seus aliados. Em um ambiente onde todos estão contra todos, o governo e as forças conservadoras da nação já apontavam para um grande acordo de sobrevivência, pacífico e mantenedor de reformas políticas, eleitorais, entre outras, que garantissem as oligarquias e os poderes intactos. O discurso de Lula no Rio de Janeiro – que a ‘elite’ não o acua, é uma contradição, porque dava mostras de buscar aliançar com os diversos setores do poder, dando o tom de discussão que o governo queria ter com os Partidos no Congresso – PFL, o PP, o PSDB e os demais. A premissa era que cada vez mais todos se igualavam em denúncias, pois não são só os políticos do PT que tinham “projetos coletivos”. Dessa forma, nascia a “costura” de um acordo nacional pela ordem democrática no país, necessária para sobrevivência de todos.

Por outro lado, o mercado começava a se ‘expressar’ através das bolsas, do Dólar, dos juros, de seus humores refletidos nos índices; há já uma forte preocupação com “2006”. O Financial Times, em matéria de página inteira, dizia que o governo havia parado as ‘reformas’ e outras ações de reforma. Em suma, o mercado estava preocupado. E a consequência da dança dos índices, variando para baixo e para cima conforme a desestabilização, após a crise estar ‘resolvida’, seria o pagamento das contas pelos trabalhadores.

Pela esquerda combativa, consolidavam-se e se construíam Frentes e Movimentos, como o MTST e o Movimento de Consulta Popular, que chamavam para a construção de uma alternativa de esquerda, democrática e popular, onde se destacavam nas declarações políticas pontos estratégicos de crítica e orientação para a retomada da luta socialista:

– Grande perplexidade tomou conta da esquerda e da sociedade brasileira com a revelação de uma sequência de atos de corrupção envolvendo partidos políticos, empresários, parlamentares, publicitários, alguns dirigentes do PT, membros do governo anterior, de governos estaduais e do atual governo. Nosso compromisso deveria ser encarar a verdade. Há muitos anos multiplicavam-se, dentro da política institucional, os sinais da deterioração que agora se tornou pública. Dirigentes partidários e sindicais acostumaram-se a manejar vultosos recursos de origem duvidosa. As campanhas eleitorais tornaram-se cada vez mais caras. Estabeleceram-se relações promíscuas com empresas, empreiteiras e bancos. O uso de recursos sem os procedimentos legais deu margem a todo tipo de manipulação de interesses de grupos, de correntes, de pessoas e chegando até a casos de enriquecimento ilícitos;

– A crise a que assistimos decorre de um método usado de formas sistemáticas, organizadas e planejado em todas as campanhas eleitorais, comum entre os partidos de direita, mas que infelizmente, obteve expansão também dentro de setores da esquerda. Arregimentou cumplicidades e, com isso, se disseminou. A contratação de cabos eleitorais e a mercantilização da política substituíram a atividade partidária militante e, sobretudo, a batalha de idéias;

– A crise é resultado também da aplicação de uma de uma linha política na esquerda que priorizou apenas a chegada ao governo, via conciliação de classe, contrariando a visão de acúmulo de forças, de disputa de hegemonia política e ideológica na sociedade e da necessidade de administrar o estado para atender prioritariamente às demandas sociais. A visão da conciliação abandona o verdadeiro sentido da política e usa todos os meios possíveis
para justificar a chegada e a manutenção do governo;

– A visão dessa forma de fazer política, que sempre criticamos, além de corromper valores, deteriorar a prática política, desqualifica o conceito de política para a classe trabalhadora. A atual crise encerra um ciclo, um período histórico de um fazer político-institucional hegemonizado pelo PT. Há uma necessidade histórica de refundação da esquerda. O aspecto positivo dessa crise é colocar na ordem do dia essa necessidade;

– O governo está diante de uma grave crise. A gravidade e natureza da crise deram margem a que forças de direita tomassem a ofensiva contra o governo, contra as esquerdas e contra os direitos sociais. O governo Lula parece paralisado frente a essa ofensiva. Conscientes do perigo iminente, os movimentos sociais organizados e entidades nacionais propuseram ao governo uma saída alternativa a essa crise. No entanto, desconsiderando a essa propositura o governo opta por manter e aprofundar velhas práticas de composição com as forças conservadoras. Forças essas que estão sempre reivindicando mais e mais concessões na política econômica para manter seus privilégios. É impossível prever as consequências de tal política em uma sociedade que já convive em larga escala com o desemprego, a informalidade e a barbárie, e experimenta agora a frustração com uma alternativa de governo tão longamente esperada;
– Nossa existência como nação soberana e sociedade com garantias de direitos democráticos está em perigo. Mais do que nunca, precisamos encontrar os caminhos que levem à formação de uma articulação de forças sociais e políticas capazes de pôr fim ao modelo neoliberal, que já se transformou em servilismo às elites e colonialismo ao capital internacional;

– Neste momento, cabe às forças de esquerda, comprometidas com o destino da Nação, recuperar a firmeza de princípios que sempre nortearam nossas ações, e abrir-se ao diálogo com todas as forças democráticas e populares buscando estabelecer um programa mínimo e a consecução de iniciativas comuns. Esse programa deve contemplar a defesa intransigente da soberania popular e nacional, a adoção de uma política econômica voltada para a superação das desigualdades de renda e de justiça, e a definição de um conjunto de medidas emergenciais para a superação da pobreza, para a reforma das instituições e, principalmente, para a valorização do povo como sujeito das mudanças;

– Devemos promover junto a todas essas forças e espaços um amplo debate sobre a necessidade de um projeto para o país. Um projeto que esteja centrado no atendimento às necessidades da população e ao cumprimento dos direitos sociais fundamentais, tais como trabalho, terra, moradia, renda e cultura; que incorpore mudanças radicais nas formas de representação partidária e política, garantindo ao povo o direito à democracia direta, bem como outras formas de participação na vida política do país, tais como a aprovação do direito do exercício do Plebiscito e da revogação de mandatos, por iniciativa popular;

 

3.6 – 2008: Brasil, Um País de Todos?

O ano de 2008 começava com o temor de que a desaceleração da economia norte-americana abalasse a economia internacional, dada a falta de dinheiro em seus bancos, e precipitasse uma recessão já naquele ano. O desemprego nos Estados Unidos atingiu 5% em dezembro de 2007, a maior taxa em dois anos. As duas grandes guerras, com gastos extremamente altos, no Iraque e Afeganistão, a alta do petróleo, a inflação e a queda no consumo formavam o quadro geral do país, desmentindo os analistas que viam somente uma crise financeira pontual no mercado de crédito imobiliário “subprime” (crédito de risco concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de juros mais vantajosa). Após uma série de revisões, o governo norte-americano estimava, para 2008, um crescimento de apenas 2,7% do PIB. Já o Banco Mundial previa 2,2% e a estimativa do banco Goldman Sachs era ainda mais realista: o crescimento deveria se limitar a 0,8%, sendo negativo no 2º e 3º trimestre do ano. Para os EUA, dois trimestres consecutivos de crescimento negativo já caracterizavam uma recessão. A avalanche de dados negativos já superava a discussão se haveria ou não uma recessão na economia do império. Discutia-se, apenas, quando a recessão chegaria. “A economia está á beira da recessão, se já não fomos engolidos por uma”, afirmava o economista Mark Zandi, da agência Moody’s, ao jornal New York Times.

A expectativa de recessão se agrava ainda mais com a rodada de anúncios dos resultados das principais instituições financeiras do planeta. O Citibank divulgou um prejuízo de US$ 9,3 bilhões no quarto trimestre de 2007, o primeiro resultado negativo do banco. O grupo que controla o banco, o Citigroup, estudava uma reestruturação para conter a crise, impondo medidas como a demissão imediata de 4 mil funcionários. Além disso, o banco recorria a investimentos de Abu Dhabi, Kuait, Coréia do Sul e Cingapura para se segurar.
O anúncio do rombo derrubou as bolsas do mundo inteiro, preparando o coração dos investidores para a divulgação dos próximos resultados financeiros dos grandes bancos. O banco Merril Linch divulgava um prejuízo de US$ 8,6 bilhões, referente ao quarto trimestre de 2007. O valor era praticamente o mesmo do lucro da instituição do mesmo período do ano anterior. A instituição, assim como o Citigroup, tentava se ancorar em investimentos da Coréia e do Japão.

Como se esse cenário já não fosse ruim o suficiente para o mercado financeiro, o próprio FMI avaliava que os prejuízos eram bem maiores que os anunciados. Para o fundo, os bancos maquiam suas contas a fim de esconder ou amenizar os rombos. O presidente do FED (Federal Reserve), o Banco Central dos EUA, Ben Bernanke, estudava mais um pacote de “estímulos financeiros” para conter a crise. Porém, apesar dos principais bancos centrais terem injetado bilhões nos bancos desde o início da turbulência financeira, a crise não se debelava. Outras conjunturas mundiais eram preocupantes! A questão do Kosovo era crítica, e a Rússia estava muito exposta; o dispositivo militar Russo estava em prontidão, inclusive nuclear. Geórgia, Ucrânia e outras frentes também estavam em estado de ebulição. No mundo árabe, Nasrallah poderia impor um grande confronto na região, onde poderiam ser reconstruídas articulações e enfrentamentos com Irã, Hezbollah, Palestinos e suas Frentes, …, Arábia Saudita, Israel.

Na América Latina, Chaves, Uribe, Evo, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia poderiam alterar a relação com a União Européia, o que imporia enfrentamento de forças internacionais tanto com os EEUU / ALCA, como também com o Mercosul, de Lula. O baralho estava embaralhado e parece que nesse labirinto, nesse caos, alguém ia começar a dar as cartas. Combine-se a isto a crise que desabava em cima de todos os tetos inadimplentes e adimplentes nos USA, na União Europeia e no Japão.

Nessa conjuntura internacional, representantes do governo anunciavam crescimento sustentável com o PAC, mas o Brasil não era uma ilha de prosperidade em meio à recessão norte-americana, mesmo com uma economia dependente e atrelada aos interesses do mercado internacional; o país sentia os efeitos da crise. De acordo com o discurso do governo, o Brasil não só não seria prejudicado, como se tornaria uma espécie de refúgio para os investidores internacionais. No entanto, o que se via em 2008 era justamente o contrário. Só nas duas primeiras semanas de 2008, o país teve um déficit de US$ 2,1 bilhões no balanço de pagamentos, ou seja, saíram mais de US$ 2 bilhões do que entraram em apenas 15 dias. Na Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, a debandada de investidores representava uma saída de cerca de R$ 1,88 bilhão do país nestes primeiros dias. Ou seja, depois de anos de uma ortodoxa política neoliberal e o indicativo do governo de que essa política só tenderia a se aprofundar, vide a manutenção da meta de superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública), o Brasil revela-se mais vulnerável que nunca. Além disso, a balança comercial do país (a diferença de tudo o que o país vende do que compra) continuava dependendo da exportação de produtos primários, as chamadas commodities, como produtos agrícolas e minérios, que com a recessão norte-americana a procura por esses produtos despencava.

Permeava, nesse cenário, o bloco emergente do BRIC (Brasil, Índia e China), substituiria o papel desempenhado pelos EUA, impulsionando o crescimento da economia mundial. No entanto, essa versão desconsiderava que tais países serviam como apêndices da economia norte-americana, constituindo a China e a Índia se caracterizavam como uma gigantesca reserva de mão-de-obra barata para as multinacionais e plataforma de exportação para o mercado norte-americano, naquele momento.

Mas não era só pela fuga de investidores que a crise afetava o Brasil. Um exemplo ocorreu em dezembro, quando a General Motors do país reduziu seu capital em R$ 469 milhões, enviando o dinheiro à matriz para tapar o rombo provocado pela queda de vendas da empresa nos EUA. O vice-presidente mundial da GM, Go Andersson, visitou o Brasil em dezembro de 2007 para, em suas próprias palavras, “agradecer o esforço dos fornecedores no crescimento da empresa”. Ou seja, o lucro da multinacional arrancado através da exploração de trabalhadores brasileiros iria cobrir os prejuízos da empresa no mercado norte-americano. Tal tendência deveria se aprofundar quando a recessão atingisse em cheio o conjunto dos setores da economia, ampliando a pressão para a aceleração das reformas pelo governo Lula, como a trabalhista e a previdenciária.

Enquanto uma alternativa para o Brasil, seria realizar investimentos produtivos; era necessário garantir um volume de investimentos realizados na economia em setores produtivos, como máquinas, insumos, energia; era fundamental essa garantia para determinar o crescimento da produção e da economia como um todo nos próximos anos. A economia brasileira, no período do modelo de industrialização (1930-80) cresceu em media 7,6% ao ano, durante 50 anos e investia ao redor de 23 a 25 % do PIB ao ano. No entanto, desde que se implementou o modelo neoliberal (1990 para cá), dominado pelo capital estrangeiro e financeiro, a taxa de investimento no Brasil caiu para ao redor de 17%. No ano de 2007, a taxa de investimento bruto, apesar da propaganda do Governo com a prioridade no PAC, não ultrapassou os 17% do PIB, o que fazia com que fosse praticamente impossível que a economia brasileira crescesse mais do que 5% em 2008.

Complementar, o Brasil se colocava com a maior taxa de juros do mundo, principal forma de remuneração do capital financeiro e dos bancos,  que comandava a economia. A taxa média de juros paga pelo governo dos Estados Unidos e da Europa à epoca, e controlada por seus Bancos Centrais, variava ao redor de 2% ao ano; o Banco Central, no Brasil, garantia uma taxa mínima de 12,5% de juros aos empréstimos que os bancos fiziam ao governo federal. Mas, o mais grave era o financiamento que os bancos concediam às empresas e as pessoas físicas, com uma taxa média de juros de 44,8% ao ano. Era a mais alta taxa de juros do mundo, mesmo descontando a inflação média de 7,5% ocorrida em 2007, que gerava um lucro líquido anual de 37,3%. Por isso, havia o interesse dos capitalistas internacionais em investir no Brasil. Ocorria uma explosão de consumo a crédito, em especial de veículos e bens de consumo em geral; algumas redes de supermercados vendiam em 12 prestações até a cesta básica mensal. Porque esse boom? Os bancos e seus parceiros estrangeiros traziam capital de fora, para financiar o consumo e obter a taxa média de lucro 37,3% ao ano, bem superior aos 2,5% que teriam em seus países. Por isso, a oferta de crédito explodiu durante 2007. Foram oferecidos 271 bilhões de reais em crédito para as empresas. Não houve aumento em relação a 2006. Mas, para as pessoas físicas consumirem era oferecido nada menos do que 239 bilhões de reais. Essa soma das duas modalidades de crédito atingiu 510 bilhões, o que equivalia ao recorde correspondente a 36% do PIB nacional. Os bancos, por sua vez, lucravam 37,3% sobre os 510 bilhões, num ano, uma fantástica soma.

O resultado disso, era um desastre certo para um futuro próximo, como advertiu em entrevista o próprio Bresser Pereira, pois as famílias estavam comprando bens acima de sua renda. E, logo, logo, iriam se dar conta do custo dos juros, que seria acumulado pelos bancos e representaria uma concentração de riqueza ainda maior na sociedade brasileira. E, o mais cruel para a própria política de governo, era que uma grande parte desses lucros oriundos de juros seria remetida pelas empresas e bancos estrangeiros para o exterior. Aliás, durante o segundo semestre de 2007, as remessas líquidas de capital para o exterior já superavam as entradas, naquilo que os economistas chamariam de balança de pagamentos negativa para o Brasil, como resultado dessa situação.

Além disso, havia uma taxa de câmbio supervalorizada, relação de valor da moeda do Brasil em relação ao dólar, entre a média dos preços dos bens em dólar na sociedade americana com a média dos preços em reais, na economia brasileira. Economistas de plantão, de várias correntes, diziam que a taxa de câmbio no caso do Brasil deveria ser ao redor de 3,50 reais por dólar, para espelhar a verdadeira correlação dos preços dos bens nas duas economias. No entanto, como entrava muito capital financeiro para especular na bolsa e emprestar a juros, e como a taxa de câmbio não era controlada pelo governo, essa entrada de capital especulativo forçava a taxa de câmbio para baixo, e por isso esteve durante todo ano de 2007, ao redor de 1,80 reais por dólar. Isso significava que o real estava valendo mais do que devia em relação ao dólar. Quais as consequências de uma taxa de câmbio assim supervalorizada? As importações ficam mais baratas do que o preço verdadeiro, e afetavam, assim, diretamente a indústria nacional que não conseguia competir com os preços das mercadorias importadas, ficando mais baratos, aviltados pela taxa de câmbio. Por outro lado, as exportações também perdiam valor: você vende em dólar, mas recebe menos em real. A proposta de economistas do sistema era que o governo devesse administrar a taxa de câmbio para proteger a indústria nacional, colocar um imposto sobre as exportações das matérias primas, agrícolas e minerais, para evitar que, com preços elevados pela taxa de câmbio em relação aos dólares recebidos, gerassem inflação pra dentro da economia brasileira. Bem, como resultado, a indústria de calçados, material esportivo, brinquedos e eletrodomésticos estava praticamente quebrada, pela concorrência desleal dos produtos importados da china, por exemplo.

Por outro lado, havia a questão do preço dos serviços públicos. Desde que o Governo FHC entregou a exploração de serviços públicos rentáveis para as empresas estrangeiras, os preços desses serviços dispararam. Entre 1995 e 2007, enquanto a inflação real ficou em torno de 130%, os preços dos serviços de energia elétrica, telefonia, transporte público e água aumentaram, em média, 600%. Mesmo nessa realidade, o governo federal não conseguia ou não queria controlar, pois os preços são autorizados por agências criadas também pelo governo FHC, independentes do poder executivo, e o governo não teve coragem de interferir nas agências. Com isso, o povo continuava pagando os mais altos preços do mundo pelos serviços (mesmo em valor absoluto, marcado em dólar), que deveriam ser públicos, mas que viraram privados e cada vez controlados por menos empresas. Os lucros das empresas que exploram esses serviços já eram tão altos, que um gerente de uma empresa transnacional espanhola revelou a um jornal, que só perdiam para o comércio de cocaína!

Mas o que penalizava, em todas as óticas de observação, era a política de superávit primário. O Governo Lula continuava honrando seu compromisso com o Fundo Monetário Internacional e com os bancos internacionais, de respeitar a taxa de 4,5% de superávit primário sobre o produto interno bruto, mesmo que não tivesse nenhum documento assinado. O que significava isso? O governo se comprometia a separar 4,5% de tudo o que se produzia no país, para pagar juros da dívida interna e externa. Mas, seria ainda mais fácil de entender se o governo e os meios de comunicação explicassem que essa meta significava que o governo se comprometia a separar 33% de tudo que recolhe do povo em impostos e a transferir pros bancos. Durante o ano de 2007, o governo repassou aos bancos na forma de pagamento de juros da dívida mais de 200 bilhões de reais, ou seja, 33% de tudo o que arrecadou do povo. E no orçamento de 2008 estava previsto destinar mais 240 bilhões.

Quanto à dívida interna, quando o Presidente Luiz Inácio da Silva assumiu o governo em janeiro de 2003, a dívida interna era aproximadamente de 600 bilhões de reais. Em cinco anos de mandato, o tesouro nacional repassou aos bancos na forma de pagamento de juros mais de 700 bilhões de reais, no entanto, a dívida em vez de ser saldada pulou para um trilhão e 100 bilhões em novembro de 2007. Porque acontece isso? Porque a cada ano, e a cada mês, o governo não conseguia todo dinheiro do pagamento dos juros. Então, os bancos contabilizam os juros não pagos à dívida anterior e assim vai acumulando, caracterizando no dotodo a prática anatocismo. Para os bancos, a divida era a galinha de ovos de ouro, para acumular cada vez mais. Assim, o estado ficava a serviço dos bancos, recolhia o dinheiro de todo mundo, via impostos, e o governo apenas repassava para os bancos. Alguns economistas do governo diziam que a dívida interna era de propriedade de muitas pessoas físicas, não só de bancos, o que era verdade! Mas, 80% da dívida era crédito de bancos e os outros 20% da dívida era distribuída entre apenas 20 mil famílias ricas que compraram esses títulos da dívida pública.

Essa condição aprofundava a concentração de riquezas na sociedade brasileira. Estava em curso um processo violento de concentração da renda e da riqueza na sociedade brasileira, consequências de duas lógicas perversas do capital financeiro. A primeira, era o pagamento de juros, com dinheiro dos impostos recolhidos de toda a população e depois concentrado em apenas 12 bancos. E a segunda, através das altas taxas de lucro das 200 maiores empresas do país. A elevação da concentração de renda já era perceptível na distribuição do produto interno bruto, quando se media, dividindo entre o que ficava como renda do capital e renda do trabalho. Na década de 70, os que viviam de trabalho ficavam com mais de 60% de toda riqueza nacional produzida num ano; em 2006, os trabalhadores ficavam com apenas 36% da riqueza nacional e 64% era para renda do capital. Era essa a tendência e projeção confirmada a cada ano. O governo federal e seus economistas diziam que havia distribuição de renda durante o mandato do governo Luis Inácio. Havia uma maior distribuição de renda, mas somente entre os que viviam do trabalho. Assim, os que ganhavam mais, a classe média abastada diminuia os ganhos (até porque o imposto de renda sobre rendimento do trabalho aumentou) e os 20% de pessoas mais pobres, sem rendimento, agora ganhavam a bolsa-família, e aumentavam sua participação. Objetivamente, entre os trabalhadores havia uma melhor distribuição de renda porém, isso não era verdadeiro sobre a riqueza total produzida na sociedade porque seguia uma brutal concentração da renda e riqueza no país.

Outra carga para os trabalhadores, por consequência das políticas econômicas e liberalidades, era que as taxas de serviços cobradas pelos bancos crescia. A partir do governo FHC houve uma liberação geral e os bancos passaram a cobrar o que queriam dos seus correntistas, por quaisquer serviços bancários, pelo fornecimento de talão de cheque, saldo bancário, retirada em caixas eletrônicas, etc. Durante o ano de 2007, a soma da receita de taxas de serviços que os bancos cobraram de seus clientes, ao redor de 70 milhões de brasileiros, foi de 52 bilhões de reais. Esse volume de recursos influía decisivamente na concentração de renda da sociedade. Bastava comparar o que os três ministérios sociais do governo (saúde, educação e desenvolvimento social) somados gastaram em 2007 54 bilhões de reais. Ou seja, 12 bancos auferiram mais renda do que todo gasto do governo em serviços sociais fundamentais para todo povo brasileiro, somando educação, saúde e bolsa-família.

Uma penalização importante ao Estado, eram as exportações de matérias-primas isentas de impostos. Durante o Governo FHC foi aprovada a Lei Kandir, que isentava de impostos todas as exportações de matérias primas agrícolas e minerais. Na época, se justificou a isenção porque o real estava muito valorizado e a taxa de câmbio era de 1 real = 1 dólar. Mas agora, não se justificava e o governo não tinha disposição de derrubá-la. Como resultado, exportávamos mais de 30 milhões de toneladas de soja, em grão, e as empresas estrangeiras que controlavam as exportações, como a Cargill, Monsanto, ADM, Bunge e Dryfus, não pagam um centavo de imposto sobre as exportações agrícolas. No caso do minério de ferro era ainda mais vergonhoso: a empresa VALE fez festa para anunciar para a sociedade brasileira que havia alcançado a marca de 100 bilhões de toneladas de ferro exportadas, sem nenhum beneficiamento, mas esquecia de avisar ao povo que não pagara nenhum centavo de imposto. Como resultado, todos os governos estaduais que tinham sua economia baseada nas exportações de produtos agrícolas ou minerais, como Rio Grande do Sul e Para, estavam quebrados, não conseguiam nem pagar os professores em dia.

A política de exportação de petróleo era catastrófica, dado a não proteção das reservas fente ao aumento do preço médio, que saltava de 25 dólares para 90 dólares o barril. Uma política nacional com esse bem mineral deveria ser afirmativa para proteger as reservas, até porque, pela constituição brasileira, o petróleo era patrimônio do povo e a Petrobrás tinha apenas concessão para explorá-lo. No entanto, de 2005 a 2007 a Agencia Nacional de Petróleo, dirigida pelo ex-comunista Haroldo Lima, aumentava os leilões das reservas de petróleo encontradas pela Petrobrás. Muitas empresas estrangeiras compraram esses poços nos leilões e passaram a explorar o petróleo nas bacias de alto-mar. E o governo não tinha controle de qual volume eles extraiam e, depois de leiloado, não pagam mais ICMS pela exportação.

Essas políticas indicavam, cada vez mais, a volta da inflação sem política de reposição de perdas para a classe trabalhadora. Os economistas do governo sempre justificavam as altas taxas de juros pela teoria liberal, que isso era importante para controlar a inflação. Os juros seguiram sendo os mais altos do mundo, mas, a inflação de 2007 alcançava a taxa de 7,7% no ano. A política era tão equivocada que, por fim, nem para os parâmetros da teoria econômica capitalista servia.

E tudo isso batia nos salários. O Governo publicava estatísticas de que todas as categorias que fizeram negociações salariais em 2007, tiveram aumentos iguais ou acima da inflação em seus salários. Isso era verdade, porem não significava que a classe trabalhadora ganhava mais, nem que as empresas pagavam mais. As empresas resolveram esse aumento de salários médios aumentando a rotatividade e despedindo os trabalhadores com salários mais altos. Em todas as categorias houve aumento de rotatividade dos empregados. Diminuia o tempo médio de um trabalhador na mesma empresa. O custo da folha de pagamento não aumentou os custos totais da empresa, ao contrário, eles conseguiram diminuir. Algumas empresas reduziram no valor absoluto despedindo empregados, e outras, de forma relativa, aumentavam a produtividade. Pelos próprios dados do governo, a massa salarial, ou seja, o volume total de reais pagos em salários na folha de pagamento, somando todas as empresas, havia crescido 7% em 2007, mas esse era um aumento um pouco menor que a inflação, que foi de 7,7%. Portanto, não havia aumento real de salários, mas a produção real havia aumentado em 5%, logo os trabalhadores produziram 5% a mais de mercadorias, recebendo o mesmo valor de salários de 2006. Isso era tão real que apenas 36% da população economicamente ativa, que vivia do trabalho, tinha emprego garantido e carteira assinada. Os demais trabalhadores, parte estavam na agricultura, sem rendimento garantido, pois dependiam dos preços dos seus produtos, e outra parte estava no mercado informal, em geral no comércio ambulante, desprotegido não só de salário mensal, como de qualquer direito social.

Portanto, quanto ao emprego, o Governo anunciava em sua propaganda de que haviam sido criados em torno de 2 milhões de empregos por ano, o que era verdade, e também era verdade que representava o dobro do que o nível médio anual de empregos gerados no governo FHC. Mas o governo escondia que cerca de 75% desses empregos geravam rendimentos abaixo de 3 salários mínimos mensais. Em sua maioria estavam localizados entre empregos domésticos (de todo tipo), categoria mais numerosa entre os trabalhadores urbanos do país, 6 milhões de trabalhadores com ganhos não superiores a 3 salários mínimos, e atendentes de tele marketing. Com isso, entravam no mercado de trabalho ao redor de 2,7 milhões de jovens que, na sua maioria, em torno de 64% permaneciam desempregados. Portanto, a geração de 2 milhões de empregos anuais não conseguiam cobrir o déficit anual e acumulado de desemprego no país.

Quanto aos Investimentos sociais fundamentais em educação, apesar dos esforços do governo federal em priorizar a educação, através de medidas positivas como as 197 mil vagas abertas no ensino superior pelo PROUNI, pela instalação de dez novas universidades federais e novos campus no interior, ainda estávamos muito longe de atender às necessidades. Até 2012 a proposta era de criação de mais 800 mil vagas para estudantes universitários. Esses esforços não conseguia alterar a taxa de ingresso da juventude brasileira na universidade; apenas 10% de nossa juventude com idade para ingressar no ensino superior conseguia isso e a grande maioria ainda dependia de faculdades particulares que transformaram o ensino num negócio lucrativa; por sua vez o governo injetava dinheiro público nas organizações privadas, política que desenvolveu grandes grupos multinacionais no Brasil. No entanto, a taxa era muito baixa se comparada com países de economia mais pobre, como Bolívia, que tinha 34% de sua juventude na universidade ou a Coréia do Sul, que alcançava a estupenda taxa de 97% de seus jovens nos bancos universitários.

Quanto aos Investimentos sociais fundamentais em saúde, tínhamos o Sistema Único de Saúde – SUS, uma conquista do povo brasileiro, idealizada por médicos humanistas e consolidada na Constituição. A manutenção do Sistema representava o direito de acesso universal de todos brasileiros ao atendimento médico e hospitalar. No entanto, ano após ano, com o crescimento demográfico e com falta de investimentos em saúde, o atendimento a população era cada vez mais difícil. Em todas as cidades formavam-se intermináveis filas e os casos de abandono e desprezo pela vida dos trabalhadores pobres se repetia quotidianamente, mesmo em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo. O governo investia 24 bilhões de reais por ano, recebidos da CPMF, imposto criado para atender a saúde, que recolhia 40 bilhões de reais por ano, e ninguém sabia explicar porque não era cumprida a lei e parte era desviada para outros fins. E essa realidade piorava: as forças direitistas terminaram com a CPMF e ninguém sabia como seria garantido o direito à saúde. A classe média urbana fugia do SUS e migrava para os planos de saúde privados, que viravam verdadeiros negócios espoliativos, sem nenhum controle governamental. A contribuição mensal do plano mais barato alcançava a cifra de 130 reais por pessoa, o que levava uma família de classe média a gastar cerca de 2 salários mínimos por mês, em planos de saúde privada, de baixa qualidade.

Quanto aos Investimentos sociais fundamentais em moradia popular, a Caixa Econômica Federal abria novas linhas de crédito para reformas e construção de casas populares. Apesar da novidade positiva, o volume dos recursos e a burocracia não representaram nenhum avanço para resolver de forma massiva o problema do déficit de 10 milhões de moradias dignas em todo país. As empresas de construção e os bancos seguiam priorizando a construção para classe média e os recursos a fundo perdido que deveriam fazer parte do Fundo nacional de moradia popular, no orçamento da União, eram insignificantes.

Quanto ao campo, o agronegócio agradecia, porque Lula atacava o direito do trabalhador rural à carteira assinada. No apagar das luzes de 2007, o governo Lula editou a medida provisória 410, tirando o direito à carteira assinada dos trabalhadores rurais que executavam trabalhos temporários. Como sempre, o governo justificava sua atitude dizendo que queria agilizar a contratação de trabalhadores. Com a nova lei, para contratar um temporário, bastava a assinatura de um contrato escrito, sem maiores formalidades. Até então, pela lei vigente, todo o trabalhador, seja do campo ou da cidade, deveria ter sua carteira anotada já no primeiro dia de trabalho. Com a nova lei, entretanto, se o patrão classificar o trabalhador como temporário, não mais necessitaria anotar a sua carteira, um documento que sempre serviu para o trabalhador demonstrar sua experiência profissional, comprovar o tempo de serviço, facilitar a fiscalização e, particularmente, adquirir direitos sociais. Assim, por mais este ato de Lula, aquele produtor rural que contrata sem assinar carteira como forma de obter mais lucro, ao se deparar com uma fiscalização do Ministério do Trabalho, poderia alegar que seus trabalhadores eram temporários e que os contratos escritos da nova lei de Lula estavam em seu contador, ainda que estes não existissem ou que seriam ainda providenciados. Entre eles estavam grandes usinas de álcool e mesmo multinacionais. Além disso, não se poderia perder de vista o ínfimo número de auditores fiscais de que dispunha o Ministério do Trabalho, todos sobrecarregados; a nova lei iria, de certo modo, afrouxar a fiscalização. A autuação por falta de anotação na carteira era uma das principais penalidades aplicadas pelos fiscais do Ministério no campo. Lula, com essa lei, assinada com o ministro da CUT, Luiz Marinho, e o presidente do PDT e Ministro, Carlos Lupi, mostrava o que primava em seu governo: o ataque aos direitos e conquistas da classe trabalhadora para garantir os ganhos e lucros do capital.

Mas, nessa conjuntura, houve arrecadação recorde, mas isso não reduzia os cortes do governo, pois esse valor recorde em 2007 revelava que o fim da CPMF era apenas pretexto para aprofundar o arrocho nos serviços públicos. Nesse sentido, afinado com o discurso do Planalto, o relator-geral da proposta orçamentária do Congresso, o deputado petista José Pimentel, afirmava que os cortes para compensar o fim da CPMF se concentrariam nos custeios de pessoal; com isso, reajustes salariais e reestruturações de carreira no Serviço Público, negociadas para 2008, além de novas contratações, seriam suspensas. De acordo com o plano divulgado pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, o governo esperava obter R$ 20 bilhões com o arrocho ao funcionalismo. O governo afirmava que o fim do imposto do cheque iria fazer diminuir a arrecadação em 2008 em cerca de R$ 40 bilhões. O grosso dos recursos para compensar essa perda viria, portanto, dos cortes no custeio de serviços públicos e investimentos. Mas, no mesmo dia que anunciava essa posição, Mantega reafirmava o compromisso do governo de manter intocada a meta de superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública), em 3,75% do Produto Interno Bruto (a soma do valor de tudo o que o país produz no ano). Os reajustes negociados com os servidores para 2008 custariam, ainda segundo contas do governo, R$ 5,9 bilhões e Pimentel, para atenuar a contradição, afirmava que não defendia a suspensão dos reajustes e contratações, mas apenas seu “adiamento”. Só que o anúncio de Pimentel ocorria quase ao mesmo tempo em que era divulgada a arrecadação recorde que o governo em 2007de R$ 615,15 bilhões, valor 11% maior que em 2006. Isso equivalia a quase R$ 80 bilhões.
As políticas ficavam cada vez mais abertas, porque segundo dados da própria Receita Federal, mesmo descontada a CPMF, a arrecadação teria crescido R$ 24,1 bilhões. Isso desmentia por completo a tese do rombo que o orçamento teria tido com a extinção do imposto do cheque, mostrando ainda que a suspensão do reajuste e de concursos por conta da CPMF era mero pretexto para impor um arrocho ainda maior nos serviços públicos.

 

  1. Impedimento de Dilma e o Golpe Estrutural com Temer: 2016 – 2018

No Capítulo 4, os artigos contam uma percepção do cenário e debates que permearam ambientes do Movimento Socialista e buscavam, na leitura da conjuntura, esclarecer e oferecer direção às lutas da esquerda. Foi um período de muitas incertezas sobre as movimentações políticas de Estado, suas forças constituintes e os movimentos sociais. Do golpe à eleição de Bolsonaro e seu projeto fascista…

 

4.1 Os Cenários da Conjuntura de Golpe no Brasil e a Alternativa dos Trabalhadores: Parte 1 (maio de 2017)

A conjuntura que os trabalhadores enfrentavam no Brasil estava mais dura, seja pelo desemprego estrutural crescente, na falta de intervenção do Estado na economia, nas determinações de proteção social e por consequência do esgotamento de um modelo de desenvolvimento industrial e comercial, como pelas condições conjunturais, propiciadas pela distância do governo das demandadas dos trabalhadores quando às funções sociais do Estado, como educação, saúde, emprego, habitação e infraestrutura. Soma-se o nível de repressão aos movimentos populares e a intensidade dos enfrentamentos, agressivos exacerbadamente por parte das forças polícias do governo de Temer e de seus aliados contra a classe trabalhadora.

O golpe, consolidado a partir da interrupção de um governo legítimo mas distante da pauta social e dos trabalhadores e que não mais atendia os interesses dos industriais, financistas e banqueiros, tenta garantir sua tese da necessidade de contrarreformas. Esse golpe não é apenas um passo dos capitalistas em direção a mais uma reestruturação do capitalismo no Brasil, mas a imposição de um novo modelo de reprodução internacional do capital onde os trabalhadores se mantém responsáveis pela produção e criação de riqueza, mas não são os únicos capazes de engordar os resultados financeiros dos investidores nacionais e internacionais.

Mesmo em uma conjuntura com um presidente da Câmara deposto e preso e o Presidente no Senado Federal deposto e por novo golpe no STF mantido na função, o poder do Brasil se mantinha exercido por um Presidente da República ilegítimo e que não se elegeria com o programa que busca implementar.

A política de Temer, sustentado em reformas na Constituição, é muito próximo de um golpe militar, porque suas concepções apontam para perdas de direitos dos trabalhadores com sustentação das elites de capitalistas e financistas nacionais e internacionais. Essa política regressiva de direitos para os trabalhadores tem provocado a ascensão de organização da classe trabalhadora e sua rejeição generalizada às contrarreformas, seja nas movimentações de 29 de novembro e 14 dezembro de 2016, e da Greve Geral de 24 abril de 2017 e ocupa Brasília e o Brasil dia 24 de maio de 2017, onde ficou demonstrado que a correlação de forças se alterava para os trabalhadores no enfrentamento com as políticas golpistas do governo.

Ao mesmo tempo, os acordos que se desenhavam nas superestruturas do Estado e dos Partidos comprometidos com os interesses dos capitalistas e de governos conciliadores, como PSDB e PMDB, se esforçavam para oferecer alternativas com opção negociada para a continuidade do poder existente sem comprometer os artífices e interesses do golpe. Nessa construção, em meados de 2017, entre as alternativas debatidas estava a manutenção de Temer ou substituição por FHC, ou a construção de um consenso de direita com Álvaro Dias ou Henrique Meireles, oferecendo espaço para projetos de Bolsonaro e Caiado, que eram tentativas e testes de diferentes faces da direita para se manter no poder. O comum, nessa construção, era a crítica ao governo Temer apontando uma saída de direita que reivindicava “legalidade” e “moralidade”, sem dialogar sobre reformas populares estruturais, dívida pública, transferência de recursos públicos para organizações privadas, taxações das riquezas, entre outras pautas necessárias.

No entanto, o cenário de crise política se aprofundava com as Forças Armadas aos poucos se manifestando alinhadas ao golpe e disposta a enfrentar o panorama de luta de classes, particularmente quando se manifesta em acordo com o Decreto que Temer instaura o Estado de Sítio em Brasília dia 24 de maio de 2017, quando mais de 150 mil trabalhadores ocupavam Brasília a partir das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e Movimentos Sindical e Sociais, ato esse revogado no dia 25, o que demonstra a fragilidade da conjuntura de Estado.

Com isso, esse momento apresenta elementos de forte possibilidade de mudança na conjuntura do golpe, oferecendo riscos de rupturas mais duras ainda, sobre o pretexto de que não havendo políticos eleitos que não estejam envolvidos em corrupção, há a necessidade de estabelecer a ordem com o aprofundamento do golpe, em uma conjunção que combina contrarreformas estruturais, atrasadas às necessidades do tempo e em sua forma, em um projeto com funções públicas reduzidas e sem direitos sociais garantidos.

O que resulta disso para o governo golpista de Temer era um executivo frágil em suas bases de direita e que repercute na sociedade, rodeado de denúncias de corrupção, com um núcleo político instável e que poderia se esfacelar se alguma alternativa fosse construída para substituí-lo, enquanto política da direita.

Nesse momento, o golpe sinalizava para rupturas no Estado. As contrarreformas de Temer eram antipopulares, antipovo, e o governo de Temer não dizia, em qualquer momento, que os gastos com juros sobre a dívida pública que, em 2015 eram de R$ 502 bilhões, foram superiores aos gastos previdenciários (R$ 486 bilhões), ou que as desonerações tributárias totalizaram R$ 280 bilhões em 2015 e o governo federal abriu mão de cerca de 20% das suas receitas, e ao fato de que o governo deixou em 2015 de arrecadar cerca de R$ 452 bilhões porque não havia políticas eficazes de combate à sonegação fiscal. Não se colocava para debate que as receitas que deveriam ser destinadas à Seguridade Social terminavam por ser desviadas para outros fins e que o governo não fazia a sua parte nessa composição de receitas.

A saber, a partir da Constituição de 1988 a receita deveria ser composta por Contribuições Previdenciárias para o RGPS pagas pelos empregados e pelas empresas sobre a folha de salários ou sobre a receita bruta de vendas, pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas, pela Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social (Confins), cobrada sobre o faturamento das empresas, pela Contribuição para o PIS-Pasep para financiar o Programa de Seguro Desemprego e os programas de Desenvolvimento do BNDES, também cobradas sobre o faturamento das empresas, pela Contribuições sobre Concurso de Prognósticos e por receitas próprias de todos os órgãos e entidades que participam desse orçamento. Também não se debate que a maior longevidade significa melhoras nas condições de vida, que a inclusão das mulheres alterou positivamente as relações humanas a partir dos direitos conquistados, ou tampouco a função social e as penas existentes nas atividades desenvolvidas pelos trabalhadores rurais.

Com relação à contrarreforma trabalhista de Temer, o Projeto de Lei PL 6.787/2016, aprovado pela Câmara dos Deputados em 26 de abril, modificava cerca de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de rever pontos específicos de outras leis e derrubar súmulas do TST que continham interpretações favoráveis aos trabalhadores. Trata-se da mais ampla alteração realizada na CLT de uma só vez, como a revogação do princípio que protege o trabalhador perante o empregador e, segundo o qual, o primeiro é a parte mais fraca na relação de emprego, reduzindo a proteção do Estado aos trabalhadores e aumentando as garantias e a liberdade de ação das empresas nas relações de trabalho; também promove a redução do poder de negociação e contratação coletiva dos sindicatos, prevendo a possibilidade de realização de acordos individuais – inclusive verbais – para a pactuação de diversos aspectos das relações de trabalho, a não exigência de participação dos sindicatos na homologação de rescisões, o condicionamento da contribuição sindical à prévia concordância dos trabalhadores e a constituição de uma forma de representação dos trabalhadores independente do sindicato. A contrarreforma de Temer também permite o rebaixamento de direitos previstos em lei, por meio do princípio da prevalência do negociado sobre o legislado em relação a diversos aspectos das relações de trabalho. Além disso, a reforma trabalhista inscrita proposta por Temer institui um marco regulatório para as relações de trabalho altamente favorável aos interesses das empresas, revertendo a lógica que originalmente inspirou a criação da legislação trabalhista no país, de cunho mais protetivo ao trabalhador, ainda que permeada por uma visão conservadora a respeito dos direitos coletivos de organização e representação.

Com relação à contrarreforma da Previdência, o que estava indo para votação na Câmara de Deputados continha retrocessos importantes, como para adquirir o direito a aposentadoria o projeto impõe idade mínima de 62 anos para mulheres e de 65 anos para homens, sendo que para os trabalhadores celetistas, para adquirir o benefício integral, será necessário ter 40 anos de contribuição.

O que está por trás das contrarreformas estruturais, de interesse da burguesia nacional e dos capitalistas internacionais?

“Sob o discurso da austeridade, que busca justificar o injustificável arrocho nos investimentos sociais, o Estado tem privilegiado políticas que, no fim das contas, servem ao pagamento de juros bancários. É nesse sentido que a contrarreforma se movimenta. Investigações realizadas pela Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil e em várias partes do mundo têm demonstrado que grande parte das dívidas públicas são geradas por certos mecanismos financeiros que atuam tanto em sua origem como em seu contínuo crescimento. Em vez de aportar recursos, a dívida pública é um esquema de transferência de recursos principalmente para o setor financeiro.

No fundo, o que estava em jogo não era apenas o sistema previdenciário, senão um modelo de sociedade cada vez mais alinhado às perspectivas de mercado. O cerne das alterações que vêm sendo feitas ao longo dos anos é a modificação de um modelo de solidariedade – no qual a garantia de emprego e boa remuneração aos jovens garantiria sempre boa remuneração aos aposentados – vem dando lugar a um modelo submetido às regras do mercado e sem qualquer segurança futuro. O verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso é tão importante lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica”. Maria Lúcia Fattorelli

Na economia, querem desregulamentar ainda mais os condicionantes aos ganhos de capital, bem como ilimitar remessas de lucros e ingressar em “Mercados” ainda em disputa como o da previdência, a exemplo do que já fizeram na saúde, educação, segurança e infraestrutura.

Nas relações de trabalho, os donos dos meios de produção querem derrubar as regras que limitam seus lucros. De forma irresponsável, querem aumentar jornadas de trabalho, reduzir os requisitos mínimos nas Normas de Segurança e Saúde e impor acordos sem restrição de leis de proteção.

Para nós, Porto Alegrenses, a conjuntura se expressa muito forte porque vivemos uma conjuntura onde os governos de Sartori e Marchezan se alinham a Temer em suas políticas absolutamente regressivas, em torno da retirada de direitos dos trabalhadores, reduzindo as funções de Estado e desaparelhando os equipamentos públicos.

 

4.2 Os Cenários da Conjuntura de Golpe no Brasil e a Alternativa dos Trabalhadores: Parte 2 (maio de 2017)

A conjuntura que vivemos não permite que o governo Temer nem os atuais parlamentares brasileiros tenham legitimidade para retirar direitos ou alterar a Constituição. Depois de revelado o maior escândalo de corrupção do país, que atinge o poder Executivo e o Legislativo, onde comprovadamente o discurso de conciliação de classes propagado pelo próprio petismo nos seus anos de governo é colocado em xeque, nos cabe entender como acontecerá e qual será a nova realidade brasileira após os confrontos de interesses entre os Trabalhadores e o governo golpista de Temer.

Para cumprir o desafio de desenvolver a projeção de cenários possíveis no momento que vive o Brasil, em caracterizações e aspectos que são importantes para a classe trabalhadora, a abordagem foi construída a partir de comparações com momentos históricos mais recentes no Brasil, em um método que tem a intenção de facilitar os entendimentos propostos.

Como em todo o estudo de cenários, é necessário estabelecer qual a questão central a ser estudada, que nesse caso envolve o momento que vivemos com o governo Temer. Contudo, esse “problema” a ser investigado e projetado em sua continuidade, está envolto em um ambiente mundializado de relações, que não será objeto de nossa construção, mas entendendo que a conjuntura internacional afeta diretamente os comportamentos da política brasileira e de qualquer país no mundo.

Para o desenvolvimento do estudo, foram estabelecidos parâmetros de análise, valores e concepções na leitura da história e do momento presente, onde qualquer certeza é permeada pelas variáveis políticas submetidas à realidade, bem como a interpretação e a correção que a classe trabalhadora venha a impor à realidade concreta, subvertendo assim a ordem estabelecida pelo Estado e as interpretações aqui desenvolvidas. Para um melhor entendimento e alinhamento no tempo, os cenários foram apresentados por sua relação com o tempo histórico ao qual é comparado, o que necessariamente pode não representar uma maior ou menor possibilidade de acontecimento real.

Cenário 1: Temer fica, as contrarreformas avançam e o Golpe se consolida pela superestrutura de direita: o Estado de exceção se aproxima?

Para quem traça paralelos entre as conjunturas de 1964 e de hoje, é importante que se evidencie as singularidades e as diferenças nas movimentações sociais, nos poderes de Estado e a correlação de forças entre as elites nacionais, os interesses do capital e a capacidade de enfrentamento dos trabalhadores.

No começo da década de 1960 o Brasil atravessava uma profunda agitação política provocada pelo embate entre o modelo desenvolvimentista vivido no Brasil desde a década de 50 e a necessidade de implantar o que no tempo se identificava como Reformas de Base, que pretendiam reduzir as desigualdades sociais brasileiras. Entre estas estavam as reformas bancária (para ampliar crédito aos produtores), eleitoral (ampliar o voto aos analfabetos e militares de baixa patente), controle da remessa de dinheiro para o exterior, dar canais de comunicação aos estudantes, permitir que os analfabetos votassem, maioria da população, a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo, entre outras mudanças estruturais.

Naquele momento, a exemplo de hoje, a crise econômica e a instabilidade política se propagavam no país, particularmente quando foram apresentadas propostas de reformas constitucionais que aceleraram a reação das elites, o que alinhado aos interesses nacionais admitidos pelos militares, criou as condições para o golpe de 64.

Para desenvolver tal analogia, entre os momentos históricos, é necessário que se tenha concreto a compreensão sobre as condições que levaram à polarização entre projetos e as classes sociais e os riscos de rupturas das estruturas do Estado Burguês e da democracia admitida por esse Estado. O que significa ser verificado, em primeira análise, é quem propunha e provoca as reformas e a quem seriam dirigidas suas consequências, assim como as capacidades de enfrentamento e as fragilidades.

A compreensão do desequilíbrio favorável à classe trabalhadora e a tese da ruptura pela classe devem ter por verificação inicial se o confronto está favorável à classe trabalhadora e se nas condições impostas na situação é capaz de romper com a estrutura do Estado Burguês: se sim, a tese de ruptura social se confirma, e a possibilidade de golpe conservador tende a ser mais concreta. Por parte do governo de Temer, em sua função de promover as contrarreformas buscadas pelos capitalistas, a sustentação se restringia à superestrutura ideológica e fisiológica do Estado e a recortes de uma base difusa da direita: anticomunistas, antipetistas, capitalistas internacionais, setores militares… Onde poderiam estar incluídos nesse campo os nacionalistas, não liberais, setores das forças armadas, e descontentes da burguesia nacional, pequeno burguesia do campo e da cidade, entre outros. Esse espectro de apoio difuso em seus interesses e pouco alinhado fisiologicamente termina por se sustentar nas estruturas de Estado, como Judiciário e Legislativo, corrompidos de igual forma que o poder central do gerente de Estado, Temer. Sua fragilidade é compensada pela estrutura reacionária alinhada de forma pragmática aos regramentos do Estado Burguês. A ameaça, para esses, é a quebra estrutural do Estado e a falência de projetos liberais e financistas, portanto com grande impacto para o sistema de relações econômicas e de produção.

Pela classe trabalhadora, sobressai indignação social, desemprego… E a certeza de que o golpe não terminou e que era necessário retirar Temer do Poder. As movimentações, consequência da articulação de movimentos organizados ou não, fez com que desde o impedimento da Presidenta Dilma por um golpe estrutural de Estado a classe trabalhadora vá ao enfrentamento com os poderes de Estado, que sustentam Temer, e para as ruas dizendo: Não às Contrarreformas e Fora Temer. Os anos de 2016 e 2017 promoveram no Brasil a ascensão de classe pela ação direta dos trabalhadores em movimentações jurídicas, em interpelações políticas junto aos parlamentares e, principalmente, nas ações concretas de confronto com as políticas de governo que se protegeram nas forças polícias para a defesa dos governos golpistas que se instalaram na união, Estados e Municípios. Foram greves e movimentações que, no acúmulo de suas ações, (particularmente novembro e dezembro de 2016 e ocupa Brasília em 2017) empilha forças e cresce em disposição para a luta. Nos cem anos após a primeira greve geral no Brasil, trabalhadoras e trabalhadores brasileiros deram exemplo de força e resistência ao paralisar, dia 28 de abril de 2017, os principais centros urbanos e setores produtivos do país em protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência.

Nesse cenário, onde Temer se mantém e as contrarreformas avançam, pode projetar-se que às condições de acirramento do conflito de classes exacerbará em seus confrontos, seja pela consolidação do golpe com a manutenção do poder, como pelas ampliações na regressão de direitos e continuidade na entrega do Estado às empresas privadas. Dado que a quebra estrutural do Estado sofreria riscos, nessa conjuntura, há a perspectiva dogmática e legal de que a repressão aumente de forma controlada por um maior autoritarismo de Estado, que poderá sim estar sustentado por uma intervenção militar direta.

Cenário 2: Diretas Já, Temer cai e o acordo no Congresso é derrotado

Para estabelecer similaridades, embora em condições muito distantes, de ditadura à democracia burguesa, e agora de um governo conciliador a um governo antipovo, considerando também que os trabalhadores foram derrotados naquele momento histórico, vamos estabelecer por referência o Movimento das Diretas Já, de 1984.

Para melhor entendimento e breve nivelamento, o Movimento das Diretas Já foi um movimento Político Democrático, que teve uma das maiores participações populares da história do Brasil.  Seu início aconteceu no ano de 1983, no governo de João Batista Figueiredo, que se apoiava na emenda do deputado Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República em nosso país, visto a falência do governo frente as demandas sociais e políticas da classe trabalhadora. A luta por Eleições Diretas em 1984 foi o limite onde os trabalhadores queriam romper com a ditadura que durava 20 anos no Brasil, que estava sob o Regime Militar desde 1964. Os golpistas já não tinham condições de perdurar por muito tempo pela crise política impulsionada nas lutas dos trabalhadores, por crise econômica, dívida externa em um valor exorbitante, desemprego… Naquela conjuntura de Estado de Exceção, a próxima eleição para a presidência iria acontecer em 1984, e seria realizada de modo indireto, através do Colégio Eleitoral. E para que a eleição pudesse ocorrer de forma direta, na qual o voto popular valesse, seria necessária a aprovação de emenda constitucional.

O ambiente político e as movimentações eram intensas: foram realizadas inúmeras manifestações durante esse período, a cor amarela era o símbolo dessa campanha. Os comícios que ocorriam eram marcados pela presença de pessoas que haviam sido perseguidas pela ditadura militar, membros da classe artística, intelectuais e representantes de outros movimentos lutavam pela aprovação do projeto de lei. As lideranças estudantis como a UNE e sindicatos também reforçaram o movimento. Em janeiro de 1984, aproximadamente 300.000 pessoas se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo. No dia 10 de abril, um milhão de cidadãos tomou conta do Rio de Janeiro e uma semana depois, cerca de 1,7 milhões de pessoas se mobilizaram novamente na Praça da Sé.

No entanto, em 25 de abril de 1984 o Congresso Nacional se reuniu para votar a emenda que Dante de Oliveira havia proposto. Mesmo após os movimentos e pressão da população, muitos deputados comprometidos em um acordão de superestrutura, tutelado pelas elites e militares, não votaram a favor e por uma diferença de apenas 22 votos e algumas abstenções o Brasil continuou com o sistema indireto para as eleições de 1985. Para dar a impressão de que seria uma disputa democrática, o governo da época permitiu que civis concorressem ao pleito e Paulo Maluf (PDS) e Tancredo Neves (PMDB) foram os indicados e Tancredo venceu a disputa. Mas antes de assumir o cargo de presidente, ele faleceu devido a uma doença e quem assumiu o cargo foi o vice, José Sarney, que tornou-se o primeiro presidente civil depois do regime da Ditadura Militar.

Naquela conjuntura, de construções que acumulavam na greve geral do dia 28 de abril de 2017, apontavam à radicalização, e a classe trabalhadora apresentava de forma contundente sua posição de classe e começava a acreditar na possibilidade de reverter as reformas e na queda de Temer pela convergência entre mobilizações por democracia e aquelas relacionadas a outros direitos, como trabalho, saúde, educação, habitação, entre outras. O cenário de Eleições Diretas e a convocação de novas eleições gerais era prerrogativa para que o povo pudesse decidir quem seriam seus representantes, no entanto ficava na dependência da desconstrução de um possível acordo no Congresso, com Temer fora do poder. Nesse cenário, era pouco provável de evoluir politicamente nos ambientes do Parlamento de Estado que, sobre a justificativa da legalidade, iria justificar a necessidade de acordo parlamentar e político que teriam como função verdadeira camuflar o acordo de direita, que é um campo de disputa com pouca capacidade de intervenção dos Movimentos Sociais.

Cenário 3: Temer sai com movimento das ruas e com anuência do Congresso Nacional, as elites conciliam e congresso ratifica as eleições Indiretas

Esse cenário poderia bem ser alinhado ao impedimento de Fernando Collor de Melo empossado em 1990, quando estabeleceu medidas econômicas antipovo para tentar combater um dos principais problemas da economia do país: a inflação, que na época chegava a 1700% ao ano. A principal dessas medidas foi o confisco das poupanças por um período de 18 meses, o que deixou a população completamente insatisfeita, medida essa estabelecida pelo meio autoritário de medida provisória, que não deu certo. Em 1992, rodeado por denúncias de corrupção, instala-se uma CPI no Congresso e mais tarde o processo de impedimento na Câmara de Deputados.

Em agosto de 1992 a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Secundaristas (UBES), apoiado por diversos setores da sociedade, vão às ruas em um movimento que tinha o objetivo claro: remover o presidente do poder, com passeatas que inicialmente reuniram 10 mil pessoas, depois 30 mil, até chegar à marca de 400 mil pessoas em uma passeata em São Paulo, no dia 25 de agosto. Como pano de fundo, a corrupção, a fraca sustentação política do governo, além da profunda crise econômica do país, que havia apenas piorado com as medidas controversas adotadas pelo próprio governo de Collor, que causaram insatisfação popular e uma forte oposição ao presidente no Congresso.

Collor caiu, mas por força de quem?

As elites, insatisfeitas com a política de Collor, que abria o mercado brasileiro para empresas multinacionais, segregou uma parte das elites nacionais com a outra mão, o que lhe custou uma oposição por dentro dos marcos da Institucionalidade do Estado, onde foi forjado o grande acordo que veio a forçar a saída de Collor por renúncia, em um acordo que se sustentou nos movimentos de rua e garantiu às elites a passagem segura do poder nas mão de Itamar Franco, líder do acordo de salvação nacional, para os capitalistas.

Nesse cenário, onde Temer sai com movimento das ruas e com anuência do Congresso Nacional, as elites conciliam e congresso ratifica as eleições Indiretas, pode ser o melhor ambiente para as elites, mas para a classe trabalhadora é a manutenção de um projeto excludente e antipopular de alternativa para o Estado.

Dos cenários que vimos, portanto, não há cenário favorável para os trabalhadores por dentro do Estado Burguês, em suas acomodações de poder. A Alternativa dos trabalhadores é no ambiente democrático e popular, onde os Movimentos Sociais têm sua hegemonia construída na autonomia e construção democrática de classe.

Nossa Alternativa: “Enquanto o povo não acordar, a crise só vai piorar, seja lá o governo que assumir. Porque, se não enfrentar o problema, não haverá mudança. E os governantes só vão fazer isso se houver uma grande mobilização social consciente. Não é com massa de manobra não. É preciso juntar todo mundo e enxergar o país.” Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

 

4.3 Os Cenários da Conjuntura de Golpe no Brasil e a Alternativa dos Trabalhadores: Parte 3 (junho 2017)

O Enfrentamento às contrarreformas é, antes de tudo, neutralizar as ações do governo e potencializar as propostas da classe trabalhadora. As ações do governo partem da mídia, alinhada ou não ao governo, que tem como intenção produzir um efeito de “conhecimento” da realidade, reduzir a desconfiança e o descontentamento com as condições sociais e políticas, buscando o convencimento de massa para com isso diminuir o nível de tensionamento, que é consequência das diferenças sociais e do modo autoritário de exercício de poder pelo governo.

Mas além dessa perspectiva de atuação, no andar de cima dos poderes de Estado, o governo se encontra em um ambiente onde é necessário satisfazer as sofisticadas e fisiológicas intenções das diferentes frações da direita nacional e internacional, que causa grande instabilidade em sua intenção graças à incapacidade que tem de construir um acordo na superestrutura do Estado que consiga consolidar um acordo nacional desenvolvimentista e manter os interesses dos capitalistas no poder. Daí a aprovação das contrarreformas, a maior abertura da economia, a política de deslocamento dos recursos públicos para o sistema financeiro, a redução de direitos sociais e o pacto de sobrevivência aos corruptos dos poderes do Estado e dos corruptores capitalistas.

A incapacidade do governo de Temer está explicitada na baixa aprovação do governo até a utilização de Decreto de Estado de Sítio em Brasília dia 24, um cenário extremo que nem mesmo a direita quer para si. Sobre o Decreto, assinado dia 24 de maio, com data de 24 de dezembro, corrigida a data dia 25, dia em que foi revogado, cabe o entendimento que possivelmente a data de dezembro foi colocada porque estava pronto para ser assinado dia 14 de dezembro, data da votação da PEC 55.

A imponderabilidade da conjuntura frente a tamanhas possibilidades de acontecimentos se agudiza para a direita, visto que não consegue estabelecer o acordo de superestrutura com os do “andar de cima”, o que coloca o governo em descontrole e dependente de rupturas de sustentação e denúncias, sem capacidade de atuar na sociedade e com risco de enfrentamentos sociais de maior gravidade social com os movimentos de massa, que devem crescer.

A partir dessa realidade, podemos reduzir a três os maiores desafios estratégicos para a construção de uma alternativa de classe para o enfrentamento e na construção de um projeto de nação que atenda à classe trabalhadora: a Unidade de Classe na ação, um Programa de Classe para o Brasil e uma direção capaz de orientar a classe nos processos de luta e na disputa pelo Estado.

  1. Unidade de Classe na Ação

As políticas vivenciadas pelos governos da Frente Brasil Popular em seus anos de poder no Estado, de garantir o superávit primário, pagamento dos juros da dívida pública e os lucros dos capitalistas, em muito não contribuíram na construção da unidade de ação das forças de esquerda no Brasil. No entanto, temos vivido nos últimos meses uma nova conjuntura, a partir do golpe estrutural e do impedimento de Dilma, onde o entendimento de classe sobre a necessidade de enfrentar a reestruturação dos capitalistas, com rupturas de Estado, construção de acordos na superestrutura e contrarreformas que arrancam direitos dos trabalhadores e dos pobres, fizeram a movimentação da esquerda em torno de um plano de lutas e ações que oferecessem direção e unidade de ação de classe para deslocar a correlação até então desfavorável aos trabalhadores.

O entendimento comum parte em barrar os ataques do governo e do Congresso Nacional aos direitos trabalhistas, sendo preciso colocar os trabalhadores na linha de frente dessa batalha. Contudo, a consciência que a realidade nem sempre é entendida simultaneamente pelo conjunto da classe trabalhadora, tampouco as organizações conseguem garantir em suas estruturas os encaminhamentos políticos e organizativos necessários, o primeiro desafio para alterar a correlação de forças entre os trabalhadores e os capitalistas é garantir a unidade de ação com o respeito democrático às organizações e suas estratégias de luta.

Mas a realidade é complexa: é necessário considerar que em meio à luta estarão os burocratas sindicais, responsáveis por décadas de traições, imobilismo, redução de empregos, salários e direitos, preocupados com os milhões que recebem de imposto sindical para garantir seus privilégios, e esses em parte estarão conosco em seus limites. Além disso, há desequilíbrios na capacidade e força de representação, com organizações que concentram setores estratégicos e explorados da classe trabalhadora, importantes na luta. Como exemplo, dos mais de 12 milhões de terceirizados no país, a UGT (central que representa interesses parciais e coorporativos dos trabalhadores, sem nenhuma perspectiva de enfrentamento à ordem e aos patrões, ou que ameace o sistema capitalista) concentra os maiores sindicatos de empresas terceirizadas e apenas um de seus sindicatos de base concentra 700 mil terceirizados em sua base em São Paulo. Pois os trabalhadores dessa base, com relações de trabalho rebaixadas e frágeis, em uma difícil condição de enfrentamento, estão reféns de uma Central Sindical que pode, daqui a pouco, romper com a Unidade das Centrais na luta contra as contrarreformas e o golpe de Estado, justamente porque não tem compromisso com a luta de classes.

Portanto, temos uma disputa de direção das massas trabalhadoras onde o centro para nós é ideológico, que repercute na estratégia a ser adotada pelo movimento e nas construções organizativas e que atenda às expectativas imediatas da classe trabalhadora. Lutamos por uma transformação profunda da sociedade, e a unidade das esquerdas deve estar sustentada pela unidade de ação entre todos que querem o socialismo em uma frente única, em um terreno comum. Dessa forma, nossa estratégia não está comprometida em apresentar alternativas ao capitalismo, como faz a socialdemocracia, que é a infiltração da burguesia na classe operária.

  1. Construção de um Programa que garanta reformas estruturais alinhadas aos interesses da classe dos trabalhadora da cidades e do campo

Seguindo o método adotado, trazendo a comparação de momentos históricos do Brasil para a construção de entendimentos, o cenário de antes do Golpe de 1964, quando Jânio renuncia e João Goulart ascende ao governo a partir de um acordo no parlamento, com discordância clara dos militares, quando o Brasil estava envolto em crises na economia e na política. Naquele momento, entre as medidas, previa-se o controle do déficit público e, ao mesmo tempo, a manutenção da política desenvolvimentista com captação de recursos externos para a realização das chamadas Reformas de Base, que eram medidas econômicas e sociais de caráter nacionalista que previam uma maior intervenção do Estado na economia. Nessa ampla denominação de Reformas de Base, que eram estruturais, incluíam-se as reformas bancária, fiscal, urbana, eleitoral, agrária e educacional. Defendia-se também o direito de voto para os analfabetos e para os militares de patentes subalternas. Além disso, eram propostas medidas de corte nacionalista, com maior intervenção do Estado na vida econômica e maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior.

Ratificando as propostas que pautaram aquele momento histórico, alinhado à tarefa central de combate às rupturas de Estado que vivenciamos, é necessária a construção de um projeto de sociedade e de desenvolvimento do Brasil sob controle dos trabalhadores, onde na construção teremos certamente consenso em sete grandes campos de abrangência social:

– Reforma educacional, que garanta a valorização do magistério e do ensino público em todos os níveis, o combate ao analfabetismo e uma reforma universitária que garanta desenvolvimento nacional autônomo, garantindo com isso o planejamento da sociedade e o emprego cidadão;

– Auditoria Cidadã da Dívida, contra a financeirização da economia e limite da remessa de lucros para o exterior;

– Reforma fiscal, que promova a justiça fiscal e estabeleça a arrecadação necessária para que o Estado garanta a contrapartida em funções públicas como saúde, saneamento, entre outras;

– Reforma eleitoral, que garanta processos democráticos e a operação dos partidos operários;

– Reforma urbana, que entenda à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitação condigna a todas as famílias;

– Reforma agrária, que promova a democratização da terra estendendo ao campo os direitos dos trabalhadores urbanos;

– Garantia de infraestruturas estratégicas sob controle do Estado como comunicação, energia, proteção ambiental, entre outras.

 

III. Construção de uma Candidatura: direção capaz de orientar a classe nos processos de luta e na disputa pelo Estado

As condições políticas brasileiras, dependentes e consequência da superestrutura do Estado, estão integralmente determinadas pelas vontades dos interesses capitalistas de produção e financiamento. Essa condição determina que a direção de enfrentamento e exercício de poder, que irá representa a classe trabalhadora, esteja operada por militante de esquerda que represente e responda de forma objetiva às condições concretas da realidade, seguindo os caminhos determinados democraticamente pela classe trabalhadora. Essa condição original é princípio, porque toda política a ser efetivada dependerá da ligação às massas, porque uma direção sem às bases, separada das bases, estará sujeita a cometer graves erros em um Estado em disputa.

O contorno de alianças partidárias, representante das composições e expressão acordada das estratégias e concepções de uma Frente de Esquerda, que tem por função sustentar os processos de disputa e operação do poder, têm como uma tarefa a indicação de representante de largo espectro na esquerda com capacidade de ouvir, refletir e dirigir, dogmaticamente obediente ao Programa Social de Governo e às instâncias populares de decisão.

A construção de uma candidatura, portanto, deve ser expressão dos movimentos sociais de massa, com identidade socialista e envergadura de representação, forte para resistir, estratégico no avanço das mudanças sociais.

Os Movimentos Sociais de Esquerda têm, em sua intervenção, líderes de base, como nos Partidos Políticos e Frentes, como a Frente Povo Sem Medo, que tem como referencia de direção Guilherme Boulos oferecendo a centralidade da luta na disputa de hegemonia de classe, na construção de um programa de referência na classe trabalhadora, com uma proposta ofensiva de composição.

Nossa Alternativa: Temer, de fato, cumpriu a promessa de unificar o País. Havia apenas esquecido de mencionar que a unidade seria de quase todos contra seu governo…

As Diretas Já são necessárias porque é o único caminho para derrotar o Temer e o projeto do Temer. Para barrar as reformas é só com diretas. Além de necessária e legítima, a Diretas Já é possível. Não acreditando nesse Congresso, mas acreditando no nosso poder de mobilização. Tornar Diretas Já é possível, é tomar as ruas desse país de norte a sul. É levantar a voz que estamos levantando hoje. Guilherme Boulos

 

4.4 – 30 anos da Constituição de 1988: do golpe militar aos avanços democráticos, do novo golpe e contrarreformas de Temer à resistência popular (janeiro, 2018)

Passados 30 anos da promulgação da Constituição de 1988, saindo de um sangrento golpe militar, e em uma conjuntura de novo golpe na classe trabalhadora e na democracia do Estado capitalista, as trabalhadoras e trabalhadores brasileiros buscam enfrentar as crises geradas pelas elites e sistema econômico para que garantam suas condições diferenciadas e seus monstruosos lucros em cima da exploração do povo.

E acontece o novo golpe das elites e aparelhos do Estado, começado em 21 de outubro de 2015 e consolidado em 31 de agosto de 2016, com o impedimento da Presidente Dilma, golpe que recompôs a integralidade do poder do Estado para das elites. Necessário resgatar que as elites e o sistema financeiro não deixaram de estarem participando do poder durante o período de “redemocratização”, até mesmo nos governos da Frente Brasil Popular, já que desde o primeiro governo de Lula, a partir da Carta ao Povo Brasileiro (lançada no primeiro semestre de 2002), foi apresentada claramente a opção do PT por participar da reforma capitalista a partir da estratégia de conciliar interesses. Naquele momento, questões estratégicas até então admitidas e revisadas, como não pagamento da dívida externa, reestruturação agrária e urbana, reorientaram a ação política desse campo e permitiram que os Liberais e a própria direita compartilhassem o poder (vice presidência, ministérios, economia…).

Nesse período para as Universidades Públicas, por exemplo, houve uma aparente alteração das políticas de investimento no ensino superior público a partir do Reuni, mas que na verdade contracenaram com a grande privatização do sistema nacional de formação superior e proporcionaram o aprofundamento da privatização das IFES a partir da mudança de concepção implantada com o Projeto do Ministério da Educação (2003), baseado no Projeto do Banco Mundial para o Ensino Superior nos países do terceiro mundo, de 1998.

Mas o golpe se consolidou a partir da interrupção de um governo legítimo da Presidenta Dilma, mesmo que esse estivesse distante da pauta social e dos trabalhadores, mas que também não mais representava e atendia os interesses dos industriais, financistas e banqueiros, que no golpe buscaram garantir sua intenção de contrarreformas. Esse golpe não é apenas um passo dos capitalistas em direção a mais uma reestruturação do capitalismo no Brasil, mas a imposição de um novo modelo de reprodução internacional do capital onde os trabalhadores se mantêm responsáveis pela produção e criação de riqueza, mas não são os únicos capazes de engordar os resultados financeiros dos investidores nacionais e internacionais.

A política de Temer, expressa em reformas na Constituição, assume feição de um golpe militar, porque suas concepções apontam para retirada de direitos dos trabalhadores com sustentação das elites de capitalistas e financistas nacionais e internacionais. Essa política regressiva de direitos para os trabalhadores tem provocado a rejeição generalizada às contrarreformas, seja nas movimentações de 29 de novembro e 14 dezembro de 2016, e da Greve Geral de 24 abril e ocupa Brasília e o Brasil dia 24 de maio de 2017, onde ficou demonstrado que a correlação de forças pode ser alterada para os trabalhadores se há enfrentamento com as políticas golpistas do governo.

Da mesma forma, na Greve Nacional da FASUBRA em novembro e dezembro de 2017, a ocupação do Anexo C do MPOG, o trancamento do Anexo 2 da Câmara e a ação na frente da residência do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sem reações de força por parte do governo, que recebeu os grevistas em duas reuniões, demonstra que as ações de rua e de massa, associadas a movimentações parlamentares e diálogo com a sociedade, são capazes de alterar favoravelmente a correlação de forças.

No entanto, o cenário atual demanda novas e mais amplas estratégias a serem apontadas para os trabalhadores. A compreensão sobre Frentes de Esquerda e a alternativa de unidade das esquerdas, a partir da unidade de ação entre todos que defendem o Socialismo, deve estar assentada em um terreno comum onde as estratégias das Forças Políticas são respeitadas e as identidades comuns são os fundamentos. O eixo central não é apresentar alternativas ao capitalismo, como faz a socialdemocracia, que é a infiltração da burguesia na Classe Operária, mas sim apontar alternativa e direção à classe trabalhadora.

A Plataforma VAMOS, enquanto alternativa, tem por finalidade rediscutir os problemas brasileiros, além de tentar apontar novos rumos para o Brasil e a esquerda brasileira. O princípio do movimento é criar um projeto popular, construído de baixo para cima, longe da velha prática de decidir o futuro do Brasil à portas fechadas, de cima pra baixo. O VAMOS está orientado em torno de 5 eixos fundamentais: Democratização da Economia; Democratização da Política e Poder; Democratização da Cultura e dos Meios de Comunicação; Democratização dos Territórios e do Meio Ambiente; e Programa Negro, Feminista e LGBT.

Outra movimentação é a possível nova edição da Carta ao Povo Brasileiro, que deverá propor um novo acordo de conciliação, só que dessa vez, como se tem notícia, não será desatinada ao mercado financeiro, mas à classe média, objetivando fugir do rótulo de populista e reafirmar um compromisso com a responsabilidade fiscal. Nessa alternativa há claramente, diferente do VAMOS, uma orientação de projeto partidário, o que poderá distorcer frontalmente a amplitude da composição das Forças da Sociedade, tanto no que diz respeito à concepção de Frente de Classe, quanto com relação ao Eixo Central.

Nesse cenário, não devemos nos confundir ou criar disputas superestruturais no ambiente da Classe Trabalhadora. Temos de construir estratégias de concepção, que resguardem os interesses da Classe Trabalhadora, o mais ampla possível e unificadas para sair da política defensiva e construir movimentações ofensivas, enquanto um papel estratégico da classe trabalhadora e de todas as organizações populares, sindicais, partidárias que se mostram alinhadas aos reais interesses da classe trabalhadora e por um Estado justo e que garanta condições iguais para todas e todos.

Não podemos nos confundir e contaminar com as concepções da social democracia, porque essa se sustenta na burocracia que limita e impede a construção das rupturas democráticas, que exigem uma maior amplitude política que o capitalismo permite.

– O acúmulo de 30 anos, que segue:

Em meio à transição lenta gradual e segura, proclamada pelos militares e elites golpistas de 1964, abriram-se nesgas de perspectivas democráticas que passaram pelo retorno dos exilados políticos, às possibilidades de eleições presidências diretas em 1984, não consolidadas, e as perspectivas de uma constituinte que garantisse avanços em 1988, todos momentos com contorno determinado pelas elites para que fosse resguardada a ordem social.

No debate das políticas populares, naquele momento, circulavam posições de extrema esquerda, onde claramente nos posicionávamos, até outras correntes que defendiam um reformismo socialdemocrata com melhorias que garantissem nem que fosse o mínimo de avanços sociais, por concepção ou medo dos retrocessos que poderiam retornar. Uma coisa estava identificada pelos trabalhadores: o embate difícil e a dúvida se havia um preço político a ser pago pela esquerda aos dominantes das elites e militares, que sob pressão admitiram a “abertura política”, mas se posicionavam no marco das reformas capitalistas.

E a pauta dos trabalhadores, em contrapartida, buscava a revolução agrária e urbana, a reestruturação educacional, combate a miséria e exclusão social e política, o enfrentamento às desigualdades, não pagamento da dívida externa, reforma política de base, reestruturação dos movimentos sociais desatrelados do Estado, entre outras. Mas estava claro, também, que eram muitas promessas e os que detinham o poder não queriam perder suas condições favoráveis, o que estabeleceu a polarização social como estratégia da disputa.

No campo da esquerda, o debate de marcar posição ou garantir avanços, portanto, acontece de forma natural nas movimentações do campo popular e proletário, concebidas em políticas com caráter de lutas de classes ou por atendimento a necessidades imediatas das necessidades políticas e econômicas para os trabalhadores. Para as elites nacionais, o debate se concentrava entre a construção de um modelo nacional, que se enfrentou com a capitulação às políticas dos Estados Unidos da América e aos ditames do capital internacional, independente de submeter o Estado à dependência política e econômica e a maioria do povo à uma condição social miserável.

– O jogo de interesses que permeia o novo golpe e as mudanças necessárias:

Diferentes setores políticos conservadores e reacionários, liberais e da direita ortodoxa, têm no golpe de 2015 perspectivas radicais em seus interesses econômicos, políticos e de concepção do Estado, alinhados em uma estratégia de “Ordem e Progresso”. Dentre as concepções que apresentam estão a submissão ao sistema financeiro, conservadorismo dos regramentos para as relações sociais e trabalhistas e a subalternação dos interesses da maioria do povo do campo e da cidade aos regramentos impostos pelos capitalistas e suas regras organizativas.

A estratégia do governo é objetiva, para a consolidação do golpe e efetivação das mudanças na estrutura do Estado:

– reformar a Constituição Federal de forma antidemocrática, por meio de artifícios legislativos;

– efetivar rupturas de concepção no Estado alterando suas funções estratégicas, a partir dos poderes institucionais do legislativo e do judiciário, alterando inclusive as normas e condicionantes;

– minimizar o Estado por transferência dessas funções estratégicas à exploração financeira;

– conduzir a política central com relação à classe trabalhadora, que é de garantir a máxima exploração e não permitir o exercício da cidadania das trabalhadoras e trabalhadores a partir da proibição ou limitação da auto organização e da organização em estruturas autônomas do Estado e livres em sua democracia e tomadas de decisões;

– destruição das alternativas de poder e das organizações da classe trabalhadora, seja pela própria estrutura do Estado, vide operação Lava Jato e outras, além do estabelecimento de concepções ideológicas operadas pela mídia, com o fim de alterar a compreensão da realidade; e

– restringir direitos civis e democráticos, bem como alterar as condições de intervenção de forças armadas, militares e policiais, responsáveis pela repressão dos movimentos sociais.

No fundo, eles pretendem garantir as diferenças sociais pela imposição de regramentos para impedir a plena democracia operária e a construção de políticas de resistência e enfrentamentos.

A intenção é instrumentalizar a estrutura de Estado para que suas funções e os regramentos tenham uma condição de funcionalidade para o sistema, desonerando os capitalistas e garantindo que o apartheid social seja mantido. Garantir a economia liberal e o sistema financeiro, restringir direitos, essa é a resolução para a “crise”.

– A defesa dos objetivos de Classe:

A Constituição de 1988, enquanto concepção defendida pelos representantes da classe trabalhadora, deveria ter em seu escopo a formalização de dispositivos que oferecessem às trabalhadoras e trabalhadores direitos de cidadania, inclusive de livre organização e relações sociais e de trabalho justas. Com isso, buscava-se uma base política e institucional para fortalecer o atendimento de suas necessidades imediatas e, se possível, históricas.

No entanto, não se conseguiu garantias pétreas para as trabalhadoras e trabalhadores na Constituição, como direitos fundamentais de ocupação da terra ou a não inexistência de propriedades privadas, por exemplo. Tampouco, não se conseguiu garantir que novos golpes acontecessem, proporcionados pelo ordenamento político, legislativo e jurídico do Estado, operado pelas elites.

Como pautas fundamentais, pairam ainda a questão da urbanização e a ocupação da terra nas grandes cidades, a questão agrária, a produção de alimentos para o povo e a extinção da fome, a educação como problema maior, o desemprego, a desregulamentação do trabalho e a miserabilização, a saúde, o adoecimento e o sofrimento de trabalhadoras e trabalhadores, a inexistência da manutenção direta da vida para o povo.

E o que verificamos, na conjuntura política, é que a maioria do povo não acredita na democracia burguesa, não se satisfaz com a democracia de fachada proporcionada pelas elites e, portanto, busca verdadeiramente uma democracia e um Estado que garantam atendimento a necessidades imediatas e também às voltadas para o futuro. O povo não quer o passado de golpes e reformas e, contra esses, têm resistência e o inconformismo de quem deseja direitos e mecanismos que garantam esses direitos. O povo quer Partidos Políticos que sejam seu representante real, sob seu controle e subordinação política; organizações sindicais que sustentem a cidadania plena, organizações populares que estejam alinhadas e se sustentem na consciência de classe, que enfrentem o monopólio de direitos e o poder político da classe dominante, que efetivamente lutem por garantias sociais.

Só a partir disso a classe trabalhadora e seus democráticos representantes poderão resgatar seus intentos de 30 anos passados, que remontam a construção de suas intervenções no início dos anos 80, como os 10 principais pontos de pauta dos movimentos sociais que refletiram na intervenção durante a constituinte de 1988:

– fim do monopólio do poder estatal por minorias dominantes, pela instalação de uma democracia efetivamente da maioria;

– restrição do uso da força militar e policial;

– fim da propriedade privada, responsável pelas desigualdades, injustiças e diferenças de condições;

– autodeterminação do país com relação aos países mandantes no sistema econômico, com a prioritária proteção da vida, das pessoas e ambiente natural;

– universalização de direitos civis e políticos;

– reforma política que garanta a plena liberdade de organização e de competição, garantido processos democráticos e impedindo a influência de grupos de minorias no poder, dos mais ricos e dos burocratas e tecnocratas;

– não à privatização do público e das funções estratégicas do Estado, de forma direta ou indireta, como saúde, educação, habitação, emprego, infraestrutura, economia, entre outros;

– fortalecimento da liberdade e autonomia de sindicatos, federações de sindicatos, organizações populares e culturais;

– reduzir e eliminar as desigualdades de classes; e

– igualdade das oportunidades educacionais, com o fim da comercialização e tecnificação do ensino do segundo e terceiro graus.

Portanto, não há consenso dos trabalhadores com os interesses das elites, não há como compartilhar poder quando a burguesia não quer compartilhar saúde, educação, habitação e emprego e segurança. Não há como pactuar a não ser com a compreensão dos intentos do povo, incorporação de suas necessidades e seus valores. Para tanto, Florestan Fernandes chama para atentarmos que precisamos garantir a convergência nas pautas populares, porque só com o “amadurecimento da luta de classes poderá nascer a proletarização do coração e da consciência intelectual.”

– A continuidade do novo golpe:

O golpe que vivemos segue seu curso, do impedimento de Dilma às vinculações das estruturas e superestruturas de poder, amarradas pelo Congresso Nacional, Judiciário em seus níveis de poder, sustentado pela mídia em sua insistente manipulação ideológica. Das rupturas de Estado, passando pelas alterações das funções estratégicas de Estado, com privatizações e diminuição de serviços, chegando a reformas estruturais, o governo de Temer e suas reproduções nos Estados da União e Municípios, propagam a rede de implantação do programa liberal e de direita no país inteiro, política também sustentada no Programa “Uma Ponte Para o Futuro, MDB/2015.

Na estrutura do Estado, para as elites o impasse das candidaturas, quem representa melhor os interesses e quem teria melhor capacidade de enfrentamento eleitoral, alinhado ao fato de que a esquerda pode estar com capacidade de garantir a vitória nos processos eleitorais de 2018, podem levar os capitalistas a optarem pela receita do pré-golpe de 1964, o parlamentarismo moderado. Na verdade, com o risco da derrota eleitoral, essa seria uma tentativa de deslocamento das decisões do presidencialismo com a desconstrução da luta de classes e o estabelecimento de um novo caráter para os governos a partir da reorganização política no Estado, permitindo que as elites seguissem determinando mais facilmente as decisões e os rumos do Estado.

– A alternativa estratégica para os trabalhadores:

O Enfrentamento às contrarreformas é, antes de tudo, neutralizar as ações do governo e potencializar as propostas da classe trabalhadora, sem oportunismos, dogmatismos e ilusões fáceis de serem ditas. Nossa estratégia de luta e poder não se alinha ao comprometimento com a democracia burguesa do Estado tal qual conhecemos, que tem por função se autorreproduzir.

De outro lado, as ações do governo partem da mídia, alinhadas ao governo, que tem como intenção produzir um efeito de “conhecimento” da realidade, reduzir a desconfiança e o descontentamento com as condições sociais e políticas, buscando o convencimento de massa para com isso diminuir o nível de tensionamento, que é consequência das diferenças sociais e do modo autoritário de exercício de poder pelo governo.

Mas além dessa perspectiva de atuação, no andar de cima dos poderes de Estado, o governo se encontra em um ambiente onde é necessário satisfazer as sofisticadas e fisiológicas intenções das diferentes frações da direita nacional e internacional, que causa grande instabilidade em sua intenção graças à incapacidade que tem de construir um acordo na superestrutura do Estado que consiga consolidar um acordo nacional desenvolvimentista e manter os interesses dos capitalistas no poder. Daí a aprovação das contrarreformas, a maior abertura da economia, a política de deslocamento dos recursos públicos para o sistema financeiro, a redução de direitos sociais e o pacto de sobrevivência aos corruptos dos poderes do Estado e dos corruptores capitalistas.

A incapacidade do governo de Temer está explicitada na baixa aprovação do governo até a utilização de Decreto de Estado de Sítio em Brasília dia 24 de maio de 2017, um cenário extremo que nem mesmo a direita quer para si. Sobre o Decreto, assinado dia 24 de maio, com data de 24 de dezembro de 2016, corrigida a data dia 25, dia em que foi revogado, cabe o entendimento que possivelmente a data de dezembro foi colocada porque estava pronto para ser assinado dia 14 de dezembro, data da votação da PEC 55.

A imponderabilidade da conjuntura frente a tamanhas instabilidades e possibilidades de acontecimentos se agudiza para a direita, mesmo que consiga estabelecer o acordo de superestrutura com os do “andar de cima”, o que coloca o governo em condição de controle relativo da superestrutura mas dependente de rupturas de sustentação e denúncias, sem capacidade de atuar na sociedade e com risco de enfrentamentos sociais de maior gravidade a partir dos movimentos de massa, que devem crescer.

A partir dessa realidade, podemos reduzir a três os maiores desafios estratégicos para a construção de uma alternativa de classe para o enfrentamento e na construção de um projeto de nação que atenda à classe trabalhadora: a Unidade de Classe na ação, um Programa de Classe para o Brasil e uma direção capaz de orientar a classe nos processos de luta e na disputa pelo Estado.

  1. I. Unidade de Classe na Ação

As políticas vivenciadas pelos governos da Frente Brasil Popular em seus anos de poder no Estado, de garantir o superávit primário, pagamento dos juros da dívida pública e os lucros dos capitalistas, em muito não contribuíram na construção da unidade de ação das forças de esquerda no Brasil. No entanto, temos vivido nos últimos meses uma nova conjuntura, a partir do golpe estrutural e do impedimento de Dilma, onde o entendimento de classe sobre a necessidade de enfrentar a reestruturação dos capitalistas, com rupturas de Estado, construção de acordos na superestrutura e contrarreformas que arrancam direitos dos trabalhadores e dos pobres, fizeram a movimentação da esquerda em torno de um plano de lutas e ações que oferecessem direção e unidade de ação de classe para deslocar a correlação até então desfavorável aos trabalhadores.

O entendimento comum parte em barrar os ataques do governo e do Congresso Nacional aos direitos da classe trabalhadora, sendo preciso colocar os trabalhadores na linha de frente dessa batalha. Contudo, a consciência que a realidade nem sempre é entendida simultaneamente pelo conjunto da classe, tampouco as organizações conseguem garantir em suas estruturas os encaminhamentos políticos e organizativos necessários, o primeiro desafio para alterar a correlação de forças entre os trabalhadores e os capitalistas é garantir a unidade de ação com o respeito democrático às organizações e suas estratégias de luta.

Mas a realidade é mais complexa: é necessário considerar que em meio à luta estarão os burocratas sindicais, responsáveis por décadas de traições, imobilismo, redução de empregos, salários e direitos, preocupados com os milhões que recebem de imposto sindical para garantir seus privilégios, e esses em parte estarão conosco em seus limites. Além disso, há desequilíbrios na capacidade e força de representação, com organizações que concentram setores estratégicos e explorados da classe trabalhadora, importantes na luta. Como exemplo, dos mais de 12 milhões de terceirizados no país, a UGT (central que representa interesses parciais e coorporativos dos trabalhadores, sem nenhuma perspectiva de enfrentamento à ordem e aos patrões, ou que ameace o sistema capitalista) concentra os maiores sindicatos de empresas terceirizadas e apenas um de seus sindicatos de base concentra 700 mil terceirizados em sua base em São Paulo. Pois os trabalhadores dessa base, com relações de trabalho rebaixadas e frágeis, em uma difícil condição de enfrentamento, estão reféns de uma Central Sindical que pode, daqui a pouco, romper com a Unidade das Centrais na luta contra as contrarreformas e o golpe de Estado, justamente porque não tem compromisso com a luta de classes.

Portanto, temos uma disputa de direção das massas trabalhadoras onde o centro para nós é ideológico, que repercute na estratégia a ser adotada pelo movimento e nas construções organizativas e que atenda às expectativas imediatas da classe trabalhadora. Lutamos por uma transformação profunda da sociedade, e a unidade das esquerdas deve estar sustentada pela unidade de ação entre todos que querem o socialismo em uma frente única, em um terreno comum. Dessa forma, nossa estratégia não está comprometida em apresentar alternativas ao capitalismo, como faz a socialdemocracia, que é a infiltração da burguesia na classe operária.

  1. II. Construção de um Programa que garanta reformas estruturais alinhadas aos interesses da classe trabalhadora da cidade e do campo

Seguindo o método adotado, trazendo a comparação de momentos históricos do Brasil para a construção de entendimentos, o cenário de antes do Golpe de 1964, quando Jânio renuncia e João Goulart ascende ao governo a partir de um acordo no parlamento, com discordância clara dos militares, quando o Brasil estava envolto em crises na economia e na política. Naquele momento, entre as medidas, previa-se o controle do déficit público e, ao mesmo tempo, a manutenção da política desenvolvimentista com captação de recursos externos para a realização das chamadas Reformas de Base, que eram medidas econômicas e sociais de caráter nacionalista que previam uma maior intervenção do Estado na economia. Nessa ampla denominação de Reformas de Base, que eram estruturais, incluíam-se as reformas bancária, fiscal, urbana, eleitoral, agrária e educacional. Defendia-se também o direito de voto para os analfabetos e para os militares de patentes subalternas. Além disso, eram propostas medidas de corte nacionalista, com maior intervenção do Estado na vida econômica e maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior.

Ratificando as propostas que pautaram aquele momento histórico, alinhado à tarefa central de combate às rupturas de Estado que vivenciamos, é necessária a construção de um projeto de sociedade e de desenvolvimento do Brasil sob controle dos trabalhadores, onde na construção teremos certamente consenso em sete grandes campos de abrangência social:

– Reforma educacional, que garanta a valorização do magistério e do ensino público em todos os níveis, o combate ao analfabetismo e uma reforma universitária que garanta desenvolvimento nacional autônomo, garantindo com isso o planejamento da sociedade e o emprego cidadão;

– Auditoria Cidadã da Dívida, contra a financeirização da economia e limite da remessa de lucros para o exterior;

– Reforma fiscal, que promova a justiça fiscal e a taxação das grandes fortunas e estabeleça a arrecadação necessária para que o Estado garanta a contrapartida em funções públicas como saúde, saneamento, entre outras;

– Reforma eleitoral, que garanta processos democráticos e a operação dos partidos operários;

– Reforma urbana, que entenda à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitação condigna a todas as famílias;

– Reforma agrária, que promova a democratização da terra estendendo ao campo os direitos dos trabalhadores urbanos;

– Garantia de infraestruturas estratégicas sob o controle do Estado como comunicação, energia, proteção ambiental, entre outras.

III. Construção de uma Candidatura: direção capaz de orientar a classe nos processos de luta e na disputa pelo Estado:

As condições políticas brasileiras, dependentes e consequência da superestrutura do Estado, estão integralmente determinadas pelas vontades dos interesses capitalistas de produção e financiamento. Essa condição determina que a direção de enfrentamento e exercício de poder, que irá representa a classe trabalhadora, esteja operada por militante de esquerda que represente e responda de forma objetiva às condições concretas da realidade, seguindo os caminhos determinados democraticamente pela classe trabalhadora. Essa condição original é princípio, porque toda política a ser efetivada dependerá da ligação às massas, porque uma direção sem às bases, separada das bases, estará sujeita a cometer graves erros em um Estado em disputa.

O contorno de alianças partidárias, representante das composições e expressão acordada das estratégias e concepções de uma Frente de Esquerda, que tem por função sustentar os processos de disputa e operação do poder, e tem como tarefa a indicação de representante de largo espectro na esquerda com capacidade de ouvir, refletir e dirigir, dogmaticamente obediente ao Programa Social de Governo e às instâncias populares de decisão.

A construção de uma candidatura, portanto, deve ser expressão dos movimentos sociais de massa, com identidade socialista e envergadura de representação, forte para resistir, estratégico no avanço das mudanças sociais.

Os Movimentos Sociais de Esquerda têm, em sua intervenção, líderes de base, como nos Partidos Políticos e Frentes, como a Frente Brasil popular e a Frente Povo Sem Medo, que tem como referencia de direção Guilherme Boulos. A construção deverá garantir a centralidade da luta na disputa de hegemonia de classe, na construção de um programa de referência na classe trabalhadora, com uma proposta ofensiva de composição.

Por outro lado, a estratégia de eleger uma bancada parlamentar aguerrida não é suficiente, principalmente porque o Programa, diferente dos Mandatos que são limitados pelos regramentos do Estado, terá a função de assentar bases para mudanças que não estarão no ambiente admitido na estrutura do Estado, tal qual existe. As bases de um novo governo, com identidade de classe, deverão garantir e estar posicionado de tal forma que a classe trabalhadora esteja acima dos partidos e o socialismo acima do poder do Estado. Estaremos proclamando a alteração da ordem social existente contra a violência institucionalizada à classe trabalhadora pelo Estado burguês, seja por sua opção ou por suas forças repressoras, o que nos colocará alinhados com as aspirações operárias mas em enfrentamento com a estrutura e os aparelhos do Estado.

– O método, o desafio e o acúmulo:

Precisamos aprofundar nossos debates, construir capacidade de ação mesmo onde as diferenças sejam feitas com desconfiança. O entendimento primeiro é o de que nós, socialistas, não iremos nos comprometer com a democracia burguesa. Precisamos romper com as diferenças, encontrar a melhor avaliação e construir a estratégia adequada. Participação popular, autodeterminação e autogestão são métodos que servem às trabalhadoras e trabalhadores para a elaboração dialética e tomadas de decisões.

Precisamos preparar os trabalhadores para o enfrentamento com os detentores do poder; precisamos proporcionar o ambiente democrático para que se faça o confronto da crítica com a realidade concreta, sem aburguesar nossa concepção de classe, marxista. O risco para a classe trabalhadora é o de não conseguirmos instaurar o poder nas instâncias do aparelho do Estado; o risco será o de continuar enfrentando a ordem imposta pelo Estado da classe dominante. Como vimos lutando, nos restará a desobediência civil como instrumento de confrontação ao poder do Estado e acumular.

 

4.5 – Intervenção militar: última linha do golpe e o enfrentamento social (março, 2018)

A intervenção militar no Rio de Janeiro é a primeira após o golpe dos militares na década de 60. O Estado de Sítio, determinado pelo governo em uma nova versão de AI-5, está sendo ventilado desde o início do exercício de poder de Temer na execução do golpe de Estado que se instalou no Brasil ainda em outubro de 2015 e consolidado em 31 de agosto de 2016, com o impedimento da Presidente Dilma. Sob a máscara de uma intervenção humanitária e pelo bem da paz social, contra o avanço das “facções criminosas”, o governo termina por colocar os Generais no poder e adotar a última linha necessária para ter o controle do Estado, que é o controle das ações sociais. Essa decisão política complementa e extrapola as ações e intervenções já garantidas no legislativo e judiciário, a serviço das elites e mandantes do sistema político e financeiro global, que pode levar a um novo parlamentarismo moderado, aos moldes do pré-golpe de 64, até ao cancelamento das eleições.

O primeiro aceno de intervenção acontece nos primeiros meses de instalação do golpe, quando as elites não conseguiam acordar em sua superestrutura a direção e o poder a ser instalado no Brasil. Logo a seguir, às intervenções decretadas pelo governo em dezembro de 2016 e em meados de 2017, com a ascensão dos movimentos sociais, quando trabalhadores e estudantes vão às ruas para enfrentar as contrarreformas, tendo na direção as centrais sindicais, movimentos da cidade e do campo e movimento estudantil. Nesse período, o governo esboça fragilidade, e susta suas ações repressoras naquele momento pelo risco da instabilidade política e nos meios de produção e descontrole da economia; a insegurança em assumir uma medida mais forte, em meio a um Congresso ainda instável e o Judiciário ainda sem garantir o endurecimento necessário e articulado às políticas do governo, fizeram o governo recuar.

Mas, no ocasião em que se alinham o Congresso, em sua maioria, o Judiciário, em sua cúpula, as mídias sustentando o golpe e a política do governo, estão criadas as condições favoráveis quando no Rio de Janeiro são apresentadas as motivações que “justificariam” uma interferência direta, garantindo assim a intervenção militar como alternativa de ruptura com a ordem constitucional e preceitos democráticos de Estado Civil.

Mais que isso, com a intervenção, também são criadas as condições para a expansão da interferência nos Estados que podem oferecer oposição ao golpe, consolidar a desobediência civil e organizar a resistência, como São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, células importantes das organizações populares, dos movimentos sociais e residência expressiva das contradições do sistema e que afrontam a exploração capitalista.

A intervenção militar no Rio, nesse momento, em conjunto com a criação de um Ministério de Segurança e transformação do Ministério dos Direitos Humanos em Secretaria apensada ao Ministério da Justiça, significam uma mudança importante no posicionamento do governo e aponta para a alternativa de poder acordada na superestrutura do Estado.

As contrarreformas, como a trabalhista e da previdência, assim como a constitucional, que não se apresenta como tal, bem como rupturas estruturais e na democracia do Estado, intenção do golpe no Brasil, estão assim com suas condições existenciais colocadas.

A importância das reformas, do golpe e ascensão da direita no Brasil:

O que é necessário também elaborar, nessa realidade, é a compreensão dos elementos externos à conjuntura que vivemos no Brasil, situada em um mesmo ambiente de intensificação das movimentações da direita na América Latina e Caribe, que acontece em diferentes países e sustentada por uma intervenção clara dos norte-americanos nas conjunturas locais.

Na Venezuela Bolivariana, por exemplo, o governo popular de Maduro enfrenta o bloqueio econômico da direita, sustentado pelo USAID, e a possibilidade de uma intervenção militar estadunidense, a clássica intervenção a partir da “ajuda humanitária” norte americana para justificar invasão a qualquer tempo; para tanto, chamam os desolados Venezuelanos a se refugiarem na Argentina e no Brasil. No Peru, outro exemplo, a mesma direita é sustentada pela intervenção da máfia de governança, apoiada pela CIA, que garante a política de golpe estrutural e se sustenta no poder. Na Colômbia, as bases militares norte americanas garantem o desequilíbrio e a hegemonia dos interesses dos colonizadores na região.

Por política e seus objetivos de direita, Argentina, Colômbia, Peru e Brasil se sustentam em Estados estruturados para atuarem nas políticas de interesse dos capitalistas e financistas, operando com força armada e com tropas e lideranças militares se tornando um comando militar unificado na defesa do Estado de Direito, das elites. Chama a atenção que essa estratégia também foi adotada no Médio Oriente, na Síria e com os mesmos intentos com relação a Cuba, que permanece até hoje como na época da Política Monroe.

Nessa conjuntura de poder global, o governo de Temer no Brasil, assim como o de direita de Macri na Argentina, têm função estratégica no continente, tanto para a política colonial de exploração, como para submissão da América Latina aos intentos dos capitalistas da América do Norte e da Europa.

– Postura da Classe Trabalhadora:

O governo de Temer perdeu o controle da sociedade, aprofundaram-se as crises social e da administração do Estado e possivelmente não conseguirá impor as contrarreformas da Previdência e Tributária, levando-o a se impor no discurso da lei e da ordem; a resistência demarcada pelas forças de esquerda e movimentos populares de classe deve crescer, no entanto as ações dos golpistas devem tornar-se mais agressivas, desde as judiciais como as militares e policiais.

” Intervenção no Rio de Janeiro é Grave: A solução para a violência não é militarizar mais. Isso vai apenas aumentar a criminalização da pobreza. Além disso, o sinal de que o Exército é a solução para os problemas sociais e políticos nos remete a tempos sombrios.” Guilherme Boulos – Frente Povo Sem Medo

 

 

 

 

 

  1. O Fascismo se instala no Brasil: Como enfrentá-lo

O Quinto Capítulo aponta, de forma objetiva, quem é o governo fascista de Bolsonaro, suas teses e ações, e reforça o debate necessário sobre a reorganização da esquerda no Brasil.

O Integralismo, a exemplo do fascismo e do nazismo, acreditava que o homem estava subordinado ao Estado como parte dele, cujo slogan criado por Plínio Salgado: “O integralista é o soldado de Deus e da Pátria. O homem-novo que vai construir uma nova nação”. Com esse slogan, os integralistas disseminavam, ainda que negassem, o mesmo sentimento presente na Alemanha de Hitler. Marcelo Green Barcaro

 

5.1 Bolsonaro e o fascismo clássico

Esse debate passa pelo entendimento que Bolsonaro, e o que representa, é o resultado das políticas capitalistas para o mundo e suas contradições e que podem não ser uma figura passageira no cenário político nacional e latino americano. Ao contrário, tem uma perspectiva clara de aprofundamento da visão do Estado de Direito preconizado pela intolerância religiosa, racial, organizativa… onde se alinha intencionalmente aos preceitos liberais para acirrar a luta contra todas e todos aqueles que lutam pelo Estado Democrático, identificados como inimigos da nação.

Mais que isso, em acordo com a conceituação de Konder, esse fascismo de Bolsonaro pode ser  caracterizado como possuidor de força e identidade social expressiva, que se apresenta com característica social-conservadora disfarçada de movimento de resgate de valores, guiado por uma ideologia de pragmatismo radical e suportado por sua condição de mito nacionalista, como foi caracterizado por sua campanha eleitoral. Esse perfil se reforça sistematicamente nos conteúdos racista, homofóbico, de força que se apresentam em todas as suas manifestações agressivas e vazias, recorrendo a uma ênfase violenta em nome de um pretenso bem nacional maior. Com isso, Bolsonaro assume seu papel de mito nacionalista em seu caráter chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista e antioperário.

Dessa forma, Bolsonaro caminha a passos largos para consolidação do fascismo no Brasil, em seus estágios, conforme aponta Konder: criação do movimento, que está em estágio avançado de consolidação; enraizamento do movimento dentro do sistema político vigente, a caminho pela distribuição dos poderes da República; tomada do poder, que similar a Hitler e Mussolini, chega a partir de golpe; exercício do poder feito através do disciplinamento das classes e de um capitalismo monopolista de Estado, como se propõe a fazê-lo; e, por fim, o período em que o exercício do poder caminha para a radicalização ou para a coalizão com alas menos radicais da direita, que é o ambiente da eliminação dos espaços mais democráticos do Estado de Direito.

 

5.2 Avaliação dos Partidos de Esquerda sobre o Resultado Eleitoral de 2018

Nesse subcapítulo, são expostas as leituras de Partidos de Esquerda no Brasil que disputaram o processo eleitoral de 2018, em avaliações, projeções e direções a serem adotadas pelas Organizações e Movimentos Sociais de esquerda.

No documento UMA CAMPANHA VITORIOSA – BALANÇO ELEITORAL DO PSOL 2018 , o Partido Socialismo e Liberdade avaliou que as eleições de 2018 demonstraram a profundidade da crise que o Brasil vive. Uma crise econômica que nos levou à maior recessão da história, aprofundou a dependência e a vulnerabilidade externa, ampliou a informalidade e gerou 13 milhões de desempregados. Uma crise social que aprofundou a desigualdade, jogou milhões de brasileiros de volta à condição de miséria extrema e criou um clima de verdadeiro terror nas periferias com o aumento da violência urbana. Uma crise política, que fez ruir os pactos firmados na Constituição de 1988 e disseminou a violência política, o aumento do protagonismo dos militares, a politização do Judiciário, escândalos de corrupção e a perda de credibilidade de todo o sistema político. O produto da crise econômica, social e política que vivemos foi o surgimento da maior onda conservadora desde 1964, alimentada por um enorme desconforto de diferentes extratos sociais com a realidade brasileira.

Referencia as agressivas políticas pós-golpe, como a Reforma Trabalhista, a Lei das Terceirizações e a intervenção militar no Rio de Janeiro, que são representadas pelo assassinato de Marielle e Anderson. A postura do Partido foi de afirmação de um polo de esquerda socialista capaz de apontar uma saída em favor dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras com a construção de uma frente única, que não se consolidou e levou a composição da Chapa de Boulos e a companheira Sônia Guajajara, primeira liderança indígena a compor uma chapa presidencial em 518 anos de história, o que representou uma ampliação do PSOL em seus esforços de construção de um novo campo na direção dos movimentos sociais. Em sua avaliação, a Direção do PSOL entendeu que o resultado da votação proporcional do partido mostra que o PSOL se localizou corretamente desde as vésperas do impeachment de Dilma, processo que significou uma mudança de qualidade na conjuntura, no aprofundamento da ofensiva do capital e na consequente mudança de tática e reposicionamento do partido aos olhos da sociedade. No segundo turno o PSOL adotou a única postura possível diante da ameaça representada pela candidatura de Jair Bolsonaro: o apoio incondicional a Fernando Haddad (PT), nome registrado quando da impugnação da candidatura de Lula. Engajamos toda a nossa militância, quadros públicos, dirigentes e parlamentares eleitos na tarefa de conformar uma ampla frente democrática contra o fascismo. Levamos a Haddad e Manuela contribuições programáticas que foram incorporadas à sua plataforma e nos somamos em todo o Brasil à luta para derrotar Bolsonaro. Como conclusão, o documento aponta que o PSOL trabalhará para manter unida a aliança social e política que forjou com os atores que sustentaram a candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara. Como aliança, atuaremos para criar um amplo movimento de resistência popular junto com outros movimentos sociais organizados e todos os setores que quiserem lutar pela democracia, direitos sociais, humanos.

No entanto, a campanha não conseguiu apresentar alternativas objetivas a temas como Unidade Estratégica da Esquerda, Auditoria da Dívida Pública, Proposta Ecológica Socialista, Organização Sindical, entre outras, que são grandes pautas para o Movimento Socialista e que urgentemente necessitam entrar em debate mais elaborado. O Partido Comunista Brasileiro, integrante da composição, não possui avaliação em sua Página Eletrônica.

A posição do Partido dos Trabalhadores, em Resolução da Comissão Executiva Nacional do PT, de 30 de outubro, não apresenta uma avaliação sobre o resultado eleitoral, centra em avaliar o projeto de golpe e sua continuidade e convoca os diretórios regionais e municipais a se integrar com os movimentos sociais, a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, organizando plenárias de articulação da resistência, o que corretamente aponta.

No entanto, a falta de autocrítica direcionada ao povo, ao Movimento Socialista e Movimentos Sociais quanto aos governos da FBP e suas políticas e alianças, não aponta a Carta ao Povo Brasileiro como tendo sido um retrocesso em um projeto de poder para a esquerda brasileira e não assume o erro que foi a política de Conciliação de Classes que adotou em seus governos e que trouxe para governar o Brasil o líder liberal José Alencar, o líder brasileiro da maçonaria de São Paulo Michel Temer e representantes das políticas capitalistas e escravistas como Bresser Pereira e José Sarney, responsáveis por aprofundar a miséria dos trabalhadores e a entrega do país; proporcionou a seu aliado Jader Barbalho a concessão de parte do sistema elétrico do nordeste e com Maluf em São Paulo e Collor em Alagoas, foram sustentação do governo da FBP. Com Almir Lando, foi no Ministério da Previdência concebida e sustentada a Reforma da Previdência, onde no Senado a proposta venceu com 55 votos a favor e 25 contra, quando retirou direitos dos trabalhadores; até Romeu Tuma foi um dos que foi seduzido por Lula, assim como teve apoio de Antônio Carlos Magalhães, que votou favorável ao governo. A operação para assegurar a vitória do governo passou ainda pela liberação de recursos orçamentários, que envolveram José Agripino Maia e Maria do Carmo Alves, que conseguiu recursos da União para Sergipe, governado por seu marido João Alves. Também não abordou o erro de manter sua política hegemonista de não construir movimentos para a construção de uma Frente Ampla para a Eleição de 2018.

No documento PCdoB: Ampla união em defesa da democracia, do Brasil e dos direitos, datado do dia 28 de outubro, o Partido Comunista do Brasil aponta que se deve formar, desde já, uma ampla união em defesa da democracia, do Brasil e dos direitos do povo. Segundo o documento, “A resistência, a oposição vigorosa, deve ser organizada no âmbito de toda a vida política e social do país, a começar pelo Congresso Nacional e outras casas legislativas, se estendendo para os movimentos sociais, as organizações da classe trabalhadora, segmentos do empresariado, o universo acadêmico, a intelectualidade, os artistas, o mundo jurídico, setores religiosos, e inclusive para os integrantes de instituições da República. Os governadores e os prefeitos do campo democrático terão importante papel nesta empreitada”. Na avaliação, a Presidenta do Partido afirma que a eleição de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais instaura um novo período político no país, marcado por ameaças à democracia, ao patrimônio nacional, à soberania da nação e aos direitos do povo. Foi eleito um presidente da República declaradamente determinado a instaurar um governo de conteúdo ditatorial, para implementar, a ferro e fogo, um programa ultraliberal e neocolonial. Há uma guinada em direção a um retrocesso, à desconstrução, e mesmo à destruição de históricas realizações e conquistas sobre as quais, a despeito de graves problemas que persistem, se ergueram e floresceram o Brasil e o povo brasileiro.

Em sua conclusão, o PCdoB se dirige ao povo e às forças democráticas do país conclamando que a partir de hoje iniciemos a construção de uma ampla unidade com o objetivo de descortinar horizontes a uma jornada cívica, patriótica, democrática e popular, e a formação de barreiras contra a volta de um regime de Estado de exceção e em defesa da democracia, do Brasil e dos direitos do povo.

 

5.3 Caracterização do Pré Governo de Bolsonaro

Em seu caráter nacionalista, alinhado a valores cristãos que se sobrepõem aos valores e direitos individuais e que representa uma visão de Estado totalitário e governo autocrático, ultraconservador, Bolsonaro faz sua inserção política centralizado na figura de um ditador de extrema direita. Quanto a seus objetivos e compromissos com a direita, adota como método a sustentação de seus valores de forma sistemática na mídia e de se proclamar impunemente como usurpador da democracia em nome da nação e do deus cristão. Essa estratégia resulta de uma visão expansionista, com a intenção de ocupar todos os espaços democráticos e os reduzir a um limite que seja admissível ao modelo de governo que pretende, de dependência da nação ao fascismo suportado pelo financiamento do capital financeiro.

A leitura da conjuntura possível no governo de Bolsonaro aponta para o exercício do poder com a radicalização e na continuação com a coalizão com alas da direita menos radical, não tão agressivas como sua política. Esse cenário pode ser traçado pelas medidas que adianta em sua intenção já no período de transição de governo, como:

– construção da revogação do Estatuto do Desarmamento.

– assinatura por Temer do Decreto, de 29 de outubro de 2018, que permite participação estrangeira no capital social de Sociedades de Crédito Direto e de Sociedades de Empréstimos a Pessoas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil

– esboço de fusão dos Ministérios da Agricultura e Meio Ambiente

– intenção de as universidades públicas brasileiras saírem da tutela do Ministério da Educação e ficarem sob a responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia

– retomada forte do projeto escola sem partido, de forma agressiva e gerando uma instabilidade nas comunidades educacionais

– encerramento do Programa Mais Médicos, por clara definição ideológica

– intervenção nas IFES e IES, a partir da ameaça de restrições quanto à liberdade de cátedra

– criminalização dos Movimentos Sociais, seja pela retomada de desocupações como pelas indicações para a composição dos Ministérios

– a intenção clara de colocar a Reforma da Previdência em pauta no Legislativo no início do governo

– indicativo de privatizações de setores estratégicos como saúde educação, empresas públicas, como Petrobras, entre outras

– mudança nas relações de trabalho dos servidores públicos, como no caso dos Servidores das Instituições Federais de Ensino, onde aponta para os Técnico-Administrativos em Educação com a transformação do incentivo à qualificação em gratificação e desvinculação de servidores aposentados dos ativos

– passar para 21 o numero de juizes do stf. Os dez que ele quer acrescentar serão nomeados por ele, que nestas condições fará o que quiser com a justiça

– Tornar crime o ensino de ideologia de gênero nas escolas brasileiras.

– Criminalizar o MST, mtst e outros movimentos ditos sociais que invadem propriedades por falta de políticas públicas

– Criminalização da apologia ao comunismo

– retificação de registro civil transexuais

– não permitir a interrupção voluntária da gravidez, dentro das doze primeiras semanas de gestação, pelo sistema único de saúde

– outros indícios

 

5.4 A Manutenção dos espaços democráticos conquistados em 40 anos:

Temos a necessidade de pensar em conjunto a ocupação de espaços políticos a serem garantidos no próximo governo, de forma que nossas políticas estejam bem qualificadas e sejam democráticas e aprofundem a autodeterminação para sustentar a ação dos movimentos sociais. Não é possível seguir em um viés puramente institucional, isto é, a crença na qual as instituições e organizações serão capazes de sustentar as movimentações democráticas de resistência. Não serão as instituições, sem os indivíduos coletivamente organizados, as capazes de construir a alternativa democrática de resistência; a oposição socialista deverá ser o resultado da consolidação do Movimento Socialista para conseguir dar uma efetiva direção de luta à classe trabalhadora.

O Movimento Socialista deve retomar pautas de reivindicações sociais por melhores condições de vida (transportes, saúde, educação, etc), que serão praticamente abandonadas pelo novo governo, como também fazer a crítica feroz aos seus instrumentos políticos  e às instituições do Estado, que não estão enfrentando as políticas fascistas que já se mostram pelo desrespeito aos direitos fundamentais da cidadania.

Importante resgatar a luta pelas liberdades democráticas (liberdade de expressão, de manifestação, de organização, sindical, partidária, eleitoral, cultural, etc) e melhoria nas condições de trabalho (reajustes salariais, garantia de emprego…) e de vida (investimentos em moradia, saneamento, transportes, saúde, educação…) da maioria da população.

 

 

  1. Campo de batalha da esquerda no Brasil: resistência democrática, ocupação dos espaços democráticos, retorno às bases sociais, aprofundamento da democracia e o enfrentamento

A tarefa central dos socialistas é resgatar o Movimento Socialista. Conforme Marx, as bases do Movimento Socialista são as trabalhadoras e trabalhadores, forças sociais capazes de promover as mudanças necessárias, porque enquanto classe são os únicos capazes de se constituírem com coesão, garantir os meios e são possuidores de determinação para fazer a revolução; são aqueles que estarão comprometidos em momentos de mobilização, ação e combate “sem medo de serem socialistas”, como dizia Florestan Fernandes em 1986.

A tarefa primeira desse Movimento é a de ocupar e garantir a existência de todos os ambientes democráticos que construímos, alinhada com nossos princípios. Para tanto, é necessário que se tenha o entendimento de Marx e Engels sobre a sociedade capitalista: a organização social nasce diretamente das relações de produção, as quais, em última instância, constituem a base do Estado e do resto da superestrutura das ideias. Podemos assim concluir que o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Isso equivale dizer que diferentes conjuntos de relações econômicas determinarão a existência de diferentes formas de Estado e consciência social, que serão adequadas para funcionamento daquelas relações. Logo, quando o desenvolvimento das forças produtivas traz mudanças nas relações de produção, consequentemente a superestrutura será transformada. Ou seja, a superestrutura não é autônoma, não se dá por si mesma, mas tem seu fundamento nas forças produtivas e relações de produção. Com essa compreensão, mesmo que reduzida em sua interpretação, devemos mobilizar as bases sociais para essa ocupação a partir da assimilação da consciência social e sua transformação, e isso nos leva a segunda tarefa, de retomar a inserção nas organizações e movimentos sociais de base.

A segunda tarefa, portanto, é a de atuar nos movimentos de base da sociedade, particularmente no movimento de representação de todos os trabalhadores sem, contudo, desprezar a intervenção nos movimentos comunitários e estudantis, que também formam a base dos pensamentos nacionalistas e de concepção religiosa que sustentam na conjuntura o ideal fascista. Para tanto, a terceira grande tarefa é de aprofundamento da democracia direta em todas as movimentações.

Enquanto terceira tarefa, que é a de radicalizar a democracia pela participação direta, significa a adoção da democracia de participação sem representação em todas as organizações e em todos os níveis estratégicos, onde todos tomam todas as decisões, onde cabe a todos fazer a autogestão da política de forma horizontal. Não podemos substituir o poder dos trabalhadores, porque nele reside e emana a correção da direção, a construção da consciência e a vontade dos trabalhadores. Com isso chegamos à quarta tarefa, a ação direta.

A adoção da ação direta, a quarta tarefa, como método e tática representa não só uma práxis, como também atuar diretamente, de forma horizontal, onde o sistema capitalista atua, busca seus resultados e se reproduz, tem como objetivo fundamental mudar a realidade a partir da prática democrática, política e social. Enquanto método, as ações diretas não devem compor-se de forma hierarquizada e burocratizada, facilitando assim as movimentações e não admitindo o papel de observadores passivos, tornando-as, em suas práticas, populares e coletivas; a ação direta, em sua prática na democracia direta, é um ato de transformação política. Enquanto tática, a ação direta opera fundamentalmente como uma subversão da ordem natural do capitalismo. Trabalhadores ocupando fábricas em protesto por salários ou condições de trabalho melhores, iniciar uma cooperativa em alternativa às empresas tradicionais, ocupar propriedades, no campo e na cidade, que são o centro do capitalismo a partir da ocupação da terra, são formas de ação direta, e que também podem servir de acúmulo organizativo para a construção de Frentes Socialistas de enfrentamento.

 

  1. “Quem se limita a ‘reivindicar’ aos governos burgueses a conclusão da paz ou a ‘revelação da vontade de paz dos povos’, etc., de fato está a resvalar para o reformismo.” Lenin

Não há espaços políticos para a construção de políticas populares no Estado brasileiro hoje. Nossas tarefas consistem em atividades políticas a qual, pela sua própria essência, estão indissoluvelmente ligadas à luta dos partidos de esquerda e exige, inevitavelmente, a concretização de Frentes Socialistas, sendo necessária a mais séria preparação científica, a formação de convicções firmes, onde todo o trabalho político não se limite apenas a círculos de políticos de uma dada tendência, mas deve dirigir-se para camadas cada vez mais amplas das organizações populares e da população, ligar-se aos interesses dos trabalhadores, unir os movimentos sociais com o político e elevar o primeiro até ao segundo.

 

 

Porto Alegre, dezembro de 2018

 

 

Material de Consulta:

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